Rompimento de barragem da
mineradora matou 272 pessoas e causou danos ambientais a 26 municípios de MG
Vinicius Konchinski
Gasto da empresa com
reparação é perto de um décimo do que ela lucrou desde o rompimento - Foto:
Flickr/ Mídia Ninja
Cinco anos após a Vale
cometer o maior crime ambiental e trabalhista da história do país, a história
do desastre pouco afeta o principal objetivo da companhia: gerar lucro. Desde
janeiro de 2019, quando uma barragem da empresa em Brumadinho se rompeu
causando a morte de 272 pessoas, a mineradora já ganhou quase 48 bilhões de
dólares – cerca de R$ 235 bilhões na cotação atual da moeda dos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, atingidos pelo desastre ainda reclamam das indenizações pelo
caso.
O lucro acumulado em cinco
anos já considera um prejuízo de 1,6 bilhão de dólares (cerca de R$ 8,2 bilhões
hoje) registrados em 2019, ano da tragédia. Considera também um lucro de 22
bilhões de dólares (mais de R$ 110 bilhões atualmente) obtido em 2021, durante
o auge da pandemia do coronavírus e que, até hoje, é o segundo maior ganho já
registrado na história por uma empresa nacional.
Cinco anos do crime da Vale
em Brumadinho terá ações em MG.
Os dados sobre os lucros
foram informados pela própria Vale em divulgações de seus resultados
financeiros. De acordo com os documentos, a empresa também já faturou mais de
204 bilhões de dólares (aproximadamente R$ 1 trilhão) com suas atividades.
Desembolsou também 17 bilhões (R$ 83 bilhões) com despesas relacionadas a
Brumadinho. Esse valor, aliás, é bem superior ao que a empresa comprometeu-se a
investir para reparar os danos causados pelo desastre: R$ 37,7 bilhões.
Lucro
da Vale pós-Brumadinho
2019 - menos US$ 1,683
bilhão (prejuízo)
2020 - US$ 4,881 bilhões
2021 - US$ 22,445 bilhões
2022 - US$ 16,728 bilhões
2023 - US$ 5,565 bilhões
(até setembro)
Total - US$ 47,936 bilhões
Despesas
da Vale relacionadas a Brumadinho
2019 - US$ 7,402 bilhões
2020 - US$ 5,257 bilhões
2021 - US$ 2,576 bilhões
2022 - US$ 1,151 bilhões
2023 - US$ 0,687 bilhão (até
setembro)
Total - US$ 17,703 bilhões
Procurada pelo Brasil de
Fato, a Vale não detalhou como gastou os R$ 83 bilhões com Brumadinho. Esther
Maria Guimarães, doutoranda em Economia pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), afirmou que o valor inclui impostos, investimentos em capital,
despesas financeiras e até capital de giro. Isso, portanto, não está
necessariamente relacionado à reparação de danos.
Sobre os R$ 37,7 bilhões
prometidos no acordo firmado com o governo de Minas, Ministério Público e
Defensoria Pública, a Vale informou que cerca de R$ 25 bilhões –
aproximadamente 68% – já foram executados.
Brumadinho:
Justiça de Minas corta em até 80% de indenizações
"Apesar da empresa
dizer ter gasto mais de 60% do que prometeu, a gente até hoje segue com
problemas básicos: muitas comunidades têm problemas em relação à água, tem
comunidades tentando ser reassentadas, tem a questão da contaminação",
afirmou Marina Paula Oliveira, atingida pelo rompimento da barragem da Vale e
autora do livro O preço de um crime socioambiental (Editora Dialética, 2023).
Oliveira deixou Brumadinho
após receber ameaças, difamações, constrangimentos e intimidações por suas
críticas à Vale. Voltou no final de 2022. Segue, porém, desconfiando dos dados
que a empresa apresenta sobre as suas ações relacionadas à tragédia.
"A gente não pode
confiar em nenhum tipo de informação que a Vale fornece", afirmou.
"Uma empresa que falsificou, que comprou um teste de estabilidade de uma
barragem que já estava instável desde 2017. Como confiar nesse tipo de
empresa?"
Crime
compensa
Mauricio Weiss, economista e
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressaltou que o
crime da Vale cometeu e mesmo o valor empregado pela empresa para repará-lo não
afetaram sua saúde financeira e, principalmente, o retorno que ela dá a
acionistas.
Ele explicou que isso tem a
ver com a dinâmica como grandes mineradoras operam atualmente. Sua atividade –
extrair ferro do meio ambiente – gera impacto ambiental inexoravelmente. A
empresa só calcula se o custo desse impacto e o risco de sua atividade
compensam pelos lucros que ela pode obter e a potencial alta de suas ações.
Em cinco anos, mineradoras podem
ter sonegado R$ 35 bilhões.
No caso da tragédia de
Brumadinho, o valor que a empresa gastou até agora para reparar os danos que
ela causou é quase dez vezes menor do que ela lucrou. Levando em conta essa
lógica, para a Vale, o crime compensou.
"A única forma de
afetar essas empresas é através de multas bilionárias, impedir de atuar, punir
os dirigentes, acionistas majoritários e o conselho administrativo",
afirmou Weiss. "No caso da Vale, muito pouco foi feito. O mesmo no caso da
Braskem, em Maceió."
Até hoje, nenhuma pessoa
ligada à Vale foi responsabilizada pelas 272 mortes. O mesmo ocorreu no caso da
Braskem, cuja atividade danificou 14 mil imóveis em Maceió.
Privatização da Vale, 25
anos: lucros e crimes cometidos evidenciam mau negócio para o país.
Weslley Cantelmo, economista
e presidente do Instituto Economias e Planejamento, afirmou que a Vale fatura
muito com sua operação na Serra dos Carajás, no Pará. Para seus acionistas,
apesar do discurso público sobre sustentabilidade, isso é o que importa.
"Por mais que se tenha uma perda de valor momentânea, a recuperação é
rápida. A preocupação do acionista é com a perspectiva de ganho", disse.
No caso da Vale, explicou
Cantelmo, a perspectiva de ganho é alta porque existe alta demanda pelo seu
produto, o minério de ferro, principalmente vinda da China.
Em 2019, depois da tragédia,
a ação da empresa baixou para cerca de R$ 45 na bolsa de valores de São Paulo,
a B3. Em 2021, chegou a R$ 115. Hoje, vale cerca de R$ 70.
Relembre: Três anos após o
crime da Vale, moradores e especialistas temem por novos rompimentos na região
Às
nossas custas
Guilherme Camponez, da
coordenação mineira do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), acrescentou
que a Vale também é muito lucrativa pelos incentivos que o Estado brasileiro
deu e ainda dá à companhia.
A Vale, primeiramente,
extrai minério que pertence à nação usando tecnologia que ela desenvolveu
parcialmente enquanto era uma empresa estatal – ela foi privatizada em 1997,
durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Especial: 5 anos do crime da
Vale em Mariana (MG).
Camponez disse que o Estado
brasileiro cobra royalties irrisórios pelo minério extraídos; são isentas de
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para estimular suas
exportações; e ainda é beneficiária de subsídios para sua conta de energia elétrica,
que acabam sendo custeados por todos os outros consumidores.
O militante ressalta que
tudo isso faz o negócio da empresa valer muito a pena, mas às custas da própria
população. "O que mantém a lucratividade da Vale é o sangue dos atingidos,
o suor dos seus trabalhadores, a negação da preservação do meio ambiente, o
dinheiro do contribuinte", resumiu.
Questionada sobre sua
lucratividade, a Vale não se pronunciou.
Edição: Nicolau Soares
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