do +SST
As reclamações trabalhistas voltadas para a
reparação de dano moral começaram a chegar à Justiça do Trabalho a partir da Emenda Constitucional 45/2004, que, ao ampliar a sua
competência, incluiu, no artigo 114 da Constituição da República, a previsão de
processar e julgar "as ações de indenização
por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho".
A partir daí, além do ajuizamento de novas ações, o Judiciário Trabalhista
passou a receber grande número de processos remetidos às Varas e Tribunais do
Trabalho pela Justiça Comum – que detinha anteriormente essa competência.
A
possibilidade de reparação pecuniária de um dano não material, que atinge
pessoas físicas ou jurídicas em bens como a liberdade, a honra, a reputação, a
integridade psíquica, a segurança, a intimidade, a imagem e o nome, está
prevista no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição. O Código
Civil de 2002 trata expressamente da matéria no artigo 186, ao afirmar que
comete ato ilícito "aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral".
Esses
dois instrumentos legais, apesar de tratarem do tema de forma mais conceitual,
são os principais balizadores das decisões da Justiça do Trabalho que envolvem
os pedidos concretos de reparação. A dificuldade, portanto, se estabelece desde
o início, sobretudo diante da vasta gama de situações que motivam tais pedidos.
"A relação de trabalho é campo propício à prática de lesão aos direitos
da personalidade do trabalhador", afirma o ministro Walmir Oliveira da
Costa, especialista no tema e autor do livro "Dano Moral nas Relações
Laborais – Competência e Mensuração".
Do "capacete de morcego" ao acidente fatal.
A
variedade dos casos julgados pelo TST nos últimos anos confirma essa avaliação.
Há inúmeras ações nos quais os trabalhadores são submetidos a situações
vexatórias, e a "criatividade" parece inesgotável.
Em
algumas empresas, vendedores que não cumprem metas têm de pagar
"prendas" ridículas, como se vestir de palhaço ou correr com um
capacete de morcego em volta de uma praça pública. Um cinegrafista da RedeTV!
era chamado pela apresentadora, ao vivo, em programa noturno, de
"Todinho" ("porque é marronzinho e tem um canudinho
pequenininho").
Em
Santa Catarina, um operador de telemarketing era tratado pelos chefes e colegas
de "cavalo paraguaio", enquanto um ferroviário ganhou dos colegas o
apelido de "javali" – aquele que já valeu alguma coisa para a
empresa, mas não valia mais. Recentemente, outro vendedor ganhou ação
contra a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) porque as reuniões
"motivacionais" tinham como convidadas garotas de programa e
strippers.
Outro
tipo de dano é o decorrente de acidentes de trabalho e doenças profissionais,
que podem deixar sequelas duradouras ou permanentes na esfera individual. Essas
incluem a impossibilidade de realizar tarefas cotidianas como pentear o cabelo
ou fazer a higiene pessoal, devido a lesões por esforço repetitivo (LER).
Também
deformidades irreversíveis causadas, por exemplo, por de segundo e terceiro grau
podem gerar a obrigação de indenizar por dano moral. Em dois processos
diferentes, uma trabalhadora - que teve mais da metade do corpo queimado – e os
pais dela foram indenizados.
Há,
ainda, os acidentes fatais, como o do operário eletrocutado numa mina de carvão. Nesses casos, a reparação do dano pode ser
reclamada na Justiça do Trabalho pelos herdeiros.
Eterna vigilância
São
recorrentes, ainda, processos em que o trabalhador se sente invadido em sua
privacidade pelo excesso de fiscalização e de vigilância do empregador. São
inúmeros os casos, por exemplo, de revistas pessoais na saída do expediente. A
jurisprudência do TST costuma considerar violação da intimidade quando a
revista envolve contato físico e excesso de exposição – como quando o trabalhador
é obrigado a tirar a roupa, por exemplo, ou é apalpado.
Mão dupla
Embora a situação seja bem menos comum, é possível que o empregador acione a Justiça do Trabalho em busca da reparação por dano moral causado pelo empregado no âmbito da relação de trabalho. Isso é possível, por exemplo, em casos em que o trabalhador divulgue informações sigilosas ou desabonadoras sobre a empresa, ou é responsável pelo vazamento de segredo industrial, ou, de alguma forma, afete a reputação do empregador.
Embora a situação seja bem menos comum, é possível que o empregador acione a Justiça do Trabalho em busca da reparação por dano moral causado pelo empregado no âmbito da relação de trabalho. Isso é possível, por exemplo, em casos em que o trabalhador divulgue informações sigilosas ou desabonadoras sobre a empresa, ou é responsável pelo vazamento de segredo industrial, ou, de alguma forma, afete a reputação do empregador.
Em
abril de 2010, o TST julgou um caso desse tipo: um veterinário foi condenado a
indenizar uma empresa agropecuária em R$ 1 mil pela cobrança indevida de
valores a clientes que não estavam inadimplentes, causando prejuízo à imagem da
empresa. Em Minas Gerais, o Santander ganhou ação contra um caixa demitido por
efetuar saques de benefícios previdenciários de terceiros, e foi indenizado em
R$ 1 mil.
Punir, compensar e prevenir
Uma vez caracterizado o dano, a etapa seguinte é o arbitramento do valor da indenização – ou compensação, como prefere o ministro Walmir Oliveira da Costa. Para ele, o termo "indenização" pressupõe a restituição de algo perdido, o que não é o caso na lesão de caráter subjetivo. Além da compensação propriamente dita, a indenização tem ainda outras duas finalidades: punir o causador do dano e prevenir a ocorrência de novas situações passíveis de gerar danos.
Uma vez caracterizado o dano, a etapa seguinte é o arbitramento do valor da indenização – ou compensação, como prefere o ministro Walmir Oliveira da Costa. Para ele, o termo "indenização" pressupõe a restituição de algo perdido, o que não é o caso na lesão de caráter subjetivo. Além da compensação propriamente dita, a indenização tem ainda outras duas finalidades: punir o causador do dano e prevenir a ocorrência de novas situações passíveis de gerar danos.
O
problema se estabelece porque a legislação não fixa critérios objetivos: ela
usa termos genéricos como "proporcionalidade", "razoabilidade",
"extensão do dano" e "equitativamente".
"A
operação judicial na fixação da reparação de dano moral é das mais difíceis e
complexas, porque o legislador deixou ao critério prudencial do juiz a
atribuição de quantificar o valor da indenização", admite o ministro.
O
primeiro passo é identificar o dano da forma mais objetiva possível e, a partir
daí, classificar a lesão moral (leve, grave ou gravíssima, segundo a
intensidade ou o grau de culpa). A partir daí, entram outros critérios, como a
repercussão do dano na esfera social e a capacidade econômica do ofensor.
Para
chegar a um montante "proporcional e razoável" à "extensão do
dano", muitas vezes o juiz se vale, além da Constituição e do Código Civil
, de outros subsídios, como a pena de multa prevista no artigo 49 do Código
Penal ou o artigo 53 da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), antes de ser
considerada incompatível com a Constituição pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da ADPF 130. "Esses critérios são apenas indicativos e não
determinantes, e dependem dos fatos e circunstâncias do caso concreto",
explica Walmir Oliveira da Costa.
A
análise do caso concreto permitirá ao juiz considerar, na dosagem da
indenização, circunstâncias agravantes ou atenuantes, como ocorre na fixação da
pena criminal. A negligência do empregador que
expõe ilegalmente um trabalhador a riscos desnecessários, por exemplo, exigirá
uma indenização maior do que a resultante de um caso fortuito – ainda que, nos
dois casos, o trabalhador tenha sofrido o mesmo tipo de lesão. É o caráter
punitivo da pena.
Na
apreciação do caráter didático ou preventivo, um aspecto relevante é o poder
econômico do empregador. Isso não significa que uma ofensa sofrida pelo
empregado de uma microempresa seja menos grave do que aquela sofrida por um
trabalhador de uma multinacional – mas, para que a pena cumpra sua função
didática de prevenir novas ofensas, ela tem de ser maior para a grande empresa.
Por
outro lado, também não significa que o empregado, apenas por trabalhar para uma
empresa de grande poder econômico, deva, só por isso, receber uma indenização
milionária. "A pena deve representar um montante razoável do patrimônio do
ofensor, para que ele não persista na conduta ilícita, mas é preciso que haja
equilíbrio entre o dano e o ressarcimento", observa o ministro.
Patamares mínimos e máximos
A
busca de critérios de caracterização e valoração do dano moral já foi objeto de
diversas iniciativas legislativas, mas ainda não se converteu em lei. A mais
recente é o Projeto de Lei (PL) 523/2011, atualmente na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.
Ele
inclui entre as hipóteses suscetíveis de
indenização o assédio moral, a exposição vexatória no ambiente de trabalho, e o
descumprimento de normas técnicas de medicina do trabalho. Prevê
ainda indenizações entre dez e 500 salários mínimos, calculadas a partir de uma
fórmula que tem como parâmetro "a média aritmética obtida entre o
potencial econômico comprovado das partes envolvidas" nos casos em que a
vítima é a parte com menor potencial.
No
Senado Federal, o PLC 169/2010 aguarda designação de relator na Comissão de CCJ
(Constituição, Justiça e Cidadania). Proveniente da Câmara dos Deputados, o
projeto propõe alterações no artigo 953 do Código Civil para acrescentar um
parágrafo. O texto proposto diz que, "na fixação da indenização por
danos morais, o juiz, a fim de evitar o enriquecimento indevido do demandante,
levará em consideração a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo
de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa, a posição social ou política
do ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado".
Disparidades e uniformização
A
ausência de parâmetros objetivos pode gerar valores díspares para danos
semelhantes, ou valores exorbitantes para danos leves, ou ainda valores ínfimos
para danos graves. Nesses casos, a parte que se considera prejudicada pode
recorrer ao TST, mas a intervenção do Tribunal para modificar decisões dessa
natureza muitas vezes esbarra em dificuldades processuais.
Explica-se:
de acordo com a jurisprudência (Súmula nº 126), o TST, na condição de instância
recursal extraordinária, não examina mais fatos e provas. Com isso, torna-se difícil avaliar se o valor
fixado nas instâncias inferiores foi ou não adequado ou proporcional ao dano –
a não ser que o acórdão regional descreva em detalhes o quadro que deu origem à
condenação e orientou a fixação do valor.
Antes
de recorrer, portanto, a parte que pretende reduzir ou majorar o valor da
indenização deve se certificar de que o acórdão contenha elementos suficientes
para permitir que o TST avalie a adequação do valor arbitrado e possa, se for o
caso, alterá-lo. "Se isso não estiver claro, deve-se entrar com
embargos de declaração no próprio TRT, para que ele esclareça todos os pontos
que se considerar necessário", orienta o ministro Walmir. Caso
contrário, há grande possibilidade de que o recurso não possa ser conhecido
pelo TST.
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