quinta-feira, 8 de março de 2012

Consulta pessoal gera polêmica


A Central Única dos Trabalhadores (CUT) da Paraíba vai se unir à CUT de Sergipe e à nacional para acionar a Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu o direito da empresa G. Barbosa Comercial Ltda. de pesquisar no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Serviço de Consulta a Pendências e Protestos Exclusivo para Empresas (Serasa) o nome dos candidatos a emprego. Magistrados da área trabalhista e empresários locais também discordaram do entendimento do TST e concordaram que houve violação da vida privada e dano moral dos candidatos às vagas de trabalho, o que é passível de ação indenizatória também no campo do Direito Civil.


O presidente da CUT-PB, Luís Silva, disse ser inadmissível utilizar informações pessoais como critério de seleção de emprego e disse que irá buscar apoio internacional. A Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), do Ministério Público do Trabalho (MPT), em Brasília (DF), divulgou uma nota em que esclarece que a decisão judicial da 2ª Turma do TST ainda é passível de recurso e, portanto, sujeita a reforma. Apesar disso, o entendimento teve grande repercussão nacional e causou polêmica entre a classe dos trabalhadores.

O vice-coordenador da Coordigualdade, o procurador Flávio Henrique Freitas Evangelista Gondim, destacou que a decisão foi de apenas uma das oito turmas do TST e, por isso, não representa a compreensão total do tribunal. O Ministério Público do Trabalho de Sergipe já havia entrado com recurso com objetivo de impedir as pesquisas feitas pela empresa de Aracaju. O MPT-SE considerou a conduta da empresa era discriminatória e havia um dano moral coletivo.

“Cobradoras fiscais”

O presidente da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (Fiep), Buega Gadelha, destacou que, com o posicionamento da 2ª turma do TST, as empresas acabam se tornando cobradoras fiscais, na medida em que exigem o pagamento de dívidas para permitir aos candidatos a possibilidade de contratação.


De acordo com a nota divulgada pelo Ministério Público do Trabalho, a decisão do TST “não implica a inauguração de uma nova era, não cria novas regras de contratação de pessoal nem constitui “carta branca” para que os empregadores passem a adotar, de forma generalizada, país afora, o polêmico procedimento referendado naquele julgado”.

Ação após denúncia anônima

Tudo começou em 2002 com uma denúncia anônima informando que a empresa teria praticado discriminação ao não contratar pessoas com pendências no SPC. A denúncia gerou um inquérito e, em audiência, a empresa recusou-se a assinar um termo comprometendo-se a não faria mais a pesquisa. Diante da recusa, o Ministério Público do Trabalho protocolou uma ação no Judiciário.


Na Justiça, em 1ª Instância, a determinação foi de que a empresa deixasse de fazer as consultas, caso contrário, pagaria multa de R$ 10 mil para cada pesquisa realizada e indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo. A G. Barbosa recorreu ao TRT argumentando não haver discriminação e, ao julgar o recurso, o tribunal ainda argumentou que a administração pública e o próprio processo seletivo do Ministério Público fazem exigências em relação à conduta de candidatos aos postos de trabalho.


Os magistrados do TRT consideraram que a discriminação proibida pela Constituição Federal está relacionada a condições pessoais, como sexo e etnia e concluíram que, no caso, não houve discriminação por parte da empresa.



Contudo, o advogado Vital Borba de Araújo Júnior concorda com o entendimento do MPT-SE e considera que houve discriminação com os candidatos à vaga de trabalho. Ele enfatizou que a vida pessoal de um empregado não influencia numa relação de emprego e, por isso, não pode ser adotado como critério de seleção. “Deixar de contratar uma pessoa porque ela está devendo é a mesma situação de um candidato que deixa de ser contratado porque é ex-presidiário, ou de uma mulher que perde a vaga porque é gorda. Há caráter discriminatório que exige reparação por dano”, comentou.


Assim como ele, o advogado Robson Espínola Feitosa considerou um “absurdo” o candidato ser investigado em sua vida pessoal para uma finalidade profissional. Ele ponderou que, de forma semelhante, um candidato a vaga de emprego não pode ser eliminado por já ter impetrado ação trabalhista contra alguma empresa onde tenha trabalhado. “Também é discriminação”, apontou.

Dados apenas para fins comerciais

Uma das cláusulas do contrato para utilização das informações do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Serviço de Consulta a Pendências e Protestos Exclusivo para Empresas (Serasa) é que o uso só pode ser feito para consulta de perfil de clientes com fins comerciais e não com fins de emprego. Foi o que explicou o procurador e vice-coordenador Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), Flávio Henrique Freitas Evangelista Gondim.


Segundo o procurador, se ficar comprovado ou houver o flagrante da empresa desvirtuando a utilização das informações do banco de dados, ela pode ter o contrato rescindido, perder o direito de utilizar a ferramenta e ainda sofrer condenação indenizatória na Justiça do Trabalho.


De forma semelhante, o advogado trabalhista Robson Espínola Feitosa, contestou a utilização das informações do SPC, observando que o acesso ao banco de dados não é liberado qualquer pessoa. “As dívidas não podem ser utilizadas como critério de elegibilidade do trabalhador. Sabemos que é comum as empresas buscarem informações sobre os futuros candidatos. Muitas empresas querem referências para melhor avaliar os trabalhadores. Mas a Lei Trabalhista é um pouco omissa com relação a esse processo porque não estabelece os critérios para isso. A Lei não permite, mas não proíbe”, ponderou.   

O juiz trabalhista e presidente da Associação dos Magistrados da Paraíba, Adriano Dantas, destacou que, usando as dívidas dos candidatos para eliminá-los do processo de contratação a empresa do ramo de supermercados está negando o próprio acesso ao mercado de trabalho por questões alheias à função. “Se uma pessoa tem uma dívida, precisa quitá-la. Para quitá-la ele precisa somar uma quantia em dinheiro. E para adquirir essa soma, ele precisa trabalhar. Mas se ele tem a possibilidade de trabalho negada, como vai conseguir sanar a dívida?”, questionou o magistrado.
Segundo o juiz, os trabalhadores que foram eliminados porque estavam com o nome no cadastro SPC-Serasa, podem mover uma ação jurídica por danos morais reivindicando indenização, lucros cessantes – tendo em vista que tiveram o acesso ao trabalho negado por questões abusivas – e ainda uma ação coletiva para tutela de todos os trabalhadores indistintamente, pedindo a condenação da empresa para que não mais exerça essa prática.

Medida beneficiará os bancos  

Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (Fiep), Buega Gadelha, a decisão da 2ª turma do TST Pé mais um benefício que se concede aos bancos. “O trabalhador que tem uma dívida, mesmo que seja por razões externas a seu objetivo, e não pode mais trabalhar é uma situação discriminatória e extremamente perigosa. A dívida não pode tomar conta da vida do brasileiro”, advertiu.


Segundo ele, a pressão das instituições financeiras é tão grande que inviabiliza a continuidade das atividades de empresas e até de pessoas físicas quando se encontram com algum débito. “Uma empresa que atrasa uma duplicata fica incapaz de operar. As informações são postas em toda rede de computadores do país e ela fica fadada a fechar as portas porque não encontra mais fornecedores nem crédito financeiro. Da mesma forma, uma pessoa que tenta um negócio na juventude e não dá certo, não pode mais colocar um negócio porque fica marcado. Tem que ser criada uma lei que própria e diferente para reger essas questões”, argumentou.


Na opinião de Buega Gadelha, o trabalhador precisa ser selecionado pela ética, competência. “Principalmente se eles são capazes de construir um novo negócio ou de conquistar um novo emprego”, advertiu. Buega ainda comparou as pendências financeiras0 com as pendências judiciais. Segundo ele, enquanto uma pena judicial pode prescrever com os anos, uma dívida no nome de uma pessoa “pode durar um vida inteira”.


“Por exemplo: uma pessoa firma um contrato com um banco que prevê juros de 2%, mas, em caso de atraso, esses juros sobem para 4%. Se a pessoa atrasar o pagamento, disser que só vai pagar os 2% e o banco renunciar o valor previsto no contrato e aceitar o pagamento, esse banco nunca mais opera com essa pessoa. A ‘pena’ dura uma vida inteira”, destacou Buega Gadelha.

Existe decisão contrária

A 7ª turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no último dia 3 de fevereiro, tomou decisão oposta sobre a consulta ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Serviço de Consulta a Pendências e Protestos Exclusivo para Empresas (Serasa) para contratação de funcionários em um caso semelhante. Conforme a nota de esclarecimento do Ministério Público do Trabalho (MPT), o TST considerou inconstitucional a postura do Banco Central do Brasil de proibir que trabalhem em suas dependências vigilantes terceirizados cujo nome esteja negativado em cadastros de inadimplentes ou serviços de proteção ao crédito.


“Como se vê, a decisão proferida pela 2ª Turma do TST no caso do supermercado sergipano, além de suscetível de reforma, está longe de refletir a posição ficial da Corte a respeito da temática ora analisada. Se alguma tendência pode ser extraída da jurisprudência da Corte, é exatamente em direção oposta, no sentido de se considerar ilegítima, porquanto incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito, a realização de consultas a cadastros de inadimplentes e serviços de proteção ao crédito como mecanismo de seleção de candidatos a emprego”, afirma a nota.

Por: Marcelo Rodrigo
http://m.correio10.com.br/noticia/17107/consulta-pessoal-gera-polemica

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