sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Após desabamento, engenheiro critica ‘jeito brasileiro’ de construir: “Deveríamos ter mais acidentes”

Natan Jacobsohn Levental diz que mudança de legislação e métodos se faz necessária.

    Thiago de Araújo, do R7
Embora trágica, a queda nesta semana de um prédio na avenida Mateo Bei, em São Mateus, zona leste de São Paulo, não chegou a surpreender quem atua diariamente no ramo da construção civil no Brasil. O engenheiro uruguaio Natan Jacobsohn Levental, coordenador da divisão técnica de estruturas do Instituto de Engenharia, disse ao R7 que acidentes como esse estão longe de serem comuns, mas pela forma como se constrói no País, poderiam até ocorrer mais.
— No Brasil, os hábitos, a cultura da engenharia em geral e de estruturas em particular não incluem uma etapa que acontece quase no mundo inteiro, que é a verificação do projeto e o acompanhamento da execução da obra. Essa maneira de trabalhar aqui só não gera mais acidentes porque Deus é brasileiro. É o que costumo dizer, porque no mundo inteiro, quando se elabora um projeto, ele é auditado, verificado por outro engenheiro, normalmente com uma experiência maior.
Além de um problema de cunho legislativo na área da construção civil, Levental explicou que o acidente em São Mateus causa ainda mais estranheza em razão do desabamento ter ocorrido ainda durante o processo de construção da obra, quando a carga total sobre a estrutura não era a de 100% prevista em projeto.


O engenheiro não viu problemas na afirmação feita à reportagem do R7 na terça-feira (27) pelo advogado Edilson Carlos dos Santos, que representa o dono do imóvel, Mostafa Abdallah Mustafa. De acordo com ele, escavações na região da estrutura da base do imóvel, mais precisamente na área das sapatas, estavam sendo realizadas pela Salvatta Engenharia, empresa contratada pelo Magazine Torra Torra, o qual havia fechado um acordo de locação da área para abrir um empreendimento.
— O fato é que a primeira coisa é saber onde está se apoiando a estrutura. Para saber isso é necessário fazer uma prospecção, com furos feitos a cada tanto, com determinados espaçamentos na área toda da construção, para determinar qual tipo de solo e qual a resistência que ele tem. Em função disso e da intensidade da carga que a estrutura coloca na fundação, é determinado o tipo da fundação, que pode ser rasa, ou uma sapata, ou podem ser estacas, nas suas diversas modalidades. Por cima dessas estacas vem o elemento de concreto que junta cabeça das estacas, formando um bloco e começa o pilar, as vigas e a laje continuam para cima, essa é a construção. Enfim, em todas as etapas existem procedimentos de controle que permitem verificar se a estrutura está sendo executada de acordo com o projeto.
O trabalho da Salvatta, segundo as primeiras apurações da polícia, era de reforço e adequação da estrutura para a abertura de uma loja da rede Torra Torra, algo que a empresa de engenharia já havia feito para a rede em outros estabelecimentos. Para receber escadas rolantes e elevadores, o prédio original estava ganhando mais um piso e reforço, de acordo com os primeiros depoimentos de funcionários que escaparam com vida da tragédia. O profissional diz que tal recurso, mesmo incomum, não chega a ser inviável.
— Não é usual, que é se fazer de uma vez só (a construção), mas sempre é possível analisar uma estrutura existente ou parcialmente construída e implementar o reforço necessário para uma outra situação diferente, com mais carga ou com apoio diferente, de outro apoio a menos ou a mais em um ou outro lugar. Não vou dizer que seja frequente, mas é possível.
Qualidade de materiais deve ser apurada
Com o 10º corpo tendo sido encontrado na tarde desta quinta-feira (29), o Corpo de Bombeiros encerrou os seus trabalhos no local do desabamento. A saída dos oficiais de busca e resgate abrirá espaço para que os peritos comecem os trabalhos em busca de respostas acerca do que teria causado a queda da edificação. Após o início dessa fase, os laudos produzidos devem ficar prontos em 30 dias.
Para Natan Jacobsohn Levental, é prematuro tentar apontar as causas reais do acidente, mas é preciso levar em conta a qualidade dos materiais utilizados na construção civil. O engenheiro diz que, embora o projeto seja concebido sob uma ótica dos números, há uma variação entre o que é previsto no papel e como aquela estrutura vai se comportar tão logo ela seja colocada de pé.
— Costumo dizer que, mesmo que você tenha um projeto perfeito, com execução perfeita, existe uma possibilidade muito remota, mas não nula, que essa estrutura falhe, rompa, e caia, porque apesar de usamos concreto e aço com determinadas características, sem ter uma avaliação das cargas, todos esses números são variáveis. Fazemos esses cálculos como se os números fossem perfeitos, imutáveis, mas quando usamos determinado concreto com determinada característica, os valores reais dessa resistência têm uma faixa de variação.
Levental completa:
— Em função disso, pode, remotamente, acontecer que a estrutura possa ter um acidente. Essa probabilidade é muito remota, de uma em 1 milhão. Quando acontece um acidente como esse, muito provavelmente ele é consequência de alguma falha em algum ponto do processo (...). Devo lhe dizer que, há 50 anos, a preocupação com a qualidade se sobrepunha à preocupação com o custo. Hoje acontece o contrário: é preciso ter uma obra muito rápida e barata, e a qualidade às vezes é colocada um pouco de lado. Há também um problema sério da qualidade dos profissionais envolvidos na construção ou em qualquer parte de atuação, e isso vale para os engenheiros e para outras áreas de atuação.

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