As ilegalidades e
referências históricas por trás da supressão da autonomia dos Auditores-Fiscais
do Trabalho para embargar e interditar na Paraíba.
Por: Carlos Alberto Castor de
Pontes - Auditor-Fiscal do Trabalho, SRTE-PB.
No último dia 22 completou
exatamente um mês que o Superintendente Regional do Trabalho e Emprego na
Paraíba retirou a competência dos Auditores-Fiscais do Trabalho-AFTs para
embargar obras e interditar máquinas e equipamentos.
Antes dessa medida, os AFTs
que, no exercício de suas funções inspecionais, identificassem situações de
grave iminente risco para a saúde ou segurança dos trabalhadores, poderiam
paralisar, de imediato, a atividade perigosa. Com ela, isso não é mais
possível. Os AFTs têm que, agora, reportar-se ao Senhor Superintendente em um
procedimento que, em determinadas circunstâncias e locais, poderá demorar dias.
O fato traduz a mais
violenta e grave intervenção já perpetrada contra a autonomia dos AFTs atuantes
na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Paraíba-SRTE/PB.
Representa, também, um retrocesso de mais de 25 anos na rotina da Inspeção do
Trabalho e nos esforços por ela encaminhados na indução de ambientes de
trabalho mais seguros e saudáveis.
Importante ressaltar que
mais que uma prerrogativa dos AFTs, o que o novo procedimento viola é o direito
do trabalhador de ser protegido com a diligência e o critério que a ele são,
legal e eticamente, devidos pela Administração Pública.
É irônico ver que essa
iniciativa foi efetivada logo após a indignação popular ter levados dezenas de
milhares de pessoas às ruas em todo o Brasil. Em meio à diversidade de pleitos
presentes nas manifestações havia algo em comum: a revolta com o descaso e a
inépcia das instituições e de seus gestores para com o interesse público. Na
contramão da história, o Senhor Superintendente revela o seu desprezo por esse
sentimento generalizado de insatisfação e o faz porque certo de estar imune às
eventuais consequências do seu ato.
Alega o Senhor Superintendente
que a sua conduta estaria respaldada pelo artigo 161 da CLT, verbis:
Art. 161 - O Delegado
Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que
demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar
estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra,
indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as
providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de
trabalho.
Ou seja, o ato do Senhor
Superintendente, a partir da dicção literal do art. 161, repousaria na
legalidade e ponto final. Esse é o argumento brandido com grandiloquência tanto
pelo próprio Senhor Superintendente como por aqueles que, movidos por razões
várias, apoiam a medida.
A
primeira questão que naturalmente emerge desse episódio é: Será isso mesmo
legal?
As considerações a seguir
objetivam responder à indagação.
A aludida retirada da
autonomia dos AFTs se efetivou pela emissão da Portaria nº 42 que, publicada no
DOU de 22/07/2013, sem maiores explicações ou justificativas, “torna sem
efeito” o objeto de uma anterior – a de nº 45, de 17/10/2008 – que delegava a
competência de embargar e interditar à Inspeção do Trabalho. Simples assim.
Ocorre que um ato
administrativo, para ser válido, tem que necessariamente atender a certos
princípios. Insere-se, dentre estes, o princípio da motivação que estabelece a
necessidade imprescindível de se fundamentar o ato da Administração Pública.
Assim sendo, a Portaria nº 42 haveria que motivar, e bem, a revogação de uma
anterior – a nº45/2008 – que prescrevia que, nos casos de risco grave e
iminente para a saúde e segurança do trabalhador, os AFTs deveriam paralisar
imediatamente atividade perigosa para evitar “a ocorrência de danos
irreparáveis ao trabalhador”. Simplesmente “tornar sem efeito” um
procedimento que intentava evitar, dentre outros, mortes ou mutilações de
trabalhadores não constitui motivação. É, antes, um reconhecimento da falta
dela.
Outro princípio que deve
pautar o ato administrativo é o da finalidade. Esta, por sua vez, deverá ser
sempre o interesse público. É de se questionar, pois, qual o interesse público
que a atitude do Senhor Superintendente almejaria tutelar.
Além desses, o ato
administrativo deve submeter-se ao princípio da eficiência expressamente
contemplado pelo artigo 37 da Constituição Federal-CF. Assim sendo, é de se
observar que, quando da constatação de situações de trabalho que colocam em
risco a vida humana, a rotina agora adotada introduz etapas que, no fluxo do processo
administrativo anterior, eram absolutamente dispensáveis. Em assim fazendo, o
Senhor Superintendente cria um procedimento altamente temerário: proíbe os AFTs
de suspenderem o exercício laboral periculoso, vedando uma ação fiscal que, sob
pena de se tornar inútil, deveria ser necessariamente imediata. Tal traduz o
contraexemplo do que se poderia definir coma “boa administração”, já que se
utiliza de um dispositivo legal que deveria ser empregado na proteção do
trabalhador para, ao reverso do que almejava o legislador, colocá-lo em risco.
Mas não é só isso. A nova
Portaria não apenas negligencia princípios basilares que, implícita ou
explicitamente previstos na CF, encontram-se relacionados à formação e validade
do ato administrativo. A medida, do mesmo modo, renega valores outros que,
também constitucionalmente assentados, dirigem-se especialmente ao homem
enquanto trabalhador.
Nesse sentido, é de se ver
que o direito a um ambiente de trabalho seguro e sadio constitui, igualmente,
direito humano fundamental do trabalhador. É o que se depreende do cotejo
sistemático de dispositivos diversos inscritos na CF, a saber: o art. 1º, III,
que consagra o princípio
da
dignidade da pessoa humana; o artigo 5º, que garante a inviolabilidade do
direito à vida, no qual se insere a saúde; o artigo 7º, inciso XXII, que
garante o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho; o art. 170, que
garante a valorização do trabalho humano, dentre outros.
Acresce que, ao negar ao
trabalhador paraibano o mesmo tratamento que a Inspeção do Trabalho dispensa ao
operariado dos demais estados – nos quais as situações de perigo grave e
iminente são sustadas tão logo constatadas –, o Senhor Superintendente o relega
à condição de sub-trabalhador, perfazendo um quadro de clara discriminação.
Versando sobre os direitos
dos trabalhadores, a CF veda, de modo expresso, o tratamento discriminatório
(art. 7º, XXX e XXXII). Além disso, referenda o princípio da igualdade,
consubstanciado em seu art. 5º, caput, reforçando, nesse passo, os princípios
da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e
IV), nada menos que fundamentos da República brasileira que foram
impiedosamente golpeados pela conduta do Senhor Superintendente.
É de se asseverar com
firmeza, em síntese, que o ato do Senhor Superintendente afronta a todos e a
cada um dos comandos constitucionais atrás elencados. E lembre-se: a relação de
ilegalidades apontadas não é exaustiva porquanto ainda haveria muito mais que
se levantar. Uma medida como essa, por conseguinte, não pode nem deve ser
considerada legal, pelo menos numa democracia. Ao revés, constitui abuso de
poder e, como tal, deve ser rechaçada.
Afastando-se, mas não muito,
das interfaces jurídicas que o caso apresenta, uma segunda pergunta também não
quer calar: Por que o Senhor Superintendente fez isso?
São duas as alternativas de
resposta e duas personagens históricas podem contribuir para ilustrá-las.
A primeira delas remete a
Luiz XIV, rei da França no período de 1643 a 1715. Autoproclamado Rei-Sol,
governava sozinho e detinha todos os poderes do Estado. Considerava-se o
representante de Deus na Terra. Foi ele que disse: “O Estado sou eu”. Talvez o
espírito de Luiz XIV tenha encarnado no Senhor Superintendente e ele, se
entendendo o próprio Estado, mandou às favas toda e qualquer obediência que,
enquanto agente público, deveria prestar aos preceitos constitucionais e
decretou: “A SRTE/PB sou eu”.
A outra personagem é
representada pelos “kamikazes”, os pilotos de aviões japoneses que, ao final da
Segunda Guerra, realizavam ataques suicidas contra os navios aliados. Como
marionetes, eram compelidos ao sacrifício pelos seus superiores. Nesse
contexto, o Senhor Superintendente aparece como um mero títere de uma
orquestração maior de forças geradas no mesmo deletério meio de cultura
daquelas que tiveram seus interesses frustrados com a derrota da PEC 37 e,
agora, se empenham em aprovar a “PEC da terceirização”. São essas forças que,
nesse instante, voltam as suas baterias na direção da Inspeção do Trabalho com
o objetivo de enfraquecê-la. Para isso, provocam focos de incêndio criminosos
na Paraíba, Paraná e Rondônia – estados onde simultaneamente
a competência dos AFTs para embargar e interditar foi revogada – que, se
combatidos não forem em seu início, podem se alastrar por todo o Brasil. São
como balões de ensaio lançados para se aferir a intensidade das reações. Se
essas forem tímidas, a coisa se expande. Se forem fortes, joga-se nas costas
dos kamikazes toda a responsabilidade pela tresloucada ação cometida. É um
cenário em que o Senhor Superintendente tem seus movimentos manipulados por
quem o alçou ao cargo que ora ocupa e lá o mantém. Pelo menos enquanto isso for
conveniente.
Qualquer das duas opções
deve merecer a mais veemente repulsa das organizações estatais e sociais e/ou
daqueles que têm como atributo e objetivo inerentes ao seu exercício funcional
a missão de velar pelo interesse público em geral e, no particular, pela
proteção do trabalhador brasileiro. São esses entes também que, isolada ou
conjuntamente, devem partir para a ofensiva antes que o pior se instale. E a
hora é essa. A “linha vermelha” já foi ultrapassada. O imobilismo ou
contestações acanhadas transmitirão uma mensagem de conivência com aquilo que,
em tese, deveria ser prontamente repelido.
Não é suficiente, contudo,
que o Senhor Superintendente simplesmente revogue a sua Portaria. Se for só
isso, soaria como alguém que depois de se cansar de determinado jogo – que, no
caso, consiste na deliberada exposição da vida humana ao perigo –
displicentemente o descarta até ter vontade de jogar de novo. Não basta, ainda,
a substituição do atual gestor por outro. É preciso fazer mais. Como se viu,
qualquer uso do art. 161 da CLT que coloque em risco a vida e a integridade
física do homem trabalhador afronta os preceitos e princípios constitucionais
atrás elencados e, portanto, deve ser invalidado. Num Estado Democrático de
Direito, a via judicial constitui a alternativa mais eficaz para combater
rapidamente disparates dessa natureza. O momento se mostra oportuno não apenas
para contorno da disfunção atual, mas para se estabelecer um marco permanente
na prevenção de situações que exponham o trabalhador a riscos graves e
iminentes.
Por derradeiro, é de se
registrar a estupefação de um prevencionista que, ao tomar conhecimento da
retirada da autonomia dos AFTs para embargar e interditar, exclamou: “isso é o
fim do mundo!”. Talvez não. Quem sabe, ao contrário, o fato propicie o início
de um processo de construção de um mundo novo, de um Brasil novo, onde a Coisa
Pública não seja contaminada nem gerida por pretensos Reis-Sol ou marionetes
kamikazes.
Boa tarde!
ResponderExcluirConfesso que não sei como se procedem as fiscalizações e autuações dos AFTS na Paraíba e muito menos como as construtoras se comportam em termos de Segurança e Higiene do Trabalho nas obras. Só sei dizer que as construtoras aqui de Porto Alegre são REFÉNS dos AFTs que embargam a obra por qualquer motivo alegando "grave e iminente risco" do trabalhador. Muito antes de saber as condições da obra o AFT embarga a mesma. Pede cálculos mirabolantes, itens de Normas estrangeiras, entre outras coisas!
É impressionante a visão bélica dos AFTs aqui de Porto Alegre. O melhor para todos, iniciativa privada - trabalhadores - ministério do Trabalho é que as relações fossem harmoniosas e que todos trabalhassem na mesma direção, buscando alternativas, propondo soluções, resolvendo dificuldades e problemas. Mas, infelizmente não é o que ocorre.
Talvez este "choque" dado na Paraíba seja necessário aqui no Sul.
Obrigado pela atenção!
Abs.,
Alfredo