Por Mariana Sanches
Da
BBC News Brasil em Washington
Enquanto
grande parte do mundo vê uma diminuição no número de casos e mortes por
covid-19, o Brasil vive seu maior pico na pandemia e responde hoje por um em
cada três mortos pelo novo coronavírus no mundo.
"Todos
reconhecem que há uma situação muito grave no Brasil", afirmou o médico
americano Anthony Fauci em entrevista exclusiva à BBC News Brasil.
Fauci
é um dos olhares preocupados que a situação sanitária do país atraiu. Líder da
força-tarefa contra a pandemia nos Estados Unidos, o médico ganhou proeminência
global ao contrariar publicamente as declarações do então presidente americano
Donald Trump, que minimizou a gravidade da pandemia e atuou contra medidas de
distanciamento social e a favor de tratamentos sem eficácia comprovada contra a
covid, como a hidroxicloroquina.
Fauci
prefere não tratar o Brasil como "ameaça", termo corrente na imprensa
internacional diante da onda de contágio brasileira, mas reconhece que a grave
situação do Brasil está se espalhando pela América do Sul e que, para contê-la,
serão necessárias duas medidas: aumento na vacinação e adoção de medidas como
lockdowns.
"Não
há dúvida de que medidas severas de saúde pública, incluindo lockdowns, têm se
mostrado muito bem-sucedidas em diminuir a expansão dos casos. Então, essa é
uma das coisas que o Brasil deveria pensar e considerar seriamente dado o
período tão difícil que está passando", argumentou Fauci.
Há
três dias, no entanto, o ministro da Saúde do Brasil, Marcelo Queiroga,
praticamente descartou essa medida ao dizer que "a ordem é evitar
lockdown".
Na
outra frente, a das vacinas, a situação também não é confortável: apenas 20
milhões de brasileiros (pouco mais de 9% da população) já receberam ao menos
uma dose de imunizante, e no ritmo atual não chegaria à metade da população
neste semestre.
Depois
de recusar ofertas de vacinas da Pfizer, ameaçar boicotar a CoronVvac e não
buscar outros fornecedores além da AstraZeneca-Oxford, cuja fabricação pela
Fiocruz vem sofrendo sucessivos atrasos, o governo Bolsonaro se viu sem muitas
opções para acelerar a chegada das vacinas aos braços brasileiros.
Desde
março deste ano, o governo federal tenta negociar a compra de alguns milhões de
doses da vacina AstraZeneca-Oxford que estão sem uso nos Estados Unidos
atualmente e não devem ser necessárias ao país, que conta com estoques de
Pfizer, Moderna e Janssen suficientes para a população.
Fauci,
no entanto, indica que os Estados Unidos não devem repassar essas doses ao
Brasil em uma negociação bilateral.
"Os
Estados Unidos já desempenham um papel importante na tentativa de levar vacinas
para outros países que precisam. Nós retornamos à Organização Mundial de Saúde
(OMS), estamos nos juntando ao Covax", afirmou Fauci, em referêcia ao
consórcio de países lderado pela OMS para distribuir vacinas aos países mais pobres.
O
médico completou: "E já deixamos bem claro que assim que levarmos as
vacinas para a esmagadora maioria das pessoas nos EUA, além de termos o
suficiente para reforços, colocaremos o excesso de vacina à disposição dos
países em todo o mundo que precisarem".
Segundo
ele, isso seria feito via Covax, que, no entanto, não deve trazer grande alívio
à condição do Brasil, já que o governo federal optou por participar da
iniciativa apenas com a cota mínima, de 42 milhões de doses (e até agora só
recebeu 1 milhão delas).
Fauci,
que chefia o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) desde
1984, não quis comentar sobre a responsabilidade de Bolsonaro no agravamento da
pandemia.
Ele
disse, no entanto, que o exemplo dos Estados Unidos, onde mais de 550 mil
morreram de covid-19, mostra ao Brasil que "negar a gravidade do surto
nunca ajuda. Na verdade, muitas vezes piora a situação".
"Para
controlar uma epidemia, você precisa admitir que tem um problema sério. Depois
de admitir que tem um problema sério, você pode começar a fazer as coisas para
resolvê-lo", afirmou Fauci.
Para ele, os países que tiveram mais eficiência em lidar com a covid-19, como Austrália e Nova Zelândia, devem seu sucesso ao acerto de um comando central que contou com a cooperação da população. "Quando você tem conflitos, sejam eles políticos ou não, isso sempre diminui a eficácia do controle do vírus."
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