sexta-feira, 9 de maio de 2014

Dilma sanciona lei que protege sigilo de caixa-pretas de acidentes aéreos

Gravações podem, porém, serem usadas como prova processual, diz texto.

Lei foi proposta por militares após tragédia da Gol, que deixou 154 mortos.

Tahiane StocheroDo G1, em São Paulo
 (Foto: Reprodução/TV Globo).
Em 2006, Boeing da Gol caiu deixando 154 mortos em mata de MT.

Uma lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff e publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (9) regulamenta a investigação de acidentes aéreos no Brasil, tratando como informações sigilosas e protegidas processualmente as gravações das caixas-pretas de dados e de voz do avião, as notificações voluntárias de incidente e os demais registros da apuração, como depoimentos de testemunhas.

O texto autoriza, porém, a polícia e a Justiça a usarem como provas em inquéritos os dados das caixas-pretas, como as transcrições das conversas da cabine, mas não permite o uso processual de dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências, como reportes de erros e problemas, e das análises e conclusões do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica, responsável por apurar tragédias aéreas no país.

Todas as informações dadas à Aeronáutica serão espontâneas e baseadas na garantia legal de seu uso exclusivo para prevenção, diz o texto. Segundo o artigo 88-J, “as fontes e informações que tiverem seu uso permitido em inquérito ou em processo judicial ou procedimento administrativo estarão protegidas pelo sigilo processual”.  O repasse dos dados só ocorrerá mediante solicitação judicial.
 
A lei 12.970 foi proposta pelos militares durante tratativas com a CPI da Crise Aérea, em 2006, após o acidentes da Gol, que deixou 154 mortos em 2006, e foi aperfeiçoada no Congresso após as tragédias da TAM, que culminou com 199 mortes em junho de 2007, e da Air France, quando um Airbus caiu no Oceano Atlântico deixando 228 mortos em 2009.

O objetivo é proteger denúncias, depoimentos e as análises ainda em andamento dos casos. Pela legislação em vigor, a apuração de tragédias aéreas no país cabe ao Sistema de Investigação Sistema de Investigação e Prevenção (Sipaer), cujo órgão central é o Cenipa.

“Esta lei vai de encontro ao que a Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) - do qual o Brasil é signatário - preconiza em relação à proteção das informações, em especial às que consideramos voluntárias e que são essenciais para investigação. O relatório final, com as conclusões do Cenipa, continua sendo público e ostensivo”, diz o brigadeiro Dilton José Schuck, atual chefe do órgão.

Acidente com Airbus da TAM em Congonhas, em SP, em 2007, deixou 199 mortos.

“Queríamos a proteção destas informações, porque nossa apuração é baseada em hipóteses e não segue o ritmo de um processo judicial ou de um inquérito, em que há direito ao contraditório. Na nossa análise, o direito a defesa nem sempre existe. Nossa investigação tem como objetivo a prevenção, busca fatos, informações, dados que podem ajudar a entender o que aconteceu”, explica o brigadeiro.

Dados sob sigilo

Conforme o texto, são tratados como fontes da investigação do Sipaer: “I - gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; II - gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições; III - dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências; gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; II - gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições; III - dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências; V - gravações das comunicações entre a aeronave e os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; V - gravações dos dados de voo e os gráficos e parâmetros deles extraídos ou transcritos ou extraídos e transcritos; VI - dados dos sistemas automáticos e manuais de coleta de dados; e VII - demais registros usados nas atividades Sipaer, incluindo os de investigação”.

Infelizmente, acho que estamos andando pra trás nesta questão de prevenção e este é mais um elemento que só dificulta a transparência de um processo que já é tão penoso para os familiares"

Dario Scott, presidente da associação de familiares de vítima da tragédia da TAM.

Os dados de notificação voluntária, como denúncias e relatos de perigo, dentre outros, além de análises e as conclusões do Cenipa sobre as tragédias “não serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos e somente serão fornecidas mediante requisição judicial”.

Tragédia da Air France, em 2009, deixou 228 mortos ao cair no Oceano Atlântico.

Familiares de vítimas do acidente da TAM, porém, viram a sanção como “um passo para trás” na transparência de investigações.

“Infelizmente, acho que estamos andando pra trás nesta questão de prevenção e este é mais um elemento que só dificulta a transparência de um processo que já é tão penoso para os familiares”, diz o professor Dario Scott, que perdeu a única filha, de 14 anos, no acidente da TAM JJ3054, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 2007. “Isso não deveria ocorrer sob sigilo, é um direito nosso acompanhar de perto”.

Já o ex-chefe do Cenipa, o brigadeiro Jorge Kersul Filho, que investigou os acidentes da Gol, da TAM e da Air France, que deixou 228 mortos ao cair no Oceano Atlântico em 2009, vê a aprovação como uma evolução. “É um passo importante para o país ter esta legislação. É muito difícil investigar algo se as pessoas não se voluntariarem a dizer para o Cenipa e queríamos proteger estas informações", diz ele.


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