sexta-feira, 16 de março de 2012

ANAMT assina documento a favor do banimento do amianto



O uso do amianto crisotila vem sendo bastante discutido nos últimos meses. Em fevereiro, o mineral protagonizou episódios que envolveram a justiça brasileira e a italiana. No Brasil, uma organização fundada por produtores da substância interpelou judicialmente um pesquisador devido à publicação de um artigo que alertava sobre os perigos da utilização do amianto. Em Turim, na Itália, dois ex-proprietários de uma transnacional que usava a substância em sua linha de produção foram condenados a 16 anos de prisão e obrigados a pagar 100 milhões de euros em indenizações pela morte de três mil pessoas envolvidas direta e indiretamente com o amianto - uma sentença considerada histórica.

Durante as duas últimas décadas, a Associação Nacional de Medicina do Trabalho se posicionou contra a produção, a utilização e a comercialização do amianto no Brasil. A defesa pelo banimento da substância se baseia em estudos de órgãos como a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), da Organização Mundial de Saúde (OMS), que já demonstraram que o amianto é cancerígeno para o ser humano. A Anamt também defende o direito à livre expressão e ressalta a importância do debate para avançar em questões em que a vida é a principal protagonista.

No Brasil, a substância ainda é legal

O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de amianto. Nas últimas quatro décadas, o mercado brasileiro consumiu cinco milhões de toneladas em produção, transformação, instalação, remoção e descarte do material. Tratando de quantidades desse porte, fica claro que o problema extrapola as questões trabalhistas e o ambiente de trabalho: o amianto está no dia a dia de pessoas de todo o país que sequer estão cientes de sua presença.

Nos países que baniram a substância, seu uso foi substituído por similares atóxicos (silicato de alumínio e grafite expansível em compósito de poliuretano, por exemplo) sem nenhum prejuízo para os produtos. Os defensores da proibição no Brasil alegam que a indústria já conta com a tecnologia necessária para a substituição, enquanto as empresas do setor mantêm o discurso de que é possível a produção com segurança.

Os fatos ocorridos nas últimas semanas, portanto, proporcionaram mais uma oportunidade para que o tema voltasse à tona, elevando o debate à importância que merece. Nesse cenário, a Anamt mais uma vez afirma sua posição e defende a proibição da produção e da comercialização nacional e internacional do amianto brasileiro, em defesa não apenas dos trabalhadores envolvidos, mas de todas as pessoas que possam ser impactadas.

Esta semana, mais de 20 instituições ligadas à Saúde divulgaram à imprensa documento que lista os malefícios da fibra. Veja abaixo a íntegra da carta.

"Amianto: a polêmica do óbvio

Nas últimas semanas, o tema Amianto voltou a ganhar espaço na mídia nacional e internacional. No Brasil, em consequência à interpelação judicial, promovida pelo Instituto Brasileiro do Crisotila, contra o Dr. Hermano de Castro Albuquerque, pesquisador do Centro de Estudos do Trabalho e Ecologia Humana, FIOCRUZ, relacionada a achados de pesquisa sobre o mesotelioma, publicado em um periódico científico, e por suas declarações na mídia sobre riscos para a saúde associados à exposição ao amianto. Essa repercussão foi potencializada pelo julgamento criminal ocorrido em Turim, Itália, condenando dois ex-proprietários de ramos do Grupo Eternit por omissão de informações sobre os problemas de saúde associados à manipulação do amianto, e quase 3 mil mortes que ocorreram entre ex-trabalhadores e habitantes do entorno de uma de suas empresas em Casale Monferrato.

Há duas décadas, profissionais brasileiros de renome na área do trabalho, médica e ambiental vêm, de público, advertindo sobre as desastrosas consequências da manutenção da utilização do amianto no Brasil. Infelizmente, o Estado Brasileiro se esquivou, repetidamente, do problema, não respeitando o valor constitucional de proteger seus cidadãos.

Nos últimos anos, perderam-se diversas oportunidades de proibir seu uso no território nacional. Perdeu-se, também, a oportunidade de evitar que o risco continue a se estender a populações de outros países importadores do asbesto brasileiro (praticamente, todos com condições sanitárias tão ruins ou piores que a nossa).

Estima-se que mais de sete milhões de pessoas morram de câncer anualmente, em todo o mundo (Jemal A, et al.  CA CANCER J CLIN 2011). Hábitos pessoais e condições de ambiente são responsáveis por 40% dos casos de câncer, o que significa que cerca de 3 milhões de óbitos anuais poderiam ser prevenidos.

O ambiente de trabalho é responsável por 4 a 20% de todos os casos de câncer na população. Dentre estes, o amianto, isoladamente, é responsável por um terço dos casos e, restringindo-se apenas ao câncer de pulmão de origem ocupacional, a parcela do amianto chega a 50% dos casos. Percentual ainda maior ocorre em relação ao mesotelioma, um câncer raro da membrana que envolve os pulmões, de péssimo prognóstico, no qual o amianto é o agente causal de mais de 80% dos casos. Dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde mostram uma curva francamente ascendente de mortes por mesotelioma em São Paulo.

Atualmente, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de amianto. Entre 1975 e 2005, o mercado brasileiro consumiu 5 milhões de toneladas, traduzido em produção, transformação (produtos de cimento-amianto e outras centenas), instalação, remoção e descarte. Entre 2008 e 2010 a produção aumentou, assim como a importação e o consumo interno. Em 2010, o consumo estimado foi de 0,9 kg/brasileiro. Estes produtos estão espalhados pelo ambiente. Não é necessário esforço para entender que o problema extrapola o ambiente de trabalho. A chance de um cidadão se expor ao amianto, assim como a outros cancerígenos reconhecidos, aumenta na proporção do seu uso.

A nocividade do amianto crisotila é inconteste, estando classificado desde 1987 dentro do Grupo 1 das substâncias carcinogênicas pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), organismo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isto significa que há suficientes evidências experimentais e epidemiológicas que permitem classificá-lo como cancerígeno para humanos.

A OMS e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) entendem que a única forma de se prevenir as doenças associadas ao amianto é através da cessação da sua utilização (http://www.who.int/occupational_health/publications/asbestosrelateddiseases.pdf,
http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc95/pdf/pr-20.pdf). Em adição ao câncer de pulmão e do mesotelioma, o amianto é, também, causalmente associado ao câncer de laringe e câncer de ovário(www.thelancet.com/oncology, Vol. 10 Maio 2009).

Sob o conceito de "fato relevante", a Eternit no Brasil encaminhou matéria paga a veículos de grande circulação, em que tenta se distanciar da gravidade da questão reduzindo um grave problema de Saúde Pública a uma suposta querela comercial e de disputa de mercado. Apega-se, de má-fé, à Lei Federal nº. 9.055/95, cuja flagrante inconstitucionalidade já tem parecer favorável do Ministério Público Federal e do Ministro Relator do STF, e ainda, tenta desqualificar a inteligência e a sensibilidade dos legisladores dos estados onde o amianto já foi proibido, reduzindo o clamor de milhares de vítimas das doenças do amianto crisotila, à suposta pressão de concorrentes da Eternit.

A "utilização segura" e o "uso controlado" do amianto, no seu ciclo de vida e ao longo da cadeia produtiva, são conceitos enganosos e inviáveis. Quem controla a sua "utilização segura" na construção civil? Quem controla a sua "utilização segura" em manutenção de máquinas, equipamentos e instalações que o contenham? Quem controla a sua "utilização segura" em reformas e demolições? Quem controla a contaminação de locais previamente utilizados para armazenamento e/ou a produção de produtos contendo amianto? Quem controla o descarte de materiais contendo amianto após o seu uso?

Qual é a necessidade de se manter a sua produção e uso? Há substitutos seguros para todas as utilizações conhecidas do asbesto. Nenhuma fibra substituta faz parte da lista de cancerígenos da IARC. Em adição, há estudos que demonstram a viabilidade técnica e econômica de sua substituição.

Como cidadãos e profissionais ligados à Saúde, registramos a indignação pela manutenção da produção, transporte, consumo, descarte, exportação e importação do amianto, e conclamamos o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo Federal que se unam para acelerar as iniciativas pelo banimento total do amianto crisotila no Brasil, imediatamente.

Que o Brasil não faça vexame na Conferência Rio + 20, em junho, e consiga mostrar - a nós e ao mundo - que suas políticas públicas não são definidas pelos lobbies de uma empresa, e sim, são comprometidas com a defesa da saúde e do ambiente, como reza a Constituição Federal.

Subscrevem o documento as seguintes Instituições/Organizações e Profissionais:

INSTITUIÇÔES/ORGANIZAÇÕES

Associação Brasileira de Centros de Informação Toxicológica - Abracit
Fábio Bucaretchi, Presidente

Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco
Luiz Augusto Facchini, Presidente

Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto -Abrea
Eliezer João de Souza, Presidente

Associação Nacional de Medicina do Trabalho - Anamt
Carlos Campos, Presidente

Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana - Cesteh/Fiocruz
Marco Antonio Carneiro Menezes, Diretor

Fiocruz, MS
Valcler Rangel Fernandes, Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde

Fundacentro, MTE
Eduardo Azeredo Costa, Presidente

Instituto Nacional do Câncer - Inca, Ministério da Saúde
Luiz Antônio Santini Rodrigues da Silva, Diretor

Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
Roberto Stirbulov, Presidente

Sociedade Brasileira de Toxicologia
José Luiz da Costa, Diretor Presidente

Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia
Mônica Corso Pereira, Presidente

Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro
Luiz Paulo Loivos, Presidente

PROFISSIONAIS (por ordem alfabética)

Adriana Skamvetsakis, Médica do Trabalho do Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador da Região dos Vales, Rio Grande do Sul

Álvaro Roberto Crespo Merlo, Professor Assistente III, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ambulatório de Doenças do Trabalho - Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Ana Paula Scalia Carneiro, Pneumologista Doutora do Serviço Especializado em Saúde do Trabalhador (SEST) do Hospital das Clínicas da UFMG

Andréa Silveira, Professora Doutora do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

Antonieta Handar, Médica do Centro Estadual de Saúde do Trabalhador Do Paraná - CEST

Carlos Augusto Vaz de Souza, Engenheiro Químico, Mestre em Saúde Pública, Coordenador da Coordenação-Geral de Saúde do Trabalhador/ Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador - Ministério da Saúde

Eduardo Algranti, Chefe do Serviço de Medicina, FUNDACENTRO e Membro do Comitê Assessor em Saúde Ocupacional da Organização Mundial da Saúde

Eduardo Marinho Barbosa, Professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia, Núcleo de Tecnologia em Saúde

Eduardo Mello De Capitani, Professor Associado do Departamento de Clínica Médica e Coordenador do Centro de Controle de Intoxicações da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

Eliezer João de Souza, Presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto - ABREA

Elizabete Medina Coeli Mendonça, Tecnologista do Serviço de Medicina e responsável pelo Laboratório de Função Pulmonar, FUNDACENTRO

Elizabeth Costa Dias, Professor-Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (aposentada)

Fátima Sueli Neto Ribeiro, Doutora em Epidemiologia, Professora Adjunta da UERJ

Fernanda Giannasi, Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho, Auditora-Fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego e Gerente do Programa Estadual do Amianto (São Paulo) e Coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina

Francisco Pedra, Mestre em Saúde Publica e Doutorando em Saúde Pública e Meio Ambiente, Médico Sanitarista e do Trabalho, CESTEH/FIOCRUZ

Frida Marina Fischer, Professora Titular do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública - USP

Guilherme Franco Netto, Mestre em Saúde Pública, Doutor em Epidemiologia, Pós-Doutor em Saúde Coletiva. Diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador - Ministério da Saúde

Gustavo Faibischew Prado, Doutor em Pneumologia pela Faculdade de Medicina da USP, ex-diretor cientifico da Sociedade Paulista de Pneumologia, Médico da Divisão de Pneumologia do InCor-HCFMUSP e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo "Octávio Frias de Oliveira"

Hermano Albuquerque Castro, Médico Doutor do CESTEH, FIOCRUZ/MS, Coordenador da Comissão de Doenças Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

Ildeberto Muniz de Almeida, Professor Doutor do Departamento Depto de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP

Jefferson Benedito Pires de Freitas, Mestre em Saúde Pública, Médico Pneumologista do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Freguesia  do Ó, Prof. Instrutor do Departamento de Medicina Social  da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e
Médico do Trabalho do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Plásticas e Similares de São Paulo

Jose Augusto Pina, Pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) da Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ

Jussara Maria Rosa Mendes, Professora Adjunta do Curso de Serviço Social e do PPG Psicologia Social e Institucional da UFRGS, Coordenadora do NEST (Núcleo de Estudos em Saúde e Trabalho)

Luiz Augusto Facchini, Professor Doutor do Departamento de Medicina Social, Universidade Federal de Pelotas - RS

Luiz Carlos Correa Alves, Médico do CESTEH/FIOCRUZ

Luiz Paulo Loivos, Médico Pneumologista, Presidente da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro (SOPTERJ)

Márcia Bandini, Médica Doutora do Trabalho, Diretora da ANAMT

Maria Cecília Pereira Binder, Professora Doutora do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP

Maria Dionísia do Amaral Dias, Professora Doutora do Departamento Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP

Maria Juliana Moura Corrêa, Professora da Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Mestre em Serviço Social, Doutoranda em Epidemiologia na UFBA

Mario Bonciani, Médico, Vice Presidente Nacional da ANAMT e Auditor Fiscal do Trabalho (aposentado)

Patricia Canto Ribeiro, Médica Doutora Coordenadora da Comissão de Pneumopatias Ocupacionais e Ambientais da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro (SOPTERJ)

Paulo Antonio Barros Oliveira, Médico do Trabalho, Professor Associado da UFRGS, Auditor Fiscal do Trabalho do MTE, Vice Presidente da ABERGO (Associação Brasileira de Ergonomia) e Diretor Executivo da ULAERGO (União Latino Americana de Ergonomia)

René Mendes, Professor Titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG (aposentado) e Professor Associado Sênior, Department of Environmental Health Sciences, School of Hygiene and Public Health, Johns Hopkins University, Baltimore - MD, EUA

Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela, Professor Doutor Livre Docente do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública - USP

Ubirani Barros Otero, Doutora, Gerente da Área de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente, Coordenação  de Prevenção e Vigilância - Conprev/INCA

Ubiratan de Paula Santos, Coordenador da Comissão de Doenças Ocupacionais e Ambientais da SPPT e Médico Doutor do Grupo de Doenças Respiratórias Ocupacionais, Ambientais e de Cessação de Tabagismo da da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP

Victor Wunsch Filho, Professor Titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

Vilma Santana, Professora do Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador

Vilton Raile, Médico do Trabalho da Divisão de Pneumoconioses do CEREST de Osasco, Coordenador do Nucleo em Saúde do Trabalhador de Carapicuiba, Fellow do Irving J. Selikoff Center for Occupational and Environmental Medicine do Mount Sinai School of Medicine, Nova York

Zuher Handar, Diretor científico da ANAMT, Médico do Centro Estadual de Saúde do Trabalhador Do Paraná - CEST"

Como entidade ligada à saúde, a Anamt endossa o protesto das entidades que assinaram a carta aberta.

Data: 15/03/2012 / Fonte: Anamt

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