Negros só ganham mais em 4% das 438 ocupações do
Censo 2010; mulheres, em 11%.
Na foto, a primeira juíza
negra do Rio de Janeiro, Ivone Caetano.
RIO - Ivone
Caetano, de 67 anos, foi a primeira mulher negra a se tornar juíza do Tribunal
de Justiça do Rio, há 18 anos. De lá para cá, o país vem registrando diminuição
da desigualdade entre negros e brancos e homens e mulheres. Apesar desses
avanços, no entanto, Ivone segue como exceção nas estatísticas. É o que mostram
tabulações do Censo 2010 feitas com exclusividade pelo GLOBO. Nas carreiras de
maior renda, as mulheres e os brasileiros que se autodeclaram pretos ou pardos
ao IBGE são, quase sempre, minoria e, mesmo ali, tendem a ganhar menos. Das 438
profissões listadas no Censo, em só 16, ou 4% do total, a renda média dos
trabalhadores pretos e pardos supera a dos brancos. No caso das mulheres, o
número de ocupações em que a renda média supera a de homens chega a 49, ou 11%
do total.
A profissão de Ivone exemplifica bem a
desigualdade. Juízes são, segundo o IBGE, a profissão mais bem paga do país,
com renda média de quase R$ 17 mil. As mulheres nessa ocupação, no entanto,
representam apenas 31% do total, e recebiam, em média, 23% a menos do que os
homens juízes.
Entre juízes, só 13% de negros.
Encontrar magistrados pretos ou pardos é ainda mais
raro. Apesar de eles representarem cerca de metade da população, entre juízes a
proporção é de 13%. Excetuando ocupações com número muito baixo de
trabalhadores, é a profissão com o menor percentual desse grupo entre todas do
Censo. E eles ganham, em média, 14% a menos que seus colegas brancos.
— Na minha profissão, sempre fui tratada com muito
respeito, mas há manifestações veladas de preconceito. Como afirmou a
(ex-senadora) Marina Silva, “o desvalor da pessoa traz o desvalor da palavra”:
é ver que o que você diz não é tão levado em conta — afirma Ivone, juíza
titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital.
Com mãe lavadeira de 11 filhos “abaixo da linha da
pobreza”, a juíza estudou em colégio público “e particular de baixa qualidade”.
Aos 18 anos, foi trabalhar como digitadora do IBGE; depois, acumulou o trabalho
com outros dois, passando a ter três empregos ao mesmo tempo, para ajudar a
família.
— Entrei com 25 anos na faculdade de Direito, e só
entrei porque casei: meu marido, engenheiro, tinha condições financeiras, então
pude parar de trabalhar e ir estudar. Advoguei e passei para a magistratura em
1994, com 49.
Alguém só consegue passar num concurso aos 49 anos
e você vai dizer que não há desigualdade? — diz Ivone.
No outro extremo, o das profissões mal remuneradas,
a lógica é na mão inversa: pescadores, por exemplo, estão entre as dez
profissões com maior proporção de pretos e pardos (72%). A ocupação figura
também na lista das dez profissões de pior remuneração média (R$ 396). Mas,
mesmo nesse trabalho de pouca qualificação, a renda média de brancos também
supera a dos colegas da mesma profissão em 55% (R$ 522 para brancos, R$ 337
para pretos e pardos).
— A gente vê que há bem menos negros na pesca
industrial, por exemplo, uma área que tem lucros maiores. Na pesca artesanal é
que os negros conseguiram achar suas pequenas oportunidades — diz o pescador
José Manoel Rebouças, que se define como mulato “mais para o pardo”.
Com 53 anos e na profissão desde os 12, seu Manoel
é secretário da colônia de pescadores Z-13, em Copacabana, Zona Sul do Rio. Diz
tirar com a pesca, por mês, média de dois salários mínimos, com os quais
sustenta três dos sete filhos que tem, e que moram com ele no Pavão-Pavãozinho;
os outros, assim como a mulher, ficaram no Ceará, terra natal do pescador.
Entre as poucas ocupações em que pretos e pardos
têm renda superior estão bombeiros, PMs, e atletas e esportistas. Entre as de
maior desigualdade, o economista Marcelo Paixão, do Laboratório de Estudos
sobre Desigualdades Raciais da UFRJ, destaca que estão muitas de alto
prestígio:
— Não basta ao negro “chegar lá”. Mesmo chegando,
pode ter remuneração proporcionalmente menor.
O sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do
IBGE, concorda que há de fato alguma diferença explicada pela discriminação.
Ele pondera, porém, que fatores como idade, nível educacional, lugar de
residência e número de horas trabalhadas, que pouco ou nada têm a ver com
discriminação no mercado de trabalho, respondem por boa parte da desigualdade.
Um médico branco, por exemplo, pode ter se formado
numa universidade de prestígio, enquanto um negro pode ter tido acesso a uma
instituição menos reconhecida. Nas estatísticas eles podem parecer iguais, mas
o profissional formado numa instituição de melhor qualidade tende a ser mais
bem remunerado no mercado de trabalho. Neste caso, a desigualdade está no
acesso ao curso superior, e não no fato de o empregador pagar menos só pelo
fato de o funcionário ser negro.
Também é preciso levar em conta que, como apenas
recentemente pretos e pardos aumentaram sua presença em cursos universitários
de maior prestígio, na média, eles tendem a ser trabalhadores mais jovens, com
menos experiência e que, também por isso, ganham menos.
Ainda que o o Censo de 2010 registre desigualdades
persistentes de gênero e cor, é preciso considerar que houve avanços. Contas
feitas pelo Laboratório de Estudos sobre Desigualdades Raciais da UFRJ revelam
que os grupos que registraram os maiores aumentos de renda e escolaridade na
década passada foram, justamente, mulheres e pretos e pardos. Enquanto a renda
média de homens brancos subiu apenas 4% no período, já considerando a inflação,
a de mulheres brancas aumentou 15%. Homens que se declararam pretos ou pardos
registraram acréscimos de 21%. E o grupo que mais avançou foi o de mulheres
pretas ou pardas: 28%.
Ainda assim, considerando o total de trabalhadores,
o rendimento das mulheres negras representam apenas 39% do que recebe um homem
branco. Há dez anos, era 31%.
O Globo / Pablo Jacob
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