sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

À prova de fogo


Iniciativa pioneira no Rio Grande do Sul cria Plano de Prevenção Contra Incêndios para escolas; unidades devem ficar atentas a vazamentos de gás, à manutenção das instalações elétricas e a rotas de saída do prédio.

Por: Cristina Morgato



De acordo com levantamentos do governo federal, acontecem, em média, 200 mil incêndios por ano no Brasil. São mais de 500 episódios por dia em todo o território nacional. Apenas 14% dos 5.570 municípios do país, no entanto, possuem Corpo de Bombeiros, segundo estudo divulgado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT). E as escolas brasileiras são seguras? Quais as medidas adotadas nas escolas públicas para evitar incêndios e reduzir danos em caso de eventuais acidentes?

No Rio Grande do Sul, a tragédia ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria, onde 242 jovens foram mortos, levantou a questão para as autoridades da região: se os jovens não estão seguros em locais de diversão, como será a realidade nas instituições de ensino, onde passam longos períodos de seus dias? A preocupação aumentou diante de uma pesquisa, divulgada em março pela direção estadual do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers/Sindicato), que apontou a falta de segurança, o excesso de alunos nas salas de aula e deficiências na infraestrutura como os principais problemas nas escolas da rede pública do Estado.

O levantamento, realizado pelo Núcleo de Pesquisas da Interlig Propaganda Ltda., afirma ainda que 54,1% das escolas entrevistadas não tinham ou não souberam responder se tinham um Plano de Prevenção Contra Incêndios (PPCI) - sendo que 38% não tinham o plano e 16,1% desconheciam as condições de segurança da instituição. Os números foram contestados pelo governo do Rio Grande do Sul, com o argumento de que a pesquisa teria ouvido apenas 335 instituições, em um universo superior a 2,5 mil na região. Ainda assim, o estado realizou um balanço das escolas sem PPCI. O levantamento conta ainda com a análise do Ministério Público e do Corpo de Bombeiros e que, agora, participam juntos da organização de um plano de ação para equipar as escolas com instrumentos de prevenção a incêndios.

Plano para escola

A responsabilidade de colocar em prática um PPCI voltado às escolas (o PPCIE) - iniciativa pioneira em todo o Brasil - é da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (Seduc), que, em seu levantamento, descobriu que 45% das escolas estão adequadas (já com alvará de funcionamento expedido pelo Corpo de Bombeiros) ou em adequação (com plano de prevenção ou certificado de conformidade em andamento). Já os 55% que não têm alvará possuem ao menos os equipamentos mínimos de proteção contra incêndio: extintor de incêndio, iluminação e sinalização de emergência e central de GLP (gás liquefeito de petróleo, ou gás de cozinha).

"A realidade é que isso não acontece apenas com as escolas. Poucos lugares cumprem a legislação por falta de efetivo técnico", lamenta Marcio de Souza Mullemaister, diretor adjunto do Departamento de Logística e Suprimentos da Seduc. Responsável pelo atendimento das escolas para questões relacionadas ao projeto, ele diz que os bombeiros são incansáveis em fiscalizar, realizar inspeções e expedir alvarás e autorizações de funcionamento, mas ainda não é o suficiente. Segundo ele, são 270 escolas públicas apenas em Porto Alegre, sem contar as coordenadorias espalhadas pelo interior do estado.

Após o levantamento inicial e análise do Ministério Público, foi criado um grupo de trabalho responsável pelas ordens de serviço junto às escolas, para verificar a parte administrativa e prática do PPCI, além da instalação de equipamentos. Além disso, foram identificadas quais escolas precisam de auxílio para se adequar junto às coordenadorias.

"O objetivo foi priorizar escolas mais carentes, que precisam de aporte financeiro para ter condições de ser aprovadas na vistoria técnica", esclarece Mullemaister.

Próximos passos 

Com o balanço e a primeira fase da ação concluídos, o diretor conta que a próxima etapa é a identificação, caso a caso, das necessidades de cada escola, para que todas sejam adequadas ao PPCIE. "Também temos como objetivo aproximar os bombeiros das escolas, oferecendo treinamento e noções básicas de prevenção para alunos, professores e comunidades", conta. Mullemaister reconhece que é um trabalho longo, mas que a troca de experiências entre Corpo de Bombeiros e a comunidade escolar é muito importante para a conscientização. "A iniciativa privada também deve participar desse intercâmbio, sempre com o suporte da Secretaria da Educação", ressalta.

O PPCIE envolve itens como extintores de incêndio, sinalização e iluminação de emergência, central de gás e alarmes de incêndio, além de corrimão nas escadas, pisos antiderrapantes e melhorias nas saídas de emergência. A expectativa é que, após resultados comprovados, o projeto piloto do estado seja estendido para outras regiões do país.

São Paulo 

Segundo a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão responsável pela administração dos contratos de obras da rede estadual de ensino de São Paulo, as escolas estaduais paulistas são projetadas e construídas de acordo com a legislação do Corpo de Bombeiros. Os edifícios escolares que seguem essas especificações são classificados como de baixo risco de incêndio, pois são instalados com materiais não inflamáveis como alvenaria, estrutura em concreto e lajes. Segundo nota da FDE, em conformidade com essa legislação, os prédios dispõem ainda de escadas, circulações e saídas, além de equipamentos de combate a incêndio.

As informações da nota da FDE são confirmadas pela coordenadora pedagógica Maria Helena Mendes Couto, da Escola Estadual Ascendino Reis, de São Paulo (SP). Segundo ela, a escola não possui um plano estruturado contra incêndios, mas anualmente o Corpo de Bombeiros realiza um treinamento com professores, funcionários, alunos e membros do Grêmio. "Todos são orientados sobre como agir em caso de emergência. Além disso, temos uma verba destinada para a manutenção de nossa rede elétrica e para a sinalização de saídas de emergência", conta. Ela ainda explica que a escola não possui gás de cozinha e por isso não há ações específicas de prevenção na área do refeitório, que só recebe merenda seca.

Em Amparo, no interior de São Paulo, a Escola José Scalvi de Oliveira foi atingida por um incêndio em abril, que danificou o telhado e duas salas de aula, mas, felizmente sem feridos. Na época, a imprensa levantou a possibilidade de o incêndio ter sido criminoso. Procurada pela reportagem de Escola Pública, a direção da escola não comentou o ocorrido. Segundo eles, o incidente ainda está sendo investigado pelas autoridades locais e, enquanto não forem confirmadas as causas do incêndio, os funcionários não estão autorizados a falar.

Segundo a FDE, em parceria com o Corpo de Bombeiros, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo está ampliando o trabalho conjunto de capacitação dos servidores da rede estadual de ensino para a prevenção de incêndios no ambiente escolar. Os funcionários participam de orientações técnicas presenciais e dispõem do Manual de Orientação à Prevenção e ao Combate a Incêndio nas Escolas, que também pode ser consultado na internet. A iniciativa visa instruir os gestores, docentes e funcionários que atuam diretamente com os estudantes, de modo a contribuir na prevenção de acidentes nas escolas, bem como orientar os envolvidos para adoção de procedimentos básicos em caso de emergência.

Como proteger sua escola:

As principais causas de incêndios são instalações elétricas irregulares, atos incendiários e displicência ao cozinhar. Para prevenir e combater em escolas, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo organizou um manual, com instruções completas. Veja as principais orientações:

- Fiscalizar periodicamente as instalações elétricas.

- Estar atento ao correto desligamento do fogão e a possíveis vazamentos de gás.

- As rotas de fuga, bem como as saídas de emergência, devem estar sinalizadas e possuir iluminação de emergência adequada e em perfeito funcionamento.

- Controlar a quantidade de material combustível armazenado, tendo cuidado com acúmulo de papéis, materiais de madeira e objetos inflamáveis guardados em almoxarifados e depósitos.

- Cuidar da manutenção dos sistemas e instalações de proteção contra incêndio existentes e orientar seus funcionários, alunos e professores quanto às precauções e procedimentos de segurança.

- Renovar o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e realizar a manutenção da brigada de incêndio, responsabilidades da escola.

Segurança depende de manutenção

Pesquisa realizada em escolas de São Paulo mostra que extintores e mangueiras depredados podem trazer risco à segurança das unidades; saber como agir em situação de perigo é fundamental

A qualidade dos espaços físicos das escolas piora com o passar dos anos, prejudicando a segurança, por isso a manutenção dos prédios é um item fundamental para a segurança. Essa é uma das conclusões do grupo coordenado pela professora Rosaria Ono, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), que avalia as condições de segurança das escolas e estuda as formas de evacuação de estudantes em situação de perigo e a qualificação dos docentes para esses casos.

Em sua pesquisa mais recente, Rosaria analisou a segurança de edifícios de dez escolas da rede estadual de São Paulo, todas localizadas na capital paulista. A conclusão é que as condições gerais dos prédios são boas, mas há problemas de depredação, como extintores e mangueiras quebrados, principalmente nas escolas do ensino fundamental II e ensino médio.

A professora ressalta ainda a necessidade de manter os espaços de fuga e as saídas de emergência livres. "Muitos gestores fecham as escadas para evitar a saída dos alunos durante as aulas, outros ainda recolhem todos os extintores e trancam em uma sala", diz.

Já em outro estudo, ela realizou algumas simulações para analisar o tempo e a forma como os alunos fariam a evacuação em uma situação de perigo. Os testes consideraram uma série de variáveis em relação ao aumento das áreas de escape e de alunos. Os estudantes mais velhos andaram de 0,7 a 1,5 metro por segundo, já entre as crianças menores, essa velocidade varia de 0,6 a 1,2 metro por segundo.

Para a pesquisadora, os professores não estão preparados para a situação de perigo, mas a inserção do tema nas aulas é fundamental. "Assim como você faz aula de vigilância no trânsito, a educação de prevenção a incêndios deve ser dada na escola, a criança deve levar isso para casa e ao longo da vida dela", afirma. Rosaria explica que o tamanho dos edifícios não faz diferenças nas situações de perigo, mas sim o conhecimento dos frequentadores sobre os ambientes da escola e os itens de segurança.

Segundo ela, incêndio é uma situação rara em escolas, pois os prédios são construídos com poucos materiais inflamáveis. Há, porém, muitos outros casos que não são discutidos na comunidade escolar, como enchentes, deslizamentos e outras intempéries, que podem afetar os edifícios. (Gabriely Araujo)

http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/36/a-prova-de-fogo-302345-1.asp

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