Por
Amanda Audi
A
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, a CNI, está pressionando o governo federal
a reduzir verbas dos programas de aprendizes, que formam jovens para o mercado
de trabalho. Ironicamente, o lobby da indústria ocorre por meio do Senai, o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (grifo nosso), o maior formador de
aprendizes do país, que fez um pedido formal ao governo por um corte que pode
chegar a 75% das vagas do sistema de aprendizagem do país – considerado uma das
principais ferramentas de combate ao trabalho infantil e à evasão escolar. E o
pedido já tem o aval do Ministério do Trabalho, que cuida do setor, e da Casa
Civil.
Tivemos
acesso aos pedidos do Senai, apresentados em reuniões reservadas compostas por
um batalhão de representantes de grandes empresas e nenhum sindicato de
trabalhadores. O próximo encontro acontece nesta quarta-feira.
A
indústria não quer mais gastar com a contratação de jovens aprendizes. Além de
uma parte do programa se passar em sala de aula (o que significa que não há
produção para a empresa), as empresas também consideram que a verba é alta
demais. Estima-se que cada aprendiz custe R$ 1 mil mensais. No bolso do jovem,
chegam cerca de R$ 450.
Outro
pleito é que as empresas possam contratar aprendizes após 30% de realização do
curso. Hoje, o contrato é imediato. Isso quer dizer que os jovens podem ter que
começar a fazer o estudo sem receber nada. Na prática, vai privilegiar aqueles
que não precisam do dinheiro para sobreviver e afastar os mais pobres.
Só
no ano passado, cerca de 400 mil jovens de 14 a 24 anos conseguiram o primeiro
emprego pelo programa. Apesar de ser difícil mensurar o impacto, até 300 mil
vagas podem deixar de existir se as medidas propostas pelo Senai forem
adotadas.
Hoje,
empresas de médio e grande porte são obrigadas a contratar entre 5% e 15% de
aprendizes, de acordo com o total de funcionários de algumas áreas, como
assistentes administrativos ou de produção, por exemplo – basicamente, funções
que não precisam de diploma universitário. Pela proposta do Senai, deixariam de
entrar na conta algumas funções operacionais, como o chamado “chão de fábrica”.
Em
um estudo que será apresentado na reunião desta semana ao qual o Intercept teve
acesso, o Senai quer eliminar 938 funções de um total de 1.616 previstos na
Classificação Brasileira de Ocupações. Isso irá desobrigar as indústrias de
efetivar milhares de contratações.
Além
da indústria, o lobby também é formado pelas demais megaconfederações
nacionais, como da Agricultura e dos Transportes (CNA e CNT), e grandes
empresas de segurança, transportes e de conservação e limpeza.
Atualmente,
ainda há 2,7 milhões de crianças e adolescentes trabalhando no país. O número
poderia ser reduzido em até 80% caso todas as empresas cumprissem a cota
obrigatória da Lei da Aprendizagem.
Curiosamente,
a CNI é custeada por verba arrecadada pelo governo e repassada para entidades
privadas do chamado “sistema S”, como o Senai e o Sesi. O dinheiro vem das
empresas por meio de um percentual da folha de pagamento dos funcionários. No
ano passado, foram repassados R$ 16 bilhões.
Diretor
de operações do Senai, Gustavo Leal admite que a proposta vai reduzir o número
de aprendizes, mas defende que os que sobrarem poderão ser melhor qualificados.
Para ele, a aprendizagem tem sido tratada como um “programa social”, de forma
“assistencialista”. “Não temos que pensar em termos quantitativos (de vagas),
mas transformadores tanto para as empresas e para o jovem.” Ao mesmo tempo,
porém, não propõe nenhuma iniciativa para melhorar os cursos de formação ou
mesmo adaptar os já existentes.
Governo
dá aval
Nas
reuniões, que fazem parte do chamado programa de desburocratização implementado
no governo de Michel Temer, os representantes do governo são cobrados a dar
retorno para as demandas da indústria. O clima é de pressão pela aprovação.
O
assunto já vinha sendo tratado com celeridade pelo ex-ministro do Trabalho
Helton Yomura, que deixou o cargo após suspeitas de irregularidades da operação
Registro Espúrio, e continuou com o atual ministro Caio Vieira de Mello.
A
pauta é antiga, mas não era tratada com seriedade porque o governo considera a
aprendizagem uma pauta positiva, que colabora para a taxa de emprego. Mas há
dois elementos que deixaram o terreno fértil para a medida prosperar desta vez:
A
proximidade das eleições, pois a indústria é uma das maiores fomentadoras de
campanhas;
O
fim do governo de Michel Temer, sem perspectiva de continuidade. Em outros
momentos, a aprovação de medidas impopulares seriam consideradas um “tiro no
pé”. No caso de Temer, que não concorrerá nas eleições e cujo candidato é
Henrique Meirelles (que patina em 1% de intenções de voto), não há um nome a
zelar.
É
o trator da indústria passando por cima da política de aprendizagem.
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