Por News Paraíba
13/05/2020
O Rio Grande do Sul
registrou surtos de covid-19 em pelo menos 12 frigoríficos. Já são quase 250
casos confirmados entre funcionários e cerca de 20 mil trabalhadores expostos,
segundo o último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde.
O rápido aumento de
infecções preocupa as autoridades de saúde porque este é um segmento intensivo
em mão de obra – e sua própria estrutura operacional favorece a disseminação do
novo coronavírus.
O setor emprega 65 mil
pessoas no Estado, calcula a procuradora do trabalho Priscila Dibi Schvarcz,
que coordena o Projeto de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos.
Por estar incluído na lista
de atividades essenciais, ele não foi obrigado pelos decretos de quarentena a
suspender os trabalhos. Devido à multiplicação de casos em poucos dias,
entretanto, nas duas últimas semanas pelo menos 4 fábricas tiveram de
interromper a produção – total ou parcialmente. Na quinta e sexta-feira da
última semana, o Tribunal de Justiça do RS determinou a paralisação integral de
um frigorífico da BRF na cidade de Lajeado e parcial de uma unidade da Minuano
na mesma cidade, que deve operar com 50% da mão de obra por duas semanas.
Dias antes, a empresa
Nicolini havia informado decisão de fechar por três dias a unidade em Garibaldi
para limpeza das áreas internas e externas depois de registrar 60 casos de
covid-19 entre os 1,5 mil funcionários. As medidas foram firmadas por meio de
um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho
(MPT-RS). No fim de abril, uma fábrica da JBS em Passo Fundo foi interditada
pela Justiça após o registro de 62 casos entre 2,4 mil trabalhadores.
A empresa havia obtido uma
liminar para retomar as atividades na unidade, mas na última quinta-feira
(07/05) a prefeitura de decidiu manter a interdição. Passo Fundo, que
contabiliza pouco mais de 200 mil habitantes, está “empatada” com Porto Alegre
em número de mortes causadas pela covid-19 – foram 18 até o dia 11/05. O volume
de casos é cerca de metade (267) do registrado na capital (529), mas, por se
tratar de um município menor, a incidência é bem mais elevada: são 135,7 casos
a cada 100 mil habitantes, ante 35,8 a cada 100 mil habitantes na capital.
Trabalho
‘ombro a ombro’
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A dinâmica de trabalho nos
frigoríficos, por suas próprias características, favorece a disseminação do
novo coronavírus, pondera a procuradora Priscila Dibi Schvarcz.
O setor é intensivo em mão
de obra – são centenas e às vezes milhares de trabalhadores em algumas
unidades, muitos trabalhando “ombro a ombro”, muito próximos, diante das
esteiras por onde passa a proteína animal que eles têm de cortar ou desossar,
por exemplo.
“Além disso, há um problema
de renovação de ar principalmente nos ambientes refrigerados, em razão das
próprias normas sanitárias que regulam a qualidade do produtos. ”É possível
adequar os ambientes para que o ar seja renovado com maior frequência, ela
ressalva, mas essa é uma medida cara. Há ainda vários pontos do espaço físico
da fábrica que favorecem aglomerações, como as salas para pausas psicofisiológica
(uma medida em vigor nos frigoríficos no Brasil desde 2013, já que o trabalho
no setor em geral exige muito esforço repetitivo) e os refeitórios.
Não por acaso, frigoríficos
em outros países acabaram se tornando foco da doença causada pelo novo
coronavírus. Nos Estados Unidos, por exemplo, a disseminação de covid-19 entre
trabalhadores do setor levou empresas como a gigante Tyson Foods a paralisar
temporariamente as atividades nas últimas semanas.
Deslocamento trabalhadores preocupa
O caso do Brasil tem uma
particularidade que acaba sendo mais fator que facilita o contágio. Parte dos
trabalhadores vive em municípios diferentes daqueles em que trabalham,
deslocando-se até duas horas para chegar ao serviço em veículos fretados pelas
empresas. Eles se distribuem muitas vezes entre dezenas de pequenos municípios
localizados no entorno das fábricas – estas frequentemente já localizadas em
cidades pequenas ou médias.
O presidente da Federação
dos Trabalhadores na Alimentação do RS, Paulo Madeira, calcula que mais ou
menos metade da força de trabalho do setor no Estado se encaixe nesse perfil.
“Muitos estão levando a doença para suas pequenas cidades”, ressalta Priscila
Schvarcz, do MPT. Ela cita o caso de Ibirapuitã, com menos de 5 mil habitantes,
que contabiliza 15 diagnósticos positivos para covid-19 e um dos maiores
índices de incidência da doença no Estado: 360 para cada 100 mil habitantes.
Os primeiros casos, diz a
procuradora, foram “importados” da unidade da JBS de Passo Fundo, a pouco mais
de 50 km, onde alguns moradores da cidade trabalham. Segundo a procuradora,
além de Passo Fundo, Lajeado e Garibaldi, há diagnósticos com origem em
frigoríficos em municípios como Encantado, Tapejara, Marau, Trindade do Sul,
Carlos Barbosa e Serafina Corrêa.
O coordenador do Centro de
Operações e Emergência do Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Estado,
Marcelo Vallandro, diz que a possível interiorização da doença provocada por
essa dinâmica é algo que preocupa as autoridades de saúde – por isso o contato
frequente com prefeituras e vigilâncias municipais para monitorar a evolução
dos casos em áreas consideradas mais críticas.
Nesse sentido, ele destaca
também a importância de que os trabalhadores sigam as orientações de isolamento
social e as medidas de precaução no dia a dia fora do ambiente de trabalho – o
que em alguns casos não vinha acontecendo. “A transmissão intradomiciliar
também tem sido algo importante”, pontua. O presidente da federação dos
trabalhadores do setor no Estado faz coro: “Tivemos aqui um caso de trabalhador
afastado (com suspeita da covid) que foi viajar em vez de cumprir os dias de
isolamento domiciliar.”
Resistência no setor
O MPT publicou as primeiras
recomendações para a adequação dos frigoríficos ainda no fim de março.
Entre diversos pontos, o órgão
sugeria a reorganização das linhas de produção para que os trabalhadores
ficassem a uma distância mínima de 1,8 metro um do outro, um rearranjo do
transporte para que os funcionários que tomassem ônibus fretados não se
aglomerassem na entrada e saída e para que sentassem a uma distância maior uns
dos outros dentro dos veículos.
O MPT-RS também recomendava
uma vigilância ativa por parte das empresas, para tentar localizar os casos no
início, isolar os funcionários afetados e aqueles que tiveram contato com eles.
“Quando existe afastamento
precoce, se quebra esse ciclo de contaminação exponencial – e houve muita falha
nesse processo de vigilância. ”Segundo a procuradora, as empresas tiveram
grande resistência em adotar as medidas inicialmente, argumentando que elas
eram “obrigações inexequíveis e exageradas”. “Mas, depois que começaram a
surgir os casos, o próprio setor percebeu a importância das medidas”, completa.
No frigorífico da Nicolini
em Garibaldi, diz ela, o número de casos saltou de 10 para 60 em apenas 4 dias.
O Termo de Ajustamento de Conduta firmado pela empresa previa que, após os dias
de fechamento, as atividades fossem retomadas com apenas 25% dos trabalhadores
nesta segunda-feira (11/05). Os 75% restantes ficarão em quarentena pelos
próximos 14 dias.
‘Medo’ de trabalhar e
preconceito
O caso mais problemático até
o momento é o do frigorífico da JBS em Passo Fundo, que foi interditado por
duas semanas pela Justiça em 24 de abril. Antes que as atividades pudessem ser
retomadas, a prefeitura do município acatou recomendação da vigilância em saúde
local e impôs uma interdição cautelar por outros 15 dias na última quinta
(07/05). Em comunicado, a prefeitura afirma que “foram desrespeitadas regras
sanitárias e epidemiológicas, o que pode colocar em risco a saúde de toda a
população”. Além disso, teria pesado o fato de a empresa não estar monitorando
devidamente todos os trabalhadores afastados. Paulo Madeira, da Federação dos
Trabalhadores na Alimentação do Estado, diz que a gerência da unidade foi uma
das mais resistentes em implementar as medidas recomendadas para evitar surtos
de covid-19 entre os empregados.
“Tive medo de trabalhar.
Qualquer sintoma de gripe achava que tinha pegado”, diz um dos funcionários,
que pediu para ter a identidade preservada. Segundo ele, os trabalhadores não
foram informados sobre os primeiros casos na unidade. Quando começou a ver
pessoas próximas sendo afastadas com a doença, ele e outros colegas chegaram a
conversar com supervisores. “Falaram que não podiam fazer nada, que também
estavam com medo de trabalhar, como a gente.” Um caso emblemático para ele foi
de um funcionário da limpeza que vinha se queixando de muita dor nas costas e,
posteriormente, teve o diagnóstico de covid confirmado. ”Nem febre ele teve. Às
vezes essa doença não dá febre. E tem ainda aqueles assintomáticos, que não
sentem nada e estão passando a doença para outras pessoas.”
Enquanto isso, em diversas
cidades, trabalhadores da fábrica começaram a ser alvo de preconceito de
moradores que os acusavam de estar “trazendo o vírus”. “A gente não tem culpa,
tem que trabalhar. Tem gente ignorante que diz: ‘Por que você foi?’, mas a
gente precisa sustentar nossa família. ”E a gente não gente estava lá
produzindo pra essas pessoas comerem?”, acrescenta. “O que eles vão comprar no
mercado é a gente que produz.” Quando a unidade foi interditada, a sensação foi
de alívio, ele conta.
O trabalhador com quem a
reportagem conversou vive com outros 7 parentes em casa. Nas últimas semanas,
dois testaram positivo para covid-19. Um foi hospitalizado e, na última vez em
que a família conseguiu fazer contato, “com a voz já bem ruinzinha”, ele disse
que teria de ser entubado. ”Depois disso, a gente não teve mais notícia, o
hospital não passava informação, nada. ”Quando notificados sobre a morte, os
familiares foram avisados de que teriam duas horas para velar o caixão fechado
e se despedir. ”Ainda dói. A gente não quer que outras famílias passem pelo que
a gente está passando.”
“Dinheiro a gente recupera,
mas a vida dos nossos familiares, não. Se for necessário continuar fechada (a
fábrica), que fique; se for para abrir, que seja com medidas rigorosas (de
proteção).”
Questionada sobre a
informação de que os funcionários não teriam sido notificados sobre os
primeiros casos e sobre as observações do MPT de que parte dos frigoríficos foi
resistente em adotar medidas de precaução, a JBS enviou uma nota em que afirma:
“A JBS refuta os argumentos
apresentados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e a tentativa de
responsabilizar a Companhia como foco de contaminação da Covid-19 em Passo
Fundo (RS).
Entre os falsos argumentos
presentes nos autos, pesa o fato de que o número de casos não corresponde à
realidade e que, diferentemente do que informa o MPT, a unidade não apresentou
62 casos. A planta de Passo Fundo conta, conforme devidamente registrado na
Vigilância Sanitária, 47 casos confirmados, sendo que desse total 20 pessoas
estão curadas, e 27 seguem em recuperação, todos com acompanhamento permanente
da empresa.
Também cumpre informar que
não há casos de morte relacionados aos funcionários da empresa – todos os
colaboradores que, infelizmente, tiveram óbitos em sua rede familiar, fizeram
os testes e tiveram acompanhamento clínico. Nenhum deles apresentou sintomas e,
em testes para confirmar contaminação, os resultados foram negativos.
Todas as medidas adotadas
pela JBS estão de acordo com os mais altos padrões dos órgãos de saúde e em
conformidade com a recomendação da Consultoria do Hospital Albert Einstein e
médicos especializados contratados pela empresa para apoiar na definição dos
protocolos de saúde e que estão em vigor em todas as unidades da empresa.
É relevante informar ainda
que o protocolo de segurança adotado pela empresa foi avaliado e confirmada a
veracidade da aplicação das medidas, conforme laudo da perícia técnica
realizada por especialista em medicina do trabalho em 23 de abril de 2020.”
A BRF, por sua vez, informa
que até o momento as atividades na unidade de Lajeado seguem paralisadas.
“A Companhia reforça que
está muito segura do cumprimento efetivo de todas as medidas protetivas e
protocolos indicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da
Saúde. A empresa tem mantido uma interação muito próxima e frequente com
diversos níveis de autoridades, bem como com o sindicato dos trabalhadores
local e a Prefeitura da cidade, com o intuito de propor e discutir soluções que
assegurem a saúde e a integridade física de seus colaboradores.
Desde o início da pandemia,
a BRF já implementou uma série de ações protetivas em todas as suas operações,
contando com um Comitê Permanente de Acompanhamento Multidisciplinar, composto
por executivos e especialistas, como o infectologista da Universidade de São
Paulo, Esper Kallas.
A empresa conta ainda com
uma consultoria global especializada em gestão de riscos e com esse suporte
instituiu um centro de inteligência, que, entre outras funções, possibilita
estar em contato com companhias em outros países, como China, Estados Unidos e
Itália, para aprender com a experiência desses países e aplicar melhores
práticas, acompanhando em tempo real o que vem acontecendo na Ásia, Europa e
América.
Vale ressaltar ainda que, em
abril, a Companhia assinou um compromisso junto ao Ministério Público do
Trabalho (MPT), em nível nacional, que endossa práticas de proteção aos
colaboradores que já vinham sendo adotadas. Entre as iniciativas adotadas pela
empresa estão o uso obrigatório de máscaras, distanciamento mínimo entre
funcionários, medição de temperatura nas entradas das unidades, afastamento de
colaboradores do grupo de risco e casos suspeitos, reforço de higienização em
diversas áreas e nos veículos de transporte fretado e busca ativa de potencial
contaminação com o intuito de mitigar a exposição ao vírus.
A empresa destaca ainda que
o setor de produção de alimentos é essencial e, por esse motivo, não poupa
esforços para manter seu compromisso com a saúde e segurança dos colaboradores,
da cadeia produtiva e com o abastecimento à população, trabalhando de forma
colaborativa com as autoridades de saúde e os municípios onde está presente.”
A Associação Brasileira de
Proteína Animal (ABPA) também se manifestou sobre o tema por meio de nota:
“A ABPA informa que
constituiu, juntamente com seus associados, diversos comitês temáticos para o
enfrentamento da crise de Covid-19, onde são definidos e constantemente
atualizados protocolos para a preservação da saúde dos colaboradores e de todos
os envolvidos no sistema produtivo.
Antes mesmo do início da
adoção da quarentena em vários estados de todo o país, a associação se
certificou de que as suas empresas associadas adotaram medidas preventivas
necessárias para proteger e prevenir, ao máximo, o risco nas unidades de
produção.
Essas medidas incluem o imediato
afastamento de todos os colaboradores identificados como grupo de risco (com
idade acima de 60 anos, doenças pré-existentes e outros), a intensificação das
ações de vigilância ativa nas unidades frigoríficas e monitoria da saúde dos trabalhadores
(com a verificação constante de temperatura), entre outras iniciativas.
As empresas reforçaram todos
os cuidados recomendados pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da
Saúde – grande parte destes cuidados já eram rotina. E, de forma adicional, incluiu
várias outras medidas preventivas, como, por exemplo:
Aumento da rotina de
higienização de todos os ambientes dentro e fora do frigorífico, como o
transporte e outros; adoção de medidas contra a aglomeração, com a
redistribuição de horários de refeição e contratação de mais veículos de
transporte; monitoria constante do estado de saúde dos trabalhadores enquanto
estão no espaço do frigorífico; reforço nas orientações de cuidados para a
saúde por meio de orientações diretas, folhetos e outras formas de comunicação
interna.
O nosso setor faz parte do
rol de atividades essenciais ao país. Para que possamos garantir a produção de
alimentos seguros e a oferta de alimentos para a população, a saúde das equipes
é prioridade indiscutível.
Sabemos de nossa missão e
trabalharemos para que não falte alimentos para as famílias de todo o país”.
Segundo o MSN, a Minuano não
respondeu ao pedido de posicionamento feito pela reportagem.
Fonte
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