sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Construtoras devem monitorar subcontratadas

Construtoras devem monitorar subcontratadas e verificar cumprimento da NR 18 para evitar condições análogas à escravidão nos canteiros e alojamentos

Por Luis Ricardo Bérgamo
Edição 151 - Fevereiro/2014

Ascom/MPT-SP
Descumprimento de determinações da NR-18 para áreas de alimentação e alojamento pode gerar denúncia de trabalho escravo

A submissão de trabalhadores a condições análogas às da escravidão, crime que infringe o artigo 149 do Código Penal, tem crescido na construção civil. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 176 pessoas submetidas a trabalho escravo no setor foram resgatadas em 2010. Em 2012, foram 290 casos. A terceirização da cadeia produtiva da indústria da construção exige fiscalização atenta das prestadoras de serviços, de forma a evitar a oferta de condições degradantes de trabalho e problemas com o MTE e com a Justiça.

Divulgação: Sinduscon-SP
"É preciso monitorar o processo de contratação, pedindo documentação, comprovante do depósito do fundo de garantia e holerite. Também é necessário verificar o alojamento e as refeições"
Haruo Ishikawa
vice-presidente de Relações Capital-Trabalho do SindusCon-SP
O trabalho análogo à escravidão caracteriza-se nas situações em que o trabalhador não tem o domínio do trabalho. São quatro elementos, definidos no artigo 149 do Código Penal, que caracterizam as condições análogas às de escravos:

- Trabalho forçado: desvio de função sem concordância do trabalhador e com retenção do pagamento;
- Jornada exaustiva: horas extras que vão além do permitido e ausência de dia de folga;
- Condições degradantes: falta de condições de segurança e salubridade, tanto no local de trabalho quanto no alojamento;
- Restrição do direito de ir e vir: executada por meio da retenção de documentação do trabalhador ou por meio de dívida dele com a empresa.

A penalidade para quem escraviza é pesada: reclusão, de dois a oito anos, mais multa, que é multiplicada pelo número de trabalhadores encontrados em situação precária. Caso o trabalho escravo envolva crianças ou adolescentes, a pena de reclusão é aumentada, podendo chegar a 12 anos. Cerca de 80% dos processos trabalhistas são resolvidos com acordo entre as partes, com o pagamento de uma porcentagem menor que a estipulada em lei. 

No passado recente, algumas autuações se tornaram emblemáticas, como a ocorrida em 2011, envolvendo irregularidades na contratação de terceirizados pela incorporadora MRV. A empresa conseguiu reverter a situação por meio de liminar na Justiça. Em 2012, a construtora Racional Engenharia teve obra na Avenida Paulista autuada por manter 11 pessoas, pedreiros e serventes, em regime similar à escravidão. Em setembro de 2013, nas obras da OAS no Aeroporto Governador André Franco Montoro, em Guarulhos (SP), foram encontrados 111 trabalhadores em situação análoga à de escravidão.
 
DA DENÚNCIA À CONDENAÇÃO
Denúncias telefônicas são uma forma frequente de empresas atraírem a atenção de fiscais. O caminho da denúncia até a multa envolve as seguintes etapas:
1 - A denúncia chega ao Ministério do Trabalho;
2 - Equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho vai até a obra ou alojamento externo e verifica se a denúncia procede ou não;
3 - Fiscais elaboram laudo;
4 - Laudo é encaminhado para o Ministério Público, que faz a denúncia transformar-se em Processo Criminal. O nome da empresa vai para a "lista suja";
5 - Em audiência, a empresa é notificada a assinar o Termo de Ajuste e Conduta (TAC), documento em que se compromete a reverter a condição de trabalho escravo. Aplica-se multa de até R$ 3 milhões e indenização aos trabalhadores.
 
Autuação e "lista suja" 
Geralmente, o Ministério do Trabalho chega aos canteiros de obras irregulares por meio de denúncias feitas pelos próprios trabalhadores. Com poucos fiscais e muitas obras para inspecionar, a atuação do Ministério do Trabalho fica restrita a verificar a procedência das denúncias. Além dos sindicatos e do próprio Ministério do Trabalho, organizações não governamentais e pastorais religiosas recebem e encaminham as denúncias. Há muitos canais, portanto, para efetuar denúncias. 

Por meio da Portaria Interministerial no 2/2011, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), ficou estabelecida uma lista com os nomes e o CNPJ das empresas que foram enquadradas por manterem trabalhadores em condições análogas à de escravidão. 
Atualizado semestralmente, constam desse catálogo negativo atualmente 504 empresas - a maioria exerce atividade agropecuária e está localizada na região Norte do Brasil. Porém, nessa relação encontram-se 21 empresas do ramo da construção civil.

A empresa fica com o nome na "lista suja" por dois anos. Como castigo, além de processo penal, multas e prejuízo para a imagem da marca, as empresas listadas ficam proibidas de obter recursos provindos de bancos públicos.

Divulgação: Sintracon-SP
"Em alguns casos o engenheiro contratante recebe propina do 'gato' para manter trabalhadores explorados no canteiro"
Antonio de Souza Ramalho
presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP)
NR-18
É comum que as empresas autuadas por trabalho escravo aleguem ser a terceirizada a responsável pela contratação precária dos trabalhadores. Porém, perante a lei, é a empresa contratante a culpada. 

A Norma Regulamentadora no 18, que legisla sobre as Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção, é clara ao responsabilizar o contratante por qualquer dano ao seu empregado ou trabalhador terceirizado. 

Conforme indica Haruo Ishikawa, vice-presidente de Relações Capital- Trabalho do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), cabe às empresas contratantes fiscalizar as terceirizadas e assim evitar autuações do Ministério do Trabalho. Para ele, duas medidas mantêm o canteiro longe de problemas trabalhistas. O primeiro passo é assegurar condições adequadas de trabalho, saúde e segurança, seguindo o recomendado pela NR-18. A norma descreve em detalhes, por exemplo, quais devem ser as dimensões mínimas dos alojamentos, as dimensões da cama (que deve ter lençol e travesseiro com fronha) e a espessura do colchão, além de determinar que deve haver um bebedouro para cada grupo de 25 trabalhadores, proibindo o compartilhamento de canecas e copos (veja boxe).

O segundo passo é a fiscalização preventiva e constante das terceirizadas. "É preciso monitorar o processo de contratação, pedindo documentação, comprovante do depósito do fundo de garantia e holerite. Também é necessário verificar o alojamento e as refeições", aponta Ishikawa. A atenção redobrada é fundamental para evitar denúncias. "O simples fato de ser denunciada já torna a empresa culpada aos olhos do mercado", pondera.
 
NR-18 EM DETALHES
A NR-18 especifica uma série de aspectos que devem ser respeitados na gestão da mão de obra no canteiro e nos alojamentos. O desrespeito a qualquer um deles pode gerar autuações
a) Instalações sanitárias: devem estar a até 150 m da obra, ter trinco interno e separação entre homens e mulheres. Devem ser feitas de material lavável e piso impermeável antiderrapante. O pé-direito mínimo é de 2,50 m e as divisórias devem ter altura mínima de 1,80 m. Devem possuir um conjunto de lavatório, vaso sanitário do tipo bacia turca ou sifonado, mictório para cada grupo de 20 trabalhadores e ser ligadas à rede geral de esgotos ou à fossa séptica, com descarga. O papel higiênico deve ser fornecido pela construtora. Deve haver um chuveiro para cada dez trabalhadores, com área mínima necessária para utilização de 0,80 m², instalado a 2,10 m do piso. Deve oferecer água quente, ter suporte para sabonete e toalha.
b) Vestiário: a área de ventilação deve corresponder a um décimo de área do piso, os armários devem ser individuais, com trinco ou cadeado, e o pé-direito mínimo é de 2,50 m.
c) Alojamento: deve haver separação entre homens e mulheres e área de ventilação natural de no mínimo 15% da área do piso. O pé-direito deve ter 2,50 m quando se tratar de cama simples e 3 m quando houver beliches. Esses devem ter altura mínima de 0,90 m entre uma cama e outra. As camas devem ser de 0,80 m x 1,90 m, com colchão com densidade 26 e espessura mínima de 0,10 m. É proibido cozinhar no alojamento.
d) Refeitório: deve existir um bebedouro para cada grupo de 25 trabalhadores. Independentemente do número de trabalhadores e da existência ou não de cozinha, em todo canteiro de obra deve haver local exclusivo para o aquecimento de refeições.
e) Cozinha: deve ter pé-direito mínimo de 2,80 m, pia para lavar os alimentos e utensílios e geladeira. Os botijões devem ser instalados fora da cozinha. Cozinheiros são obrigados a usar aventais e gorros.
f) Lavanderia: é destinada a lavar, secar e passar roupas de uso pessoal.
g) Área de lazer: o refeitório pode ser usado também para esse fim.
h) Ambulatório: é obrigatório para obras com 50 trabalhadores ou mais.
 
Precariedade 
Haruo Ishikawa alerta que os problemas com alojamentos são os que trazem o maior número de denúncias. Devido à falta de espaços nos grandes centros, é pouco usual o alojamento em canteiros. Os alojamentos externos - as chamadas "repúblicas de trabalhadores" - são os principais focos de denúncias de más condições de trabalho. 

As "repúblicas" são casas alugadas pelas empresas terceirizadas que servem como alojamento. Podem se localizar perto da obra, mas na maioria das vezes estão em bairros da periferia. 
Problemas geralmente relatados referem-se à superlotação e a acomodações inadequadas - falta de camas, teto com furos e condições de higiene insuficientes são comuns. 

Para Antonio de Souza Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), o problema central é a precarização do trabalho.
Segundo informa, é comum que trabalhadores cumpram jornadas extensas, mas sejam registradas para efeito de pagamento apenas as oito horas regulares. "Dessa maneira, dribla-se a fiscalização do Ministério do Trabalho", aponta Ramalho. Outro crime é cobrar pelas refeições, descontando os valores do pagamento. Há quem cobre do trabalhador os custos com material de segurança, algo ainda mais grave. Tanto as refeições em alojamentos como os equipamentos de proteção individual são de responsabilidade total da empresa.
 
FOTOS: Ascom/Procuradoria Regional do Trabalho
Vestiários e chuveiros inadequados
 
O "gato" é figura central nos casos de condições análogas à escravidão, geralmente arregimentando mão de obra em regiões menos desenvolvidas e custeando despesas como passagem, refeições e acomodações no local de destino. A partir daí, o trabalhador enganado fica em dívida e o intermediário desconta grandes percentagens do pagamento da vítima, que se torna refém. 

"'Gato' é recrutador enganando trabalhador. O empreiteiro é uma empresa, com CNPJ regularizado e garantias de serviço", diferencia Ishikawa. 

O presidente do Sintracon-SP não isenta as empresas contratantes de sua parcela de culpa. "Em alguns casos o engenheiro contratante recebe propina do 'gato' para manter trabalhadores explorados no canteiro", denuncia. Ele alerta para o "gato" profissional, que usa um de seus trabalhadores, geralmente analfabeto, como "laranja", para constituir empresas falsas e agir impunemente. Se comprovado que o intermediário na arregimentação da mão de obra agiu de má-fé, caracteriza-se a prática de estelionato.


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