terça-feira, 29 de novembro de 2011

E-mail e celular estendem jornada de trabalho e até as férias


Tecnologia eleva número de horas trabalhadas; brasileiro também passa mais tempo no escritório. Expansão da economia e promoções ajudam a explicar aumento da carga horária, aponta pesquisa.

"Eu olho e-mail em casa, andando na rua, no restaurante. Parece que o trabalho não me deixa." A declaração da publicitária Júlia Eboli, coordenadora de marketing da Tecla Internet, mostra a realidade de um contingente cada vez maior de profissionais.

A combinação entre crescimento mais intenso da economia e avanço nas tecnologias de comunicação tem resultado em aumento das horas trabalhadas no Brasil.

Sete em cada dez profissionais que ocupam cargos como analista, gerente e supervisor  afirmam que passam mais tempo no escritório hoje do que há cinco anos.

Mais da metade diz que o teto da carga horária no escritório saltou de oito para dez horas diárias, e quase 80% são acionados nos momentos de lazer e descanso via mensagens no celular.

Nem as férias escapam: mais de 50% dos funcionários de empresas que atuam no país respondem a e-mails de trabalho nesse período.

Esses são resultados de pesquisa feita pela Asap, consultoria de recrutamento de executivos, a pedido da Folha. Foram ouvidas 1.090 pessoas com renda mensal entre R$ 5.000 e R$ 15 mil.

A expansão da economia e as promoções no trabalho são as razões para o aumento da carga horária de trabalho, indica a maior parte dos entrevistados.

"Nossa empresa é vítima positiva da expansão do crédito. Estamos trabalhando mais", diz Daniel Polistchuck, diretor de tecnologia da Crivo, que desenvolve programas para análise de crédito.

Para Carlos Eduardo Ribeiro Dias, sócio e presidente-executivo da Asap, há um descompasso entre o ritmo do mercado de trabalho e o de formação acadêmica e profissional. "As pessoas estão sendo promovidas mais cedo, mas nem sempre estão preparadas. O resultado: trabalham mais."

Cansaço e estresse são consequências.


DE SÃO PAULO

Mais cansaço e estresse. Sete em cada dez profissionais ouvidos pela consultoria Asap dizem que esses são os efeitos colaterais do excesso de trabalho. "Temos hoje uma geração de cansados", diz Nelson Carvalhaes Neto, médico do Fleury Medicina e Saúde.

Segundo ele, a jornada estendida por meio de tecnologias mais avançadas de comunicação é uma das reclamações dos executivos que atende: "Os facilitadores de comunicação foram uma cilada. Hoje, ninguém consegue ficar off-line".

Reportagem da Folha revelou que o número de pessoas afastadas pelo INSS com depressão e estresse disparou no primeiro semestre deste ano.

"O aumento nos casos de transtornos mentais e comportamentais tem relação direta com o aumento das horas trabalhadas", diz Remígio Todeschini, diretor de saúde e segurança ocupacional do Ministério da Previdência.
(EF)

Análise
Ficou mais difícil determinar a hora do lazer e a hora do trabalho.

REGINA MADALOZZO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No livro "Alice Através do Espelho", de Lewis Carroll, a personagem Alice é confrontada pela Rainha de Copas: "É preciso correr o máximo possível para ficar parado no mesmo lugar".

O que parece impossível é realidade: no trabalho competitivo, cada pessoa precisa se dedicar ao máximo para manter seu emprego e sua empregabilidade.

Foi por meio de computadores portáteis e de telefones com aplicativos que passamos a trabalhar mesmo em horário de folga. Num passado remoto, era plenamente possível separar o tempo gasto no trabalho e o tempo dedicado à vida pessoal.

Hoje, em segundos, é possível enviar e atender demandas. Fica bem mais complicado determinar a hora do trabalho e a hora do lazer.

Mas a tecnologia, com implicações terríveis para nosso bem-estar como doenças relacionadas ao estresse, perda da felicidade, decepção com o trabalho-, permitiu a jornada flexível e o trabalho à distância.

De fato, uma conquista, em algumas empresas, foi permitir que o próprio funcionário escolha quando e de onde trabalhar. O que importa não é o tempo dentro da empresa, mas o que é entregue a ela.

Como a biologia, que estuda a seleção natural das espécies, o mercado de trabalho encontra formas de selecionar os melhores indivíduos. Cabe a cada um estabelecer os limites que julgar necessários, ciente das consequências -seja para a saúde ou para a carreira.

Algumas empresas celebram a corrida da seleção natural, outras buscam coordenar os objetivos de eficiência e lucratividade com indivíduos satisfeitos com o trabalho e a vida pessoal. O que você escolhe?
REGINA MADALOZZO é Ph.D. pela Universidade de Illinois e professora do Insper.

São Paulo, 28/11/2011 
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