Jornal da Paraíba
Trabalhador rural acaba sendo duas vezes atingido
pelo agrotóxico. Primeiro quando tem contato, depois quando leva o alimento à
mesa.
A destruição no organismo é lenta, e a doença, em
muitos casos, surge de forma disfarçada, em consequência do uso indiscriminado
de agrotóxicos por trabalhadores do campo. O veneno usado para controlar as
pragas nas plantações é o mesmo que separa famílias, deixa mulheres viúvas,
crianças órfãs e casas silenciosas na zona rural dos municípios paraibanos.
Apesar do risco iminente, muitos trabalhadores, mesmo doentes, preferem fingir
que está tudo bem, com medo de serem dispensados pelos patrões, segundo o Centro
de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador (Cerest-PB).
Na Paraíba, o agrotóxico está presente em diversas culturas, conforme dados da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado da Paraíba (Fetag). Embora não haja números concretos em relação ao adoecimento do homem do campo, o presidente da Fetag, João Alves, afirmou que a situação é muito preocupante.
Já o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
informou que, em toda a Paraíba, há 17.689 Segurados Especiais (denominação
usada para identificar trabalhadores do campo) afastados de suas atividades.
Desse total são 11.801 em Campina Grande e 5.888 em João Pessoa. Dadas as
condições de trabalho, suspeita-se que boa parte deles tenha adoecido em
consequência dos efeitos dos agrotóxicos.
O problema que passa despercebido pelos
agricultores, tem deixado autoridades em alerta. O assunto vem sendo discutido
pelo Fórum Paraibano de Combate ao Uso Indiscriminado dos Agrotóxicos, que
conta com representantes do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB),
Ministério do Trabalho e Previdência Social, dentre outros. A preocupação é com
as consequências do uso do agrotóxico para a saúde humana. Uma série de
fiscalizações no campo será iniciada nas próximas semanas em toda a Paraíba.
A procuradora Marcela Asfora, representante do MPT
no Fórum, disse que a intenção é ter uma autuação voltada para as pessoas que
trabalham diretamente com o agrotóxico, como forma de conscientizar os
agricultores sobre o risco que existe no manuseio da substância. “Nosso
objetivo é fazer um trabalho com início, meio e fim. Vamos escolher uma cultura
para desenvolver nossas ações e buscar condições dignas de trabalho para homens
e mulheres do campo”, afirmou. Serão feitas fiscalizações em áreas que
apresentam risco potencial.
Segundo a procuradora, o trabalhador rural acaba
sendo duas vezes atingido pelo agrotóxico. Primeiro quando tem contato com o
veneno, nas plantações; depois quando leva o alimento à mesa, já no papel de
consumidor. “Dentro desse fórum estadual foram feitos alguns grupos de trabalho
e um deles tem a finalidade de promover ações e monitoramento de saúde e
segurança do trabalhador na utilização e comercialização do agrotóxico”,
declarou.
UEPB tem relatos sobre doenças em agricultores
O uso dos agrotóxicos também preocupa a professora
Shirleyde Santos, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ela também faz
parte do grupo de trabalho do Fórum de Combate aos Agrotóxicos e destacou que
já ouviu dezenas de relatos de agricultores paraibanos que adoeceram em
consequência do uso do agrotóxico. “Tivemos o caso de uma agricultora que, aos
29 anos, foi diagnosticada com uma neuropatia grave devido ao contato com a
substância. Ela trabalhava na lavoura desde os 9 anos”, afirmou. A professora
lembrou do alerta feito pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) sobre o risco
do uso de agrotóxicos no Brasil.
Outros agricultores na região de Boqueirão foram
entrevistados pela professora. A partir desses relatos, ela conseguiu listar
uma série de agrotóxicos que eles utilizam. “A ideia é, a partir desses dados,
realizar oficinas e campanhas de conscientização, mostrando os riscos dessa
substância”, frisou. A professora coordenada o projeto de extensão 'Ações
educativas contra o uso de agrotóxicos na agricultura familiar'. O principal
objetivo é alertar tanto agricultores quanto consumidores sobre os riscos do
veneno à nossa saúde e ao Meio Ambiente.
A pesquisadora explicou ainda que durante as
visitas de campo se deparou com situações distintas. “É preciso conhecer a
história da agricultura e entender por que as pessoas deixaram de produzir de
forma natural e passaram a utilizar todo um pacote que inclui sementes,
agrotóxicos e fertilizantes”, declarou Shirleyde. Segundo ela, o que se observa
é que os agricultores ficam completamente dependentes das empresas e muitas
vezes não têm outra alternativa. Ela destacou que ainda há agricultores que
pensam que os agrotóxicos não fazem mal. “Há aqueles que sabem os malefícios,
que já adoeceram ou perderam entes em decorrência do uso de venenos, mas que
estão no círculo danoso do agronegócio e não conseguem sair”, explicou. Há
ainda os que conseguiram fazer a transição na forma de produzir e hoje não mais
utilizam venenos.
Problemas vão de neurológicos a câncer
Denúncias partindo das associações e sindicatos
rurais apontam para a utilização excessiva dos agrotóxicos, usado para matar
pragas nas plantações. “A partir dessas denúncias, todos os órgãos vão
empreender esforços para desenvolver um projeto piloto, que inclui fiscalização
em campo”, explicou a procuradora Marcela Asfora, do Ministério Público do
Trabalho na Paraíba (MPT-PB).
As consequências do uso indiscriminado dos
agrotóxicos podem ser várias, segundo destacou a procuradora. “Há relatos de
problemas neurológicos, depressão e até câncer em pessoas que tinham contato
constante com a substância. Não é uma doença que aparece no mês seguinte, às
vezes demora anos para se manifestar”, afirmou.
Outra situação relatada por Marcela é de mulheres
que, embora não trabalhem diretamente com o agrotóxico, tenham sido
contaminadas porque lavavam as roupas dos companheiros diariamente. “Como é um
problema complexo, precisamos de uma atuação estratégica com profissionais de
várias áreas. Temos tudo para conseguir um resultado positivo”, pontuou.
Segundo ela, a princípio as ações de fiscalizações terão caráter educativo.
“Dependendo da situação encontrada, o Ministério do Trabalho tem o poder de
autuar”, frisou.
Segundo Marcela, um grande desafio é sensibilizar
os trabalhadores, de forma a evitar um problema no futuro. “É possível,
inclusive, que façamos treinamentos trazendo agricultores de culturas orgânicas
para conversar com os que usam agrotóxicos. A ideia é trabalhar tanto com quem
trabalha de forma autônoma, agricultura familiar e com empresas que têm
responsabilidade com seus trabalhadores”, explicou.
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