domingo, 8 de janeiro de 2012

Em defesa da folha de coca, Bolívia deixa Convenção da ONU


 Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política.

A partir do início deste ano, a Bolívia não figura mais entre os signatários da Convenção Única das Nações Unidas sobre Entorpecentes em protesto pela classificação da folha de coca como substância ilegal.
Após ter a saída aprovada pelo seu Senado em junho de 2011, e a retirada sido solicitada, o país pediu readmissão à Convenção com ressalvas quanto ao artigo que proíbe mascar folha de coca. Até que esse pedido seja analisado, a Bolívia ficará fora, tornando-se o primeiro país que abandona o acordo desde sua criação, em 1961. De acordo com informações da BBC, a manobra de saída e reentrada com ressalvas tem, como objetivo, tentar persuadir outros Estados membros. O Conselho Internacional para o Controle de Narcóticos das Nações Unidas lamentou, na época, a decisão da Bolívia.
Há mais de 3 mil anos, os povos andinos já mascavam a folha de coca, seja para amenizar os efeitos da altitude, reduzir o cansaço ou outras finalidades medicinais. Em certa medida, é equivalente ao café, que serve de estimulante ou revigorante em todo o mundo. Em sua forma natural, não tem os efeitos da cocaína, obtida através de um processo químico de refino.
Posso falar isso por experiência própria, por já ter mascado folhas de coca na Bolívia. Bem mais saudável do que tomar uma dose de uísque, um copo de cerveja ou fumar um cigarrinho e outras drogas consideradas legais, mas que causam danos ao organismo e deixam multinacionais ricas. Além de destruir comunidades, explorar famílias de trabalhadores e atingir o meio ambiente por impactos não-controlados em suas cadeias produtivas.
Mesmo representando um símbolo da cultura de um povo, o cultivo da coca é duramente condenado pela política norte-americana de combate às drogas, que tem pressionado pela eliminação dessas lavouras na América do Sul. Como se isso resolvesse o problema de demanda por psicotrópicos pelos Estados Unidos.
Durante reunião da Comissão de Narcóticos das Nações Unidas, em Viena, em 2009, o presidente boliviano Evo Morales – ele próprio um liderança cocaleira – mastigou folhas de coca em frente aos ministros de mais de 50 países para defender que a planta seja retirada da lista de entorpecentes proibidos, organizada pela convenção internacional de 1961. Morales defendeu o combate à cocaína e refutou a pecha de narcotraficante dado a produtores dessa planta: “Isto é uma folha de coca, não é cocaína. Não é possível que esteja na lista de entorpecentes da ONU”, disse. Foi aplaudido.
É impossível o governo dos Estados Unidos, mesmo sob uma administração mais progressista como a de Barack Obama, mudar sua política ineficaz e violenta de guerra contra as drogas. Ou deixar que ocorra alguma alteração em convenções internacionais sobre o tema. Quando se pode confortavelmente jogar a culpa em um inimigo externo por um problema interno, para que mudar?

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