Do Globo Rural
Muito se fala sobre as
doenças provocadas pelo cigarro aos fumantes, mas poucos sabem que ele pode
causar problemas de saúde nos agricultores que lidam com a planta no campo. O
simples contato com as folhas do tabaco pode intoxicar uma pessoa.
A colheita do fumo ocorre nas
primeiras horas do dia, quando as folhas estão cobertas pelo orvalho. O contato
da pele do trabalhador rural com a folha molhada pela chuva ou pelo orvalho
pode causar a doença da folha verde, um tipo de intoxicação aguda provocada
pela absorção de nicotina pela pele.
Segundo a médica Adriana
Skamvetsakis, do Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador
(Cerest), não é só a umidade das folhas que leva à intoxicação: “A nicotina é
hidrossolúvel. Quando existe presença de umidade, através do suor do
trabalhador, a absorção é intensificada”.
Muitos trabalhadores usam
apenas blusas de mangas compridas e luvas plásticas como proteção. É raro
alguém que nunca teve um dos sintomas da doença ou que não conheça quem já
teve.
A maneira correta de se fazer
a colheita é usando uma roupa específica de proteção. O agricultor Clóvis
Miguel Bartz diz que sempre usa a roupa certa: “Dizem que protegem bem da
nicotina da folha. A indústria fornece pra gente para proteger, para colher o
fumo molhado, que pode causar problemas na pessoa”.
O certo seria que todos os
trabalhadores fizessem como Clóvis, mas o trabalho de conscientização não é
fácil. No município de Candelária, junto com o Cerest, a Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Emater) e a Secretaria Municipal de Saúde visitam
famílias de trabalhadores para dar orientação e coletar amostras de urina para
um exame gratuito que comprova a doença.
“Nós temos em torno de pito
mil pessoas expostas a esse problema de saúde do trabalhador aqui em
Candelária. Noventa e cinco por cento não usam a roupa correta ou usam roupas
ineficientes”, alerta Sanderlei Pereira, extensionista da Emater/RS.
O exame de urina avalia
a quantidade de cotinina, a substância em que se transforma a nicotina depois
de passar pelo organismo. Um resultado de até 500 nanogramas por mililitro é
considerado normal para um não fumante. Dos 77 trabalhadores examinados, 24
tiveram resultado positivo. Nenhum deles fuma. Um dos resultados foi de 25 mil
nanogramas por ml, 50 vezes acima do normal.
As consequências do contato
com a nicotina das folhas do tabaco a longo prazo ainda são desconhecidas.
Muitos produtores de fumo sabem do risco que correm, sabem que plantam um
produto discutível, mas afirmam que não há outra produção que de essa
rentabilidade.
O produtor Rui Goularte, que
trabalha com fumo desde os 12 anos de idade, também não pensa em abandonar o
cultivo, mas faz uma coisa diferente: produz fumo orgânico: “A gente conheceu
várias famílias que se intoxicaram com veneno e a gente começou a ver que isso
não leva a nada”.
O cultivo dá mais trabalho
que o convencional. É preciso controlar as plantas invasoras com capina manual
e o pacote tecnológico da indústria é diferente, apenas com produtos orgânicos.
Porém, o fato do fumo ser orgânico, aumenta ainda mais a renda do produtor “Se
o fumo é um veneno ou não, hoje para nós é o que dá lucratividade”, afirma.
Rui.
A rentabilidade e a garantia
de venda fazem o agricultor se manter no cultivo do fumo, mas existem pioneiros
que desafiaram o senso comum. Álvaro e Adriane Loettjohann estão entre eles. O
casal não só deixou de plantar fumo como começou um cultivo totalmente orgânico
de erva mate, feijão azuki e milho crioulo.
“Fiz essa troca há mais de 20 anos. A maioria dos plantadores de fumo, plantavam e buscavam tudo no mercado. Eles diziam que a gente não ia conseguir sobreviver sem o fumo. Mas eu pensei que plantando alimento, claro que conseguiríamos sobreviver”, conta Álvaro.
“Fiz essa troca há mais de 20 anos. A maioria dos plantadores de fumo, plantavam e buscavam tudo no mercado. Eles diziam que a gente não ia conseguir sobreviver sem o fumo. Mas eu pensei que plantando alimento, claro que conseguiríamos sobreviver”, conta Álvaro.
Agora, o casal conta com
certificado de produção orgânica e tem uma agroindústria onde produz fubá e uma
poupança na forma de eucalipto.
É essa a ideia do artigo 17
da Convenção para o Controle do Tabaco, da OMS: a busca de alternativas de
renda para os produtores de fumo. No Brasil, dentro do Programa Nacional de
Diversificação em Áreas Cultivadas com o Tabaco, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário cadastra órgãos locais para conscientizar os
agricultores.
Em Santa Cruz do Sul, é a
Cooperativa Mista de Fumicultores do Brasil (Coperfumos) que faz esse trabalho.
“Nosso papel é, junto com o agricultor, observar as potencialidades da sua
propriedade, as suas próprias aptidões pessoais e da família, para que a partir
disso encontre fontes alternativas de renda na propriedade. A gente não é
contra o fumo, a gente é contra a monocultura do fumo”, afirma Miquele
Schiavon, coordenador da Coperfumos.
É claro que, enquanto houver
fumantes no mundo, o plantio de tabaco vai continuar existindo, mas a busca por
culturas alternativas aumenta na medida em que o fumo se torna cada vez mais
questionado.
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