quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

As tragédias dos acidentes


imagem: amigossolidariosnadordolutorj.blogspot.com

Número de mortos em acidentes de trabalho em 2012
representam 2 tragédias da boate Kiss por mês.
A análise de tragédias afetando grupos populacionais, constata a existência de 2 categorias: em uma, os acidentes afetam uma grande concentração de pessoas em locais restritos. É o caso dos acidentes em transportes coletivos (ônibus, aviões, etc.) ou em áreas físicas ou geográficas restritas (cidades, edifícios, lojas, clubes, boates, etc.), geralmente como consequencia de terremotos, incêndios e desabamentos. Ou podem ocorrer em locais dispersos, em que as vítimas, embora de uma mesma categoria, são afetadas em locais e tempos diferentes. É o caso dos acidentes de trânsito e principalmente dos acidentes de trabalho.
A análise comparativa desses acidentes pode ajudar a entender comportamentos e projetar tendências.
O aspecto principal que queremos chamar a atenção nesta análise é como se dá o foco e as lições dessas tragédias.
Em diversos países, os acidentes ajudaram a aperfeiçoar os mecanismos de segurança, onde a impunidade é rara exceção. Assim foi com o acidente do Titanic, que matou 1.250 pessoas, e que mudou os mecanismos de segurança no transporte náutico. No Japão os terremotos estão mudando os critérios para a construção de edifícios.
No Brasil ainda hoje repercute-se as mortes dos acidentes da GOL (156)  e da TAM (199 pessoas). Passados anos dessas catástrofes, como estará a segurança aérea no Brasil? Observe-se que nos Estados Unidos, o mais moderno avião da Boeing está impedido de voar por problemas de segurança, mesmo ferindo grandes interesses econômicos.
O acidente de Santa Maria (235 mortos), é o mais recente exemplo de acidentes da primeira categoria, onde havia uma grande concentração de pessoas no ambiente  onde ocorreu o acidente. É neste caso onde o foco da atenção do público e da mídia é mais intensivo. Aparecem sucessivas entrevistas com técnicos, lay outs, animações do ocorrido, simulações,  promessas de legislação, de inquéritos, de fiscalização, de punições rigorosas,  telejornais utilizando como fundo de cena o local do acidente. Como sempre, descobre-se que as falhas são as mesmas, com o acidente sendo bastante previsível e tendo como principal fundamento a falta de fiscalização e as vistorias de araque onde a ênfase é a burocracia e não a segurança.
Entretanto, para aquela segunda categoria de tragédias que vão ocorrendo de forma dispersa, mas de maior profundidade e gravidade social, como os acidentes de trabalho, o foco não é o mesmo e as lições do mesmo modo não tem levado a progressos sustentáveis.
No Brasil, estatísticas apontam que anualmente o trânsito mata 40.000 pessoas e os acidentes de trabalho acabaram com a vida de 4.000, em sua grande maioria entre 25 e 29 anos. Em relação aos acidentes de trabalho são quase 400 tragédias mensais, é como se ocorressem 2 catástrofes da Boate Kiss por mês nos ambientes de trabalho atingindo igualmente trabalhadores jovens. E isso ocorre de forma dispersa, silenciosa, sem repercussão, sem que o telejornalismo exerça a mesma pressão relativamente aos acidentes do primeiro grupo. Não se vê plantão nos escombros de desabamentos, nas quedas de andaimes, junto aos intoxicados por produtos químicos, aos traumatizados do crânio, aos doentes por agrotóxicos, e nem entrevistas com mutilados e inválidos de famílias destruídas. E sem que os órgãos do Estado demonstrem que existe fiscalização adequada para cumprimento da legislação já existente. Em muitos desses casos existiam múltiplas irregularidades mas se mantinham acobertadas pelo manto da incompetência, burocracia e descaso das autoridades públicas.
Nos Estados Unidos a média anual de mortes em acidentes de trabalho também é de aproximadamente 4.000, tendo uma população de  mais de 300 milhões, bem maior que a nossa, em torno de 190.
Mas no Brasil 4.000 pessoas mortas em 1 ano, nesse tipo de acidente, deveria ser um escândalo tanto mais grave quanto a tragédia de Santa Maria.
E quais as lições que tiramos desses números? Nos ambientes de trabalho, sabe-se que a maioria dos PCMSO e PPRA são pura ficção, apenas para dar uma satisfação à auditoria fiscal que por sua vez é insuficiente e assoberbada com uma legislação tão gorda quanto os índices de acidentes; no Ministério do Trabalho tenta-se responder a esses números com mais legislação porque o concurso para novos auditores está parado; e nas estradas, grandes empreiteiras, utilizando sucessivos aditivos orçamentários para maiores lucros, fazem de conta que asfaltam e sinalizam as estradas que logo desmoronam com as primeiras chuvas.
No caso da boate Kiss, já se fala abertamente em uma “legislação nacional”, e começaram interdições aqui e ali. E quem acredita? Já existe legislação que não é fiscalizada e porque editar mais leis?  Além disso, culpam-se apenas os “donos”, poupando-se os agentes públicos nessas situações que quando confrontados, executam uma dança macabra de um botar a culpa no outro.
Daqui  há pouco tudo volta ao normal e a única referência serão memoriais construídos para lembrar a tragédia.
Mas as tragédias, praticamente diárias, que ocorrem nas categorias de transito e trabalho, quando analisadas de forma agregada, projetam uma catástrofe muito mais profunda do que os acidentes que ocorrem mesmo com um grande número de pessoas em locais restritos.
E que mesmo assim, em ambos os casos, as tragédias não funcionam como referência para progressos efetivos e sustentáveis na segurança, mas apenas para formação de comissões, novas leis e promessas de investigações e punições rigorosas.
No caso dos acidentes de trânsito, as punições ainda são muito brandas em comparação com os prejuízos causados por quem dirige embriagado, por exemplo. Quanto ao foco sobre a responsabilidade das empreiteiras e do poder público em relação às péssimas condições das estradas, fala-se de forma superficial. E nos acidentes de trabalho, o governo fica inventando mais NR, quando as que existem são pouco fiscalizadas e as empresas recebem punições leves, com raras exceções.
E o que é pior, homens indicados para presidir o Congresso e o Senado, de onde se originam as leis que precisamos, são suspeitos em crimes diversos,  e deputados condenados assumem mandatos na maior cara de pau – ou seja, como se pode confiar na mais alta instância que edita as leis?
Façamos todos um solidário minuto de silêncio pelas 245 vítimas de Santa Maria.
E quantos minutos seriam necessários para as 40.000 vítimas de acidentes de trânsito e das 4.000 vítimas de acidentes do trabalho que ocorrem todos os anos no Brasil?




Fonte: Prof. Samuel Gueiros, Med. Trab.
Auditor Fiscal Auditor OHSAS 18001.

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