quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Normas de qualificação profissional


Reportagens

Normas de qualificação profissional não saem do papel
Normas de qualificação de pessoas ainda não são colocadas em prática pela construção civil. Entenda os motivos e saiba como elas poderiam auxiliar as construtoras

Por Larissa Leiros Baroni

SERGIO COLOTTO

Embora a primeira norma de qualificação de pessoas no processo construtivo para edificações tenha entrado em vigor há pouco mais de dois anos, nenhuma das nove normativas existentes são colocadas em prática dentro e fora dos canteiros de obras, segundo as fontes consultadas pela reportagem. 

As referidas normas são resultado de um esforço setorial para aprimorar a qualificação dos trabalhadores da construção e foram elaboradas pelo Comitê Brasileiro de Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo para Edificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT/CB-90). O perfil profissional do assentador e do rejuntador de placas cerâmicas e porcelanato para revestimentos foi o primeiro contemplado pelo trabalho do comitê. Na sequência, foram publicadas normas dedicadas ao instalador de pisos laminados, impermeabilizador, operador de medidores de gás, instalador convertedor e mantenedor de aparelho a gás, instalador predial e de manutenção de tubulações de gás, pintor de obras, instalador hidráulico predial e pedreiro de obras (veja boxe).

Outras quatro profissões - soldador mantenedor de tubos e conexões de polietileno, inspetor de rede de distribuição interna e de aparelhos a gás, desenhista de cadastro de rede e instalador predial e de manutenção de tubulações de gás - estão prestes a ganhar suas próprias normas. Elas já passaram pelo processo de consulta nacional e estão em vias de publicação. E nos próximos meses, os textos dedicados aos armadores e instaladores de estrutura metálica entrarão em consulta nacional, conforme prevê a assessoria de imprensa da ABNT.

Ainda assim nenhuma delas saiu do papel e foi adotada, na prática, nos canteiros. Os motivos para tal são variados. De um lado, a falta de informação sobre como colocar em prática as determinações do CB-90. Do outro, a falta de interesse em investir na qualificação dos profissionais dos canteiros de obras. E até mesmo a ausência de uma obrigatoriedade emperra a concretização das normas, na opinião de algumas fontes.

"A qualificação de pessoas era uma demanda antiga do setor. Mas não era possível falar em qualificação sem cunho técnico. E foi aí que se criou, pela primeira vez, normas dedicadas a pessoas, e não para produtos", explica Marcos Storte, gerente de Negócios da Viapol Impermeabilizantes, que participa do ABNT/CB-90.

Segundo ele, os trabalhos do CB-90 foram idealizados para assegurar a qualidade dos serviços, aumentar a produtividade dos canteiros, desenvolver os profissionais para acompanhar os avanços, recuperar algumas carências e valorizar o capital humano.

Marcelo Scandaroli
As normas estabelecem o perfil desejado de competências das profissões de base da construção civil, além de especificar níveis de qualidade que poderão variar entre básico, intermediário e avançado. Mas a existência dessas publicações não obriga ninguém a usá-las, conforme destaca Storte. "Ou seja, a aplicabilidade das especificações é voluntária e aqueles que optarem por ignorá-la não sofrerão nenhuma penalidade", diz. E é a falta dessa obrigatoriedade que, na opinião dele, possibilita a "omissão" do setor em relação à existência das normas.

"As formas legais e técnicas estão à disposição do mercado, que sempre reclamou da escassez de mão de obra qualificada; resta colocá-las em prática", cita Storte. "O dilema atual do setor é: como ele vai tirar um profissional que está produzindo para colocá-lo em sala de aula? Este é o desafio que temos nas mãos agora", acrescenta.

Marcos Lima
As normas de qualificação estabelecem o perfil desejado de competências e níveis de qualidade (básico, intermediário e avançado) das profissões de construção

Acreditação parada

A proposta inicial do CB-90 previa que o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) fosse o órgão responsável pela acreditação dos institutos que oferecessem os cursos de capacitação adequados às normas de qualificação profissional de pessoas no processo construtivo para edificações. Mas, segundo Aldoney Costa, chefe da Divisão de Acreditação de Organismos de Certificação do Inmetro, a única profissão ligada à área da construção acreditada pelo instituto é a de inspetor de concreto, que nada tem a ver com as normas do comitê.

"A acreditação produz a confiança tanto para os profissionais que procuram um curso adequado quanto para as empresas que buscam profissionais com boa qualificação", afirma Costa. Ele relata, no entanto, que o processo de acreditação funciona sob demanda. "As certificadoras precisam ter o interesse de buscar essa acreditação, como foi o caso do Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon), que viabilizou a acreditação dos inspetores de concreto." Processo que não se replicou a nenhuma das 14 áreas beneficiadas pelo CB-90.

A mudança desse cenário, segundo Storte, depende do aumento da cobrança do mercado por profissionais com certificações. "Uma demanda que refletirá no crescimento de trabalhadores em busca de qualificação que, consequentemente, impulsionará a criação de cursos nas respectivas áreas e quem sabe até a existência de futuros pedidos de acreditação", explica ele, que enfatiza os benefícios desse processo para o setor: "qualidade do serviço e segurança de que esse serviço está adequado aos padrões técnicos".

Obrigatoriedade polêmica

Mas para Antonio Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), essa mudança no setor só será viabilizada com a publicação de uma lei que obrigasse as empresas a contratar profissionais com certificações. "Os últimos dois anos foram suficientes para provar que se depender da voluntariedade do setor, as certificações para os profissionais da base da construção civil, propostas pelo CB-90, não se tornarão uma realidade no Brasil, diferentemente da Europa e dos países de primeiro mundo", relata ele, que defende que a possível obrigatoriedade estabeleça um período de adaptação.

Diferentemente de Ramalho, Francisco Cardoso, coordenador acadêmico da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), não é a favor dessa obrigatoriedade, mas aposta na "conscientização" de todo o sistema que está envolvido no setor. "Se as construtoras fossem obrigadas a exigir as certificações, elas se dariam mal. Isso porque muitos dos profissionais de base têm a competência necessária, mas não as certificações. Os conhecimentos foram apreendidos na prática", diz ele.

Ainda que Cardoso reconheça a importância das normas de qualificação profissional para estabelecer as referências das certificações, ele acredita que as construtoras tenham as competências necessárias para identificar no ato da contratação os profissionais qualificados. "As certificações beneficiarão, sobretudo, as indústrias da construção, que poderão se assegurar de que seus produtos estejam sendo aplicados da forma correta, e as pessoas físicas, que geralmente não possuem os conhecimentos técnicos para avaliar se o contratado tem a habilidade necessária para o serviço."

E é por acreditar que a indústria é a principal beneficiada das normas de qualificação profissional que Cardoso atribui a ela a missão de disseminar a importância das certificações. "Uma indústria de tinta, por exemplo, poderia divulgar em seu site a relação dos pintores com a qualificação necessária e até mesmo publicar nos rótulos de seus produtos a recomendação: 'contrate um profissional certificado", sugere o professor da Poli-USP.

Maurício Bianchi, vice-presidente de Tecnologia e Qualidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) e vice-presidente da incorporadora e construtora BKO, também relaciona a responsabilidade da aplicabilidade das normas de qualificação de pessoas no processo construtivo às indústrias. 

"Estes procedimentos cabem a quem fabrica o produto, já que além de ter os conhecimentos técnicos para especificar as habilidades dos profissionais que vão instalar seus produtos, é o maior interessado de que seus produtos sejam instalados adequadamente", diz.

Segundo ele, no entanto, com a indefinição sobre quem é responsável pela capacitação, a missão acaba sendo "equivocadamente empurrada para o fim da linha", ou seja, para as construtoras e incorporadoras. "Enquanto a indústria não tomar ciência de que para atingir o nível de garantia e qualidade desejável é preciso investir na formação de profissionais, três patologias continuarão assombrando o setor: o distanciamento entre a demanda e o número de capacitados; a informalidade nos profissionais das áreas de base; e o crescente índice de erros", conclui.

* A reportagem tentou contatar o Senai Nacional - que procurou a ABNT para a elaboração de normas brasileiras para a certificação de pessoal qualificado para a construção civil - mas até a conclusão desta reportagem não obteve retorno.

Entenda as normas
 
Ainda que cada uma das normas de desempenho profissional publicadas pelo Comitê Brasileiro de Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo para Edificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT/CB-18) tenha suas próprias especificidades, todas elas apresentam referências normativas, termos e definições, descrição da ocupação e do meio de trabalho, além de elementos de competência, componentes de avaliação de competência e as qualificações necessárias. Na norma dedicada ao instalador predial e de manutenção de tubulações de gás, por exemplo, são especificadas as competências necessárias para quatro atividades: instalação de tubos e conexões de cobre e ligas de cobre; instalação de tubos de aço e conexões de ferro roscáveis com ou sem acabamento; instalação de equipamentos, aparelhos e componentes nas redes de gás sem carga; e a manutenção de instalações prediais internas de gás combustível em redes sem carga.

E para cada uma dessas funções são descritas as ações relacionadas tanto ao preparo dos componentes - que envolve a utilização de equipamentos de proteção, a seleção dos materiais e das ferramentas e a análise do projeto e da conformidade dos tubos - até a montagem, a junção dos diferentes tubos e os ensaios das tubulações e conexões.

Já para os pedreiros de obras são descritas as competências necessárias para seis tipos de atividades: planejamento e organização do próprio trabalho; execução de alvenaria sem função estrutural; execução de concretagem; montagem de lajes pré-moldadas; execução de alvenaria estrutural; e execução de revestimento em argamassa para pisos, paredes e tetos. Como recomendação para execução de revestimento, por exemplo, a norma aponta alguns cuidados básicos, entre eles a análise da quantidade e da qualidade dos materiais, a seleção dos materiais de acordo com instruções, o respeito da padronização dos materiais e o cuidado de seguir o projeto.

CONHEÇA AS NORMAS DE QUALIFICAÇÃO DE PESSOAS
NORMAS JÁ PUBLICADAS
ABNT NBR 15968:2011 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo para Edificações - Perfil Profissional do Pedreiro de Obras
ABNT NBR 15932:2011 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Instalador Hidráulico Predial
ABNT NBR 15927:2011 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Pintor de Obras Imobiliárias
ABNT NBR 15903:2010 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Instalador Predial e de Manutenção de Tubulações de Gás
ABNT NBR 15902:2010 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Instalador Convertedor e Mantenedor de Aparelhos a Gás
ABNT NBR 15904:2010 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Operador de Medidores de Gás
ABNT NBR 15896:2010 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo para Edificações - Perfil Profissional do Impermeabilizador
ABNT NBR 15843:2010 - Qualificação de Pessoas para a Construção Civil - Perfil Profissional do Instalador de Pisos Laminados Melamínicos de Alta Resistência
ABNT NBR 15825:2010 - Qualificação de Pessoas para a Construção Civil - Perfil Profissional do Assentador e do Rejuntador de Placas Cerâmicas e Porcelanato para Revestimentos
NORMAS AGUARDANDO PUBLICAÇÃO
Projeto 90:004.02-004 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Soldador Mantenedor de Tubos e Conexões de Polietileno
Projeto 90:004.02-005 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Inspetor de Rede de Distribuição Interna e de Aparelhos a Gás
Projeto 90:004.02-006 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Desenhista de Cadastro de Rede
Projeto ABNT NBR 15903 - Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Instalador Predial e de Manutenção de Tubulações de Gás
NORMAS AGUARDANDO CONSULTA NACIONAL
Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Armador
Qualificação de Pessoas no Processo Construtivo de Edificações - Perfil Profissional do Instalador de Estrutura Metálica
 

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