quarta-feira, 26 de novembro de 2014

CARTA A UM TRABALHADOR ACIDENTADO

Prezados colegas, BOA NOITE!

Muitas são as nossas atribuições como Auditores-FIscais do Trabalho. Na dinâmica do nosso cotidiano e dentro de nossas atribuições, fazemos o que é possível para atingir os objetivos primordiais de nossa ação, na área de SST, a de prevenir acidentes e doenças do trabalho, melhorando as condições e ambientes de trabalho. 

Deixo esse documento anexo, em forma de carta, destinado a um trabalhador acidentado e morto no seu local de trabalho e a toda sociedade que precisa saber e se informar sempre mais sobre esses eventos que agridem e ceifam vidas e que lhe trazem tantos prejuízos. Esse acidente foi divulgado no Grupo, no último dia 19/11.

Muitos fatores ainda estão sendo esclarecidos no levantamento que está em andamento, inclusive, a confirmação do nome do trabalhador, cujos documentos ainda não tivemos acesso.  

Espero que esse registro nos ajude a refletir e reforçar nossas ações prevencionistas.

Aproveito para parabenizar antecipadamente os Técnicos e Engenheiros de Segurança do Trabalho pela comemoração do seu dia.

Sds. Ana Mércia - SRTE-PB.


CARTA A UM TRABALHADOR ACIDENTADO

João Pessoa, 24 de novembro de 2014.

Prezado trabalhador,

Começo essa carta sem a pretensão de estar sendo adequada, pois sei que você já não está mais entre nós. Mas  queria  lhe  relatar, como  numa conversa que não tivemos antes, alguns fatos relacionados ao acidente que aconteceu com você e que lhe ceifou a vida.

Essa foi uma forma que encontrei de lhe prestar uma homenagem. E assim, também poder  comunicar  a  outros,  que  lidam  no  mundo  do  trabalho,  esse  evento tão lamentável.  

Recebi a notícia do acidente ocorrido com você numa obra. Estava em atividade do meu trabalho, quando meu chefe ligou e me informou. Soube que se tratava de um acidente por queda de altura, no elevador da obra.

Essa notícia não soa como uma novidade para nós que lidamos com essa área, mas um acidente do trabalho sempre nos remete a refletir sobre os limites, os problemas e as dificuldades que vivemos no mundo do trabalho.

Até chegar à obra, fiquei pensando no que me esperava. Teria sido uma queda do elevador da obra ou no poço do elevador? Nada igual ao que me deparei. No local,  já havia uma grande movimentação de carros, do pessoal do socorro, da polícia, de curiosos, de pessoas da empresa, da imprensa. O fato chamou mesmo a atenção da sociedade.

Ao entrar no canteiro, recebi a triste notícia de sua morte e do trágico quadro de seu corpo sem um braço e sem cabeça, decepados na queda. Um corpo inerte, sem vida, exposto sobre a cabina do elevador definitivo do prédio que você estava instalando e que havia despencado. Você, na prestação do seu serviço, foi vítima de uma queda de cerca de 40,00m (quarenta metros). É assustador e trágico, não é mesmo?

Gostaria de ter tido a oportunidade de conhecê-lo e de, na sua juventude, num encontro desses que fazemos quando fiscalizamos os ambientes de trabalho, conversar  sobre sua atividade,  saber sobre sua compreensão dos riscos existentes, analisar suas condições de trabalho. São inspeções que vamos fazendo no cotidiano da fiscalização, buscando prevenir acidentes, esses acontecimentos adversos e indesejáveis, que nos trazem muita tristeza, no cumprimento do nosso dever.

É que, além das verificações físicas e documentais que fazemos, dentro de nossas atribuições, temos a oportunidade de entrevistar e conversar com os trabalhadores e aprender com eles, orientar e passar conhecimentos, nesses breves momentos de encontros que fazemos.

Essas conversas e as informações obtidas são muito úteis e utilizadas por nós como subsídio para a nossa ação e ajudam a produzir, diretamente com a contribuição deles, ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis.

Só para não esquecer, temos ainda meios legais muito importantes e fundamentais que nos fazem chegar a paralisar uma obra, um setor de serviço, máquinas etc. em “situações de grave e iminente risco que podem causar um acidente do trabalho, com lesão grave à integridade do trabalhador”, determinando medidas de proteção para reduzir ou eliminar os riscos presentes.

Infelizmente, não deu tempo de chegar até você e sua atividade e executar uma ação com esse nível de prioridade. Por motivos diversos, até porque nem tudo depende somente da nossa atuação e está ao nosso alcance.

Restou para nós, no entanto, a análise desse acontecimento que pode parecer perdido, mas que constitui uma importante ação que nos cabe e que proporciona, quando bem executada, “a evolução do conhecimento e informações sobre riscos, a adoção de medidas para solução de problemas encontrados e proteção das pessoas”.

Então, nessa perspectiva, iniciamos o levantamento do seu acidente. E esse será  analisado, considerando vários fatores envolvidos na sua atividade. E saiba, se isso serve de algum conforto, que você não ficará simplesmente como culpado. Fato que tantas vezes verificamos, em levantamentos que fazemos, principalmente com vítimas fatais, como foi seu caso, onde somente falhas humanas e individuais dos trabalhadores envolvidos são comumente consideradas. Uma abordagem superficial e inconsequente para os caminhos da prevenção e da reparação de danos.

Seguindo o levantamento inicial dos fatores envolvidos no seu acidente, encontrei meus colegas de trabalho que já estavam agindo antes da minha chegada e que haviam subido  mais de quinze pavimentos da obra, a pé, pois a energia elétrica da obra havia sido desligada, para verificar as instalações e condições do local onde você estava trabalhando, quando chegou a cair. 

Vendo-os com as camisas suadas, eu pensei que, apesar de não podermos mais devolver a sua vida, poderíamos lutar e continuar buscando salvar e proteger outras vidas, com o trabalho que deve seguir, como o da análise desse “evento adverso”, reforçando, mais uma vez, o objetivo e a esperança de prevenir outros com probabilidade de acontecer.

E assim, faço meus esclarecimentos, minha despedida e minha homenagem a você e sua memória, como forma também de atingir outras pessoas, como já havia dito.

Concluo, imaginando o sofrimento dos seus entes e amigos queridos com sua partida tão violenta e precoce da vida. E peço que Deus os conforte e que  lhe acolha em Seus braços, pois sei, na minha fé, que Dele viemos e para Ele voltamos, independente do que possa ter acontecido nessa travessia e nessa jornada.

Apresento meus sentimentos e o desejo de que descanse em paz. A sonhada paz que vem da justiça.


Ana Mércia Vieira Fernandes
Auditora-Fiscal do Trabalho - STRE-PB

Uma singela homenagem a Janderson, trabalhador acidentado, que veio a óbito, no último dia 19/11/2014, num canteiro de obras.

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