Considerando
todas as funções, em 2022, a Paraíba apresentou mais de 30 mil afastamentos do
trabalho por doenças mentais, comportamentais ou nervosas. Mas a de operador de
telemarketing lidera as estatíticas.
Entre
os anos de 2021 e 2022, 17% dos casos de afastamento do trabalho por questões
mentais e comportamentais na Paraíba ocorreram no setor de operador de
telemarketing ativo e receptivo. Karoline está nas estatísticas. Quando foi
operadora de telemarketing, durante um ano e quatro meses, desenvolveu sérios
problemas pessoais. Ela escolheu a função porque o trabalho de autônoma já não
era mais suficiente para a renda da família. “Era como se eu estivesse sempre
deprimida após finalizar meu expediente”, declara Karoline Endy, de 24 anos.
Os
dados apresentados acima, coletados pelo Núcleo de Dados da Rede Paraíba, são
da plataforma unificada entre MPT e OIT Brasil, com base em levantamentos do
INSS.
A
ocupação mais frequentemente vitimada por afastamentos causados por questões
mentais e comportamentais é a de operador de telemarketing. Entre 2021 e 2022,
foram 522 afastamentos na função, sendo 287 só em 2022.
Considerando
todas as funções, em 2022, a Paraíba apresentou mais de 30 mil afastamentos do
trabalho por doenças mentais, comportamentais ou nervosas. Mais de 6 mil casos
(6.308) foram por episódios depressivos. Esse número total de afastamentos por
doenças mentais, comportamentais e nervosas representam mais de 9% dos
afastamentos de trabalho em um modo geral na Paraíba.
Karoline
trabalhava na função de operador de telemarketing seis dias por semana e
folgava apenas um, geralmente no sábado ou no domingo. Trabalhava seis horas,
com dois intervalos de 10 minutos e um intervalo de 20 minutos. Além dos três
intervalos, também fazia pausas pessoais (para ir ao banheiro ou beber água,
por exemplo), mas antes precisava comunicar.
“Eu
fui diagnosticada há muitos anos com Transtorno de Ansiedade Generalizada
(TAG), mas fiz o tratamento e estava totalmente livre dos sintomas.
Infelizmente, a doença veio à tona devido a esse trabalho. Os primeiros sinais
que eu notei foram dores de barriga constantes e uma sensação de indisposição
ao final do dia. Também desenvolvi enxaqueca desencadeada por estresse e
passava dias a fio sentindo dor de cabeça ininterruptamente”, revela Karoline.
A
condição de Karoline na função de operador de telemarketing não é exceção em
uma sociedade em que a velocidade e a urgência estão na ordem das coisas. O
meio que nos cerca, e o trabalho não está isento dessa situação, nos afeta e
nos modifica. A psicóloga Giulliana Karla explica que não é possível falar
sobre trabalho e dissociar do impacto dos sistemas socioeconômicos e raciais em
que estamos inseridas e inseridos.
“A
dinâmica de vida atual, essa lógica de competitividade a todo custo ligada à
ampliação das desigualdades sociais e raciais geram impacto na vida de cada
indivíduo. A imersão que estamos vivendo, desde a pandemia, nas redes sociais,
o fato de estarmos hiperconectados, também tem nos afetado consideravelmente,
já que muitas pessoas e empresas têm dificuldade em separar o que é espaço de
trabalho e o que não é, podendo gerar situações de assédio moral, horas extras
de trabalho não remuneradas, exaustão física e mental”, descreve a psicóloga.
Karoline
Endy foi operadora de telemarketing por um ano, na Paraíba.
Sintomas
na rotina do operador de telemarketing
As
crises sempre apareciam para Karoline no horário de trabalho ou em um intervalo
próximo. As reuniões sempre causavam náuseas e dores de barriga, e sempre que
havia qualquer mudança na rotina de trabalho de operador de telemarketing ou
nas funções executadas, atitudes bastante comuns, como revela Karoline, as
dores de barriga se intensificavam.
Os
sintomas passaram, portanto, a serem rotina de trabalho de operador de
telemarketing, e Karoline precisou conviver com essas reações enquanto esteve
na função.
Mas
após algumas semanas apresentando as dores de barriga, observou que elas só
aconteciam nos horários e dias de trabalho. “Nunca tinha nas folgas, ou pela
manhã, antes do meu expediente. E então associei a ansiedade causada pela minha
função. Após uma longa conversa com meu marido, decidimos que o melhor era que
eu saísse da empresa para cuidar da minha saúde”, conta.
Após
a demissão de operador de telemarketing, a enxaqueca melhorou
significativamente. “Dias após ter saído da empresa, eu já não lembrava como
era passar os dias com a sensação de que a minha cabeça ia explodir. Já com o
TAG, não foi tão simples assim. Iniciei tratamento medicamentoso e terapia e
sigo nesse protocolo até que os sintomas estejam definitivamente sob controle.
Já sinto melhoras significativas e creio que logo logo estarei bem”, comenta
Karoline.
Identifique
os sintomas e busque ajuda
Identificar
esses sintomas é essencial para buscar ajuda e tomar uma atitude pessoal. A
psicóloga Giulliana Karla explica que, antes de mais nada, é preciso entender o
que são sintomas ansiosos e/ou depressivos.
A
ansiedade em si faz parte da vida, é uma resposta a algo novo e traz consigo um
alerta para nos movimentarmos diante de uma situação. Pode estar ligada a um
perigo, a incerteza, por exemplo”, explica.
Conforme
a psicóloga, a ansiedade pode se manifestar a partir de diversos sintomas, como
suor intenso no corpo e nas mãos, batimentos cardíacos e pensamentos mais
acelerados, aperto no peito, cansaço, entre outros sintomas, que podem variar
de pessoa para pessoa.
“À
medida que a ansiedade e seus sintomas começam a alterar nosso funcionamento a
ponto de prejudicar as diversas áreas da nossa vida ou impossibilitar ações
cotidianas podemos dizer que essa condição estaria migrando para algo mais
patológico e que a pessoa precisa de ajuda”, destaca Giulliana Karla.
Já a depressão é uma doença relativa à alteração do humor, que está para além de uma tristeza e que não se resume a apatia, chegando a afetar toda a dinâmica de vida da pessoa, alterando humor, sono, alimentação, peso, libido, desejos.
A
psicóloga destaca que esses estados não surgem do nada, são multifatoriais e se
relacionam também com os contextos de vida da pessoa. “Não são apenas
alterações genéticas ou fisiológicas. Nesse sentido, ambientes de trabalho em
que não tenham condições mínimas para a realização de sua atividade
profissional, seja por baixos salários, assédios, espaços violentos, espaços em
que a/o profissional não possa dialogar e se sinta estagnada/o podem ser
espaços adoecedores e consequentemente a trabalhadora ou o trabalhador pode vir
a sentir sintomas de ansiedade ou depressão”, ressalta a psicóloga.
Psicóloga
Giulliana Karla explica os sintomas da ansiedade e depressão
Psicóloga
Giulliana Karla explica os sintomas da ansiedade e depressão. Foto: Arquivo
Pessoal
Dê
o primeiro passo
Giulliana
explica que, ao perceber os sintomas, é preciso observar a intensidade e
identificar o que, no espaço de trabalho, está provocando essas reações.
“Se
for algo que já vem se prolongando e até intensificando, o ideal é buscar ajuda
terapêutica e médica. Porém, a questão é mais delicada e profunda, pois se o
adoecimento for fruto de um espaço de trabalho disfuncional, ainda que a/o
profissional se cuide, ficará difícil ela/ele ter ‘sucesso’ pois não se trata
de uma questão dela/dele e sim da estrutura ou dinâmica do local de trabalho”,
detalha a psicóloga.
Ela
ressalta que é importante pensarmos a atividade profissional como algo
significante para a sociedade e que a profissão pode estar ligada à construção
da nossa identidade. “Sendo assim estar num ambiente de trabalho precário, sem
direitos trabalhistas básicos, sob forte pressão e assédio pode gerar profundo
adoecimento nas pessoas, principalmente quando essas condições se somam a
outras opressões como situações de racismo, assédio moral, machismos,
capacitismo, etarismo, homofobia, transfobia e opressão de classe”, alerta.
A
necessidade de afastamento, portanto, vai depender da gravidade do adoecimento.
“É importante termos em vista que cada pessoa responde de formas muito
individuais as diversas situações e que existem sintomas comuns mas que devemos
estar atentas/atentos às particularidades de cada trabalhadora e trabalhador”,
detalha Giulliana.
Fonte
Jornal da Paraíba
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