terça-feira, 20 de abril de 2021

PL retira pausas térmicas dos trabalhadores de frigoríficos

 Por Sandro Eduardo Sardá, Fernando Mendonça Heck e Roberto Carlos Ruiz

19 de abril de 2021

 

Os frigoríficos brasileiros seguem rigidamente o Regulamento Técnico da Inspeção Tecnológica e Higiênico-Sanitária fazendo monitoramento diário e constante da temperatura dos produtos e dos ambientes. No entanto, são extremamente raros aqueles que avaliam as temperaturas corporais dos trabalhadores ou entrevistam os empregados sobre a sensação de frio, sendo que as vestimentas atualmente utilizadas em frigoríficos estão longe de promoverem o isolamento térmico adequado para o desempenho das atividades laborais.

 

Sem sombra de dúvida, caso aprovado o PL, ou mesmo qualquer proposta de revisão da NR-36 com o intuito de reduzir direitos, teremos novamente o crescimento das doenças ocupacionais e acidentes do trabalho. Nesse caso voltaremos a observar “uma legião de lesionados”, terminologia empregada pela Justiça do Trabalho, de primeiro grau, em 2007, ao julgar liminar na Ação Civil Pública de nº 01839-2007-055-12-00-2.

 

O mesmo risco existe no tocante ao elevado aumento de ações trabalhistas sobre doenças ocupacionais e pagamentos de adicionais de insalubridade.

 

Após a aprovação da Súmula 438 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que trata do artigo 253 da CLT, em 2012, e da NR 36 em 2013, marcos regulatórios que configuram verdadeiro subsistema de defesa da saúde de trabalhadores em frigoríficos, observou-se melhoria nas condições de trabalho e até mesmo a redução de acidentes de trabalho e adoecimentos ocupacionais.

 

Muitas empresas têm clareza que a NR 36 constitui um equilíbrio sensível que as beneficia e assegura a saúde de seus empregados, não devendo ser alterada. Isso porque, a NR 36 foi uma construção coletiva e fruto de amplo debate. Infelizmente, outras empresas buscam a redução de gastos, em detrimento da saúde das trabalhadoras e trabalhadores em frigoríficos.

 

A NR 36, a par de seus avanços, não foi suficiente para assegurar a proteção integral à saúde dos trabalhadores em frigoríficos, levando o Ministério Público do Trabalho a firmar, com as maiores empresas do setor, Termos de Ajustes de Conduta prevendo a redução do ritmo de trabalho em frigoríficos de aves.

 

Há pontos importantes na NR 36 que não foram acolhidos pelo setor empresarial neste período de pandemia como, por exemplo, redução do tempo de exposição para 7h20min e distanciamento mínimo de 1,5 metros. Tais medidas seriam fundamentais para evitar a transmissão da Covid-19 em frigoríficos, setor que apresentou diversos surtos durante a pandemia.

 

A história do trabalho em frigoríficos demonstrou nitidamente a limitada capacidade de auto regulação do setor quanto à adoção de medidas de proteção à saúde dos trabalhadores, tornando-se fundamental a existência de marcos regulatórios adequados. O documentário Carne Osso, produzido em 2011 pela Repórter Brasil, com apoio da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, trouxe um relato fiel da situação das condições de trabalho. Diante do PL 2.363/11 e da revisão da NR 36, o seguinte dilema se impõe: seria o Carne Osso um registro histórico ou o cenário futuro das relações de trabalho nos frigoríficos brasileiros?

 

Por fim, ressaltamos que a supressão das pausas de recuperação térmica nos remete ao ano de 2007, quando o setor apresentava uma elevadíssima prevalência de lesionados em razão da precariedade das condições de trabalho. No referido ano, uma das peculiaridades do setor, era de que importadores do Canadá exigiam nos contratos comerciais mantidos com o Brasil temperaturas inferiores a 10 ºC nas salas de cortes e, os frigoríficos ainda não tinham implementado as pausas do artigo 253 da CLT. A precariedade das condições de trabalho, no longínquo ano, consta da Ação Civil Pública de nº 01839-2007-055-12-00-2 ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho de onde extraímos os seguintes depoimentos de trabalhadoras:

 

“eles deveriam melhorar a temperatura, que está frio demais. Não é fácil para aguentar na sala de corte…” (fls. 72). “…aqui é frigorífico, mas nós não somos pinguins, pode botar três meias, mais o pé continua congelado e as mãos então ficam dormentes que não sente os dedos” (fls. 279). “…está muito frio, está um inferno…” (fls. 282). “Temos que reduzir o ritmo de trabalho, porque nós não somos robôs, somos seres humanos.” (fls. 395). “…estou abaixo de remédio, já estou dopada de tanto tomar remédio para a dor, me ajudem” (fls. 255). Estamos sendo torturados dentro da empresa…” (fls. 285)

 

São relatos tristes e que revelam sofrimento nas relações de trabalho. Entretanto, ainda se faz necessário rememorar estas narrativas, em tempos, nos quais há evidentes intenções de retirar direitos dos trabalhadores. Revisitar a história para não repetir erros é um imperativo ético, político, cultural e constitucional em defesa da vida e do trabalho decente!


Sandro Eduardo Sardá é bacharel em Direito pela UFSC, procurador do Trabalho e coordenador do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos do Ministério Público do Trabalho.

 

Fernando Mendonça Heck é professor de Geografia do Instituto Federal de São Paulo, Campus Avançado Tupã (SP), pesquisador do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (Rede CEGeT de Pesquisadores) e coordenador do Centro de Estudos sobre Técnica, Trabalho e Natureza.

 

Roberto Carlos Ruiz é médico do trabalho, mestre em saúde coletiva (UNICAMP) e doutorando em saúde pública (UFSC).

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