Carta
aberta pela declaração de estado de emergência em Saúde Pública diante os
perigos da exposição ao óleo de Petróleo nas praias nordestinas e para o
desenvolvimento de ações de vigilância popular e cuidado em Saúde.
Um
contexto de extrema gravidade configurado como de emergência ambiental e de
saúde pública foi produzido com a chegada massiva de óleo cru de petróleo no
litoral nordestino, ainda de origem desconhecida, colocando em perigo a fauna e
flora marinha e toda a população costeira, pescadores, pescadoras
(marisqueiras), banhistas, trabalhadores/as das praias, turistas e consumidores
de peixes e frutos do mar e comprometendo o sustento das comunidades
tradicionais pesqueiras de toda a região. Incluindo, também, os perigos de
contaminação do ecossistema como um todo. As primeiras manchas de óleo cru de
petróleo ocorreram inicialmente nos Estados de Pernambuco e Paraíba, no dia 30
de agosto do corrente ano, ampliando-se perigosamente para os estados de
Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte e Bahia.
Ainda
não sabemos se este petróleo que está poluindo as praias tem mais componentes
tóxicos do que os já conhecidos e que fazem parte de uma mistura de substâncias
químicas altamente nocivas aos seres vivos, de modo geral, e à saúde humana. O
óleo bruto de petróleo tem uma mistura de solventes extremamente tóxicos de
tipo aromáticos e alifáticos, como o benzeno, xileno, tolueno, furanos,
dioxinas, podendo ter metais pesados entre outras substâncias nocivas.
É
preciso ter um plano de manejo em relação ao material que tem sido recolhido
das praias e do mar, por ser um produto altamente inflamável e tóxico.
Observa-se em alguns locais o armazenamento incorreto durante a coleta nas
praias. Da mesma forma a sua destinação precisa ser bem planejada. Como não se
sabe sobre todos seus componentes e nem origem é preciso transportá-lo de forma
correta e acondicioná-lo em aterros próprios e não utilizá-los para
incineração, o que seria outro crime ambiental, pois libera dioxinas altamente
cancerígenas.
A
fauna e flora marinha estão sendo extremamente atingidos pela poluição do
petróleo cru depositado nos corais e fundo mar, em muitos pontos ainda
desconhecidos por falta de monitoramento efetivo. A extensão da contaminação
tem resultado na contaminação e morte de diversos animais.
A
maioria desses produtos químicos é cancerígena, podendo ainda produzir
malformação fetal, abortos, distúrbios neurológicos graves, alergias, doenças
hepáticas, renais, de pele, dos pulmões, do sangue entre outras. A penetração
desses produtos no corpo humano pode se dar por inalação, contato com a pele e
ingestão de água ou alimento contaminado, e mesmo sendo em pequenas quantidades
pode ser prejudicial à saúde.
As
intoxicações por exposição aguda podem se manifestar com sintomas relacionados
aos danos no sistema nervoso, como náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal,
dor de cabeça, distúrbios de visão, confusão mental, vertigem, distúrbios de
sono; problemas respiratórios, pneumonia química, arritmias cardíacas, aborto e
problemas na pele. Se a exposição for muito intensa pode produzir coma e morte.
Após a exposição aguda, com ou sem sintomas, tempos depois podem aparecer
doenças relacionadas, entre elas o câncer, doenças hematológicas como
neutropenia, anemia e aplasia de medula óssea, desordens dos sistemas
circulatório, pulmonar, renal, imune e neurológico, distúrbios emocionais e de
fertilidade, desregulações hormonais, entre outros agravos.
As
intoxicações crônicas ocorrem com a permanência da intoxicação, e demoram mais
para se manifestar clinicamente, entre elas diversos tipos de câncer, sendo os
mais frequentes as leucemias, linfomas e de pulmão. Malformação congênita e
outros distúrbios no desenvolvimento fetal também podem ocorrer. As doenças neuropsíquicas
são graves e incapacitantes. Quadros clínicos de hipersensibilidade podem levar
as pessoas intoxicadas a ficarem alérgicas para muitas outras substâncias que
antes tolerava bem, piorando sua qualidade de vida.
É
importante evitar a exposição a esses produtos. Em caso de ter havido
exposição, sejam os pescadores, pescadoras, marisqueiras, soldados e
voluntários envolvidos na limpeza das praias, turistas, crianças e consumidores
de pescados e frutos do mar, deve ser observado o surgimento de qualquer
sintoma ou sinal anormal na saúde. Especial atenção com gestantes e crianças.
Buscar assistência médica diante de qualquer distúrbio da saúde manifestado
após a exposição e registrar essas queixas. Com o passar do tempo, prestar
atenção aos problemas de saúde e sempre referir ao médico que teve essa
exposição para que seja investigada uma possível associação. Exigir sempre os
laudos médicos e guardar os resultados de exames clínicos e laboratoriais. Em
caso de suspeita de intoxicação o caso deve ser notificado pelo serviço de
saúde às autoridades sanitárias.
A
atividade de contenção da poluição, de limpeza e mitigação deve ser realizada
com toda precaução e proteção coletiva e individual, mediante equipamentos
certificados para esse tipo de situação perigosa e insalubre.
Por
medida de precaução e diante da dificuldade em identificar a quantidade e
localização de óleo ainda submerso, bem como da incerteza de limpeza total da
praia e chegada de mais óleo nas próximas semanas e do nível de exposição química,
recomenda-se fortemente à população não fazer o uso recreativo das praias
afetadas e nem consumir pescados e mariscos das praias (e região próximas)
atingidas pelos resíduos de óleo.
A
comunicação sobre os perigos e vigilância em saúde precisa ser realizada com
embasamento, de forma clara e articulada com os grandes meios de comunicação,
mídias sociais, instituições atuantes e população.
Toda
informação precisa ser checada para combater notícias falsas (fake news), e não
se deve ocultar as informações relevantes. A população precisa estar informada
das medidas preventivas e em caso de pesquisas em órgãos públicos, como
universidades e institutos de pesquisa, é preciso ofertar acompanhamento por
instâncias de controle social e ciência dos resultados dos estudos à toda
população.
O
movimento social organizado deve procurar instâncias participativas e de
controle social nestes órgãos e em grupos de pesquisa para contribuir na
construção dos diferentes saberes. Quem está vivenciando este desastre de
perto, deve ter voz ativa na construção de medidas de mitigação, monitoramento,
pesquisa e cuidado.
É
muito importante que o Sistema Único de Saúde garanta o direito de atenção
integral à saúde e de informação para sua proteção. Este é um direito constitucional.
A Rede Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (RENAST) tem
equipamentos em todo o Brasil - Centro Regional em Saúde do Trabalhador
(CEREST) com equipes multidisciplinares para contribuição e orientação dentro
da rede SUS.
Este
desastre tem afetado a todos de forma muita negativa em diferentes dimensões e
níveis. Dentre os impactos econômicos, destaca-se a população de baixa renda
que depende dos negócios no litoral, e que atuado de forma voluntária, apesar
da falta de material e preparo, na retirada do óleo com o intuito de não
prejudicar na sua renda familiar de subsistência, no período do ano mais
produtivo. A cadeia produtiva pesqueira artesanal também vem sendo prejudicada.
Apesar desta semana ter sido liberado pelo Governo Federal o seguro defeso,
este só acoberta 30% dos pescadores e pescadoras, deixando os demais em estado
de ainda maior vulnerabilidade social. O impacto também sentido na atividade
hoteleira e de bares e restaurantes repercute também na economia local. Mas é
importante a compreensão da gravidade da situação e a implementação de medidas
precaucionárias aos danos futuros na saúde. É preciso ter a garantia da
qualidade das águas do mar, dos mananciais e da saúde pública.
Considerando
as incertezas da origem, quantidade e perigos decorrentes do derramamento de
petróleo e o quanto ele tem afetado os diferentes ecossistemas e o perigo para
a saúde, é imprescindível o imediato acionamento de todos os mecanismos
relativos ao acontecimento de desastres no território nacional, como previsto
nas Leis n. 12.340/2010 e n. 12.608/2012, e que seja decretada SITUAÇÃO DE
EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA em todos os Estados e Municípios atingidos pelo
óleo, com base na portaria nº 2.952 de 14/12/2011 do Ministério da Saúde.
Recife,
27 de outubro de 2019 Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho/Departamento de
Saúde Coletiva/Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz Pernambuco.
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