quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Brasil fiscaliza agrotóxico só em 13 alimentos, enquanto EUA e Europa analisam 300

O Globo

País é o maior consumidor das substâncias do mundo. Segundo Anvisa, tendência é que monitoramento fique mais abrangente.

Dos 50 ingredientes ativos mais utilizados nas lavouras, 22 são proibidos na União Europeia.


Andrea Freitas, Clarice Spitz e Eliane Oliveira

RIO E BRASÍLIA - Num momento em que se disseminam os benefícios de uma alimentação saudável, com frutas, verduras e legumes, especialistas alertam para os riscos dessa opção. Isso porque, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, mas a fiscalização é falha. De 2002 a 2012, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%. O setor movimentou US$ 10,5 bilhões, em 2013, ano de ouro para a agropecuária, que teve supersafra e preços de commodities em alta. A análise dos alimentos que vão à mesa do consumidor, porém, é bem restrita. No último relatório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2012, foram analisadas 3.293 amostras de apenas 13 alimentos - 5% do que é avaliado por EUA e Europa. Desses, o resultado de apenas sete foram publicados até agora. 

Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), e na Europa, a European Food Safety Authority (EFSA), analisam cerca de 300 tipos de alimentos por ano, inclusive industrializados. No Brasil, produtos como carnes, leite, ovos e industrializados não são sequer pesquisados, apesar de especialistas alertarem que eles podem estar contaminados por agrotóxico.

A Anvisa confirmou que, em 2012, só 13 alimentos foram monitorados, mas informou que a tendência é de expansão do número de culturas. O enfoque do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, explicou, são os itens mais consumidos pela população e importantes na cesta básica. Segundo a Anvisa, o milho está sendo monitorado desde 2012 na forma de fubá, e o trigo passou a ser monitorado na forma de farinha desde 2013, mas o resultado ainda não foi divulgado.

Registro não tem prazo de validade
A falta de fiscalização de agrotóxicos faz parte da série “No país do faz de conta”, iniciada no domingo pelo GLOBO. Hoje, 434 ingredientes ativos e 2.400 formulações de agrotóxicos estão registrados nos ministérios da Saúde, da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente e são permitidos. 

Dos 50 mais utilizados nas lavouras, 22 são proibidos na União Europeia. Mato Grosso é o maior consumidor, com quase 20%, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O contrabando, sobretudo via Paraguai e Uruguai, de produtos de origem chinesa, sem controle dos aditivos, representa outro problema. E o uso ilegal de agrotóxicos preocupa. O DTT, proibido em todo o mundo, foi achado em 2013 na Amazônia, usado por empresas, segundo o Ibama, para acelerar a devastação de áreas.

Sobre os 22 defensivos proibidos, os técnicos da Anvisa explicam que, no país, o registro de agrotóxico não tem prazo de validade. Uma vez concedido, só pode ser retirado ou alterado após reavaliação que mostre mudança no perfil de segurança do produto. A agência iniciou processo de reavaliação em 2008 que resultou, até agora, no banimento de quatro produtos e no reenquadramento de dois.

O custo dos agrotóxicos à saúde é grande. Segundo o professor Fernando Carneiro, da Universidade Brasília, a cada US$ 1 gasto em agrotóxico, há um custo de US$ 1,28 em atendimento ao intoxicado.

- A intoxicação aguda afeta o trabalhador rural e o da fábrica. A crônica atinge o consumidor, que fica mais exposto a doenças como câncer e alterações metabólicas. O Mapa e as secretarias de agricultura têm dinheiro para monitorar e vigiar gado por causa da exportação. Quando se fala em agrotóxicos, não há estrutura nem fiscais.

Para a professora Karen Friedrich, do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fiocruz, a fiscalização na carne que chega aos lares deveria ser iniciada o quanto antes:

- A contaminação deve ocorrer em industrializados, como molho de tomate e suco em caixa.

Karen diz que é preciso que os municípios e estados atuem onde ocorre a contaminação e que falta investimento para ampliar a análise, embora a Anvisa “faça milagre com o que dispõe".

Para os trabalhadores rurais, o cenário de fiscalização também é de restrições. Cerca de um quarto das fazendas recenseadas no país em 2006, ou 1.376.217, declaravam usar agrotóxicos. Segundo a Secretaria de Agricultura do Estado do Rio, no ano passado foram autuadas 420 das 680 propriedades rurais fluminenses por irregularidades envolvendo agrotóxicos. Joel Naegele, vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, critica:

- Num país onde o clima favorece parasitas e pragas danosas, não há fiscalização. Há 60 anos acompanho a agricultura e é tudo muito mal feito, papo-furado, ilusões. Se dependermos da ação do governo, estamos num mato sem cachorro.

Para governo, lei é rígida e moderna
O coordenador geral de agrotóxicos e afins do Mapa, Júlio Sérgio Brito, assegura que o sistema de controle é tão avançado quanto os dos principais países do mundo. Segundo Brito, a legislação é "rígida, moderna e profunda". Para ser aprovado para uso agrícola, explica, o produto é avaliado sob os pontos de vista agronômico, de saúde e ambiental.

Eloisa Dutra Caldas, professora de Toxicologia da UnB, diz que o problema está no fato de haver resíduos de agrotóxicos em produtos para os quais seu uso não está autorizado:

- Cerca de 50% das mais de 14 mil amostras analisadas por Anvisa e Mapa até 2010 continham resíduos de pesticidas. Este percentual não é muito diferente do encontrado no resto do mundo.

Henrique Mazotini, presidente da Associação dos Distribuidores de Insumos Agropecuários (Andav), no entanto, reconhece que há desvios:

- Aqui falta gente e infraestrutura. Além disso, o Brasil sucateou sua extensão rural e falta orientação técnica aos produtores.

Frequentadores da feira livre da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, se mostram preocupados. O aposentado José Barbosa gostaria de saber quais agrotóxicos incidem sobre os alimentos:

- Deveria haver mais informações sobre a produção. Principalmente no caso do morango, que é uma fruta mais sensível, com uma casquinha fina, que absorve muita coisa.

A indústria de defensivos rebate o argumento de que há risco à saúde. O agrônomo Guilherme Guimarães, da Associação Nacional de Defesa Vegetal, diz que a segurança alimentar do consumidor é testada pelos órgãos que liberam os produtos. Quanto ao fato de que o Brasil ainda tem agrotóxicos já banidos no exterior, ele diz que isso se deve ao clima e a adversidades.
O Ibama diz que aplicou R$ 14,5 milhões em multa em 2013, a maior parte na apreensão de produtos ilegais importados. 

Colaborou Daiane Costa





Agrotóxico pode causar câncer e alterações na puberdade

Contaminação de bebês pode ocorrer na placenta e por leite materno


Clarice Spitz e Andrea Freitas
30/01/14 - 8h23

RIO - Especialistas em saúde apontam uma correlação direta entre o acúmulo de agrotóxico no organismo e a propensão a desenvolver câncer de mama, de testículos e de fígado. No caso de crianças, com sistema imunológico menos desenvolvido, a contaminação pode ocorrer durante a gestação, ainda na placenta pelo leite materno. Os maiores riscos são de leucemia e linfoma.

- Pesquisas apontam que mulheres que apresentavam agrotóxico no organismo tinham o dobro da chance de desenvolver câncer de mama - diz Fábio Gomes, nutricionista do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Alguns agrotóxicos podem agir desregulando os hormônios e aumentando distúrbios nos ciclos hormonais da mulher, o que poderia antecipar a primeira menstruação. No caso de meninos, podem reduzir o tamanho do pênis

Doses elevadas, geralmente encontradas em quem aplica os produtos e em moradores do campo, podem causar distúrbios neurológicos e motores, além de irritação nos olhos e na pele.

- Existe uma falha de fiscalização. Há uma série de agrotóxicos que já deveriam ter sido descartados, mas que ainda são permitidos por interesses econômicos - afirma Gomes.

Antibióticos e obesidade
Efeitos crônicos podem ocorrer meses, anos ou até décadas após a exposição, de acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Parte dos agrotóxicos tem a capacidade de se dispersar no ambiente. Outra parte pode se acumular no organismo humano.

- Há um risco em toda a cadeia produtiva: de produtos vencidos dentro da fábrica, passando por fórmulas que dizem conter uma substância e contêm outra. Além disso, não há estrutura para fiscalizar seu uso, que é feito de qualquer maneira- afirma Fernando Carneiro, professor do Departamento de Saúde Coletiva da UNB.

Especialistas alertam ainda que os antibióticos usados nos animais podem causar resistência no organismo humano quando forem necessários. A professora do Instituto de Nutrição na Uerj Inês Rugani Ribeiro de Castro afirma que agrotóxicos, hormônios e antibióticos são suspeitos de contribuir para a disseminação de doenças crônicas.

- Há estudos ainda iniciais que mostram que a epidemia de obesidade vai além do excesso na ingestão de calorias e de pouca atividade física, podendo ter relação com uma flora intestinal alterada pela exposição a baixas doses de antibióticos via proteína animal- afirma. - Os controles são necessários em toda a cadeia.

Os cuidados com a saúde

Lavar
A lavagem dos alimentos em água corrente reduz os resíduos de agrotóxico na superfície do alimento. Mas, segundo a Anvisa, diversos produtos aplicados em alimentos agrícolas e no solo têm a capacidade de penetrar no interior de folhas e polpas e a lavagem não é capaz de eliminá-los

Da estação
Prefira produtos com a identificação do produtor e da estação, a princípio, elas recebem carga menor de agrotóxicos

Água sanitária
As soluções de hipoclorito de sódio (água sanitária) devem ser usadas na higienização de alimentos na proporção de uma colher de sopa para um litro de água para matar agentes microbiológicos. Mas a Anvisa alerta:não há evidências científicas que comprovem sua eficácia ou a do cloro na remoção de resíduos de agrotóxicos

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/agrotoxico-pode-causar-cancer-alteracoes-na-puberdade-11446268
Quase metade da carne brasileira não passa por controle algum

Setor admite que fiscalização de antibióticos e hormônios é falha


Ronaldo D’Ercole
30/01/14 - 8h23


Exportação. Empresas que vendem para o exterior têm maior controle
Foto: DARIO LOPEZ-MILLS / AP Photo/Dario Lopez-Mills/11-04-2003
Exportação. Empresas que vendem para o exterior têm maior controle DARIO LOPEZ-MILLS / AP Photo/Dario Lopez-Mills/11-04-2003
SÃO PAULO E BRASÍLIA - Quase metade da carne bovina produzida no Brasil está fora do alcance da fiscalização do Ministério da Agricultura (Mapa) e não tem o Certificado de Inspeção Federal (CIF). Todo o controle de resíduos do uso de antibióticos, vermífugos e hormônios (que são proibidos no país) nos rebanhos cabe a órgãos municipais e estaduais, que geralmente não dispõem de meios adequados para a função.

- Infelizmente a legislação dá respaldo para que isso aconteça, e estados e municípios não fiscalizam. Isso é concorrência desleal - diz Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).

Em São Paulo, de acordo com a Secretaria de Agricultura, há 588 abatedouros (de bovinos, aves e outros) registrados no sistema de inspeção. Ao todo, o governo tem 37 veterinários em 40 Escritórios de Defesa Agropecuária (EDA), que em 2013 fizeram 1.562 fiscalizações, programadas “de acordo com a possibilidade e também conforme demanda e denúncias".

O Ministério da Agricultura atua segundo o Programa de Nacional de Controle de Resíduos Contaminantes, que, por meio de sorteios eletrônicos com três mil estabelecimentos, escolhe as empresas em que são coletadas amostras de carnes para análise. No caso do frango, a inspeção federal alcança mais de 90% da produção, segundo a Ubabef, entidade dos produtores de frango.

Grandes empresas exportadoras, como a JBS e a BRF, dispõem de laboratórios para analisar se a carne está nos padrões do “Codex Alimentarius", da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

- As empresas que exportam estão sempre fazendo análises em sua produção. Nos países para os quais a carne é exportada também são coletadas amostras. Se for encontrado excesso de resíduos de medicamentos, dependendo da violação, a planta do frigorífico é interditada, ou fica sujeita a um regime de controle mais rigoroso - diz Sampaio.

A questão é que o Brasil exporta só 16% do que produz - 10,2 milhões de toneladas. A produção de frangos atingiu 12,7 milhões de toneladas.

- Além do CIF, todas fábricas de ração são fiscalizadas pelo Ministério. E as rações medicadas precisam de receituário veterinário - diz Ariel Mendes, diretor da Ubabef.

O Ministério da Agricultura informou que já é rígido o controle do uso de hormônios e antibióticos em alimentos de origem animal. Segundo um técnico, esses itens são exportados para o mundo todo, incluindo a União Europeia, que manda missões periódicas ao Brasil para verificar as condições dos alimentos.(Colaborou Eliane Oliveira)

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/quase-metade-da-carne-brasileira-nao-passa-por-controle-algum-11446253

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