Por
Carlos Giffoni | De São Paulo
Sérgio
Nobre, dos Metalúrgicos do ABC: "Legislação impede os trabalhadores de
avançar em conquistas de direitos"
Um
anteprojeto de lei que amplia a autonomia de empresas e sindicatos nas
negociações de cada categoria está nas mãos da Casa Civil e pode ser
encaminhado ao Congresso neste mês. Trata-se de uma alternativa à Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT).
Elaborado
pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Acordo Coletivo de Trabalho com
Propósito Específico (ACE) regulamenta a criação de Comitês Sindicais de
Empresa (CSE) - versão moderna das comissões de fábrica - dentro dos locais de
trabalho, o que tende a diminuir o número de processos encaminhados anualmente
à Justiça do Trabalho. A adesão à nova legislação seria facultativa.
O projeto
garante segurança jurídica para que esses comitês negociem diretamente com a
diretoria das empresas desde problemas no dia a dia até benefícios e direitos,
como licença-maternidade.
O setor
empresarial faz coro ao projeto, que facilita a resolução de questões internas
nas empresas. "A ideia é muito boa, porque prevê uma valorização da
negociação entre as duas partes. Quando a negociação está amadurecida, é
preciso dar oportunidade de fazê-la diferentemente de como a lei [a CLT, de
1943] estabelece. E outra, não é obrigatório", diz José Pastore, professor
da Universidade de São Paulo (USP) e consultor em relações do trabalho.
"Reconhecemos
a legitimidade da representação interna e como isso equilibra as necessidades
dos negócios e as demandas dos trabalhadores", afirma Nilton Junior,
diretor de recursos humanos da Volkswagen no Brasil.
O que o
projeto estabelece é um entendimento especial nos moldes do acordo coletivo
firmado entre a montadora de caminhões Scania e os metalúrgicos do ABC que, com
a forte queda da produção neste ano, evitou as demissões na fábrica. O banco de
horas adotado na Scania não é reconhecido por lei, não tem segurança jurídica,
mas foi o que criou condições para frear a produção sem que houvesse demissões.
Em
setembro do ano passado, o sindicato levou o anteprojeto ao secretário-geral da
Presidência da República, Gilberto Carvalho, e ao presidente da Câmara, Marco
Maia (PT-RS). O primeiro rascunho do ACE havia sido entregue ao ex-presidente
Lula em 2009. Finalizado, o texto prevê que os acordos especiais só poderão ser
firmados diretamente entre empresas e sindicatos, se o sindicato comprovar que
tem representação na empresa. Essa representação seria escolhida por meio do
voto, assim como nas comissões de fábrica que existem no ABC desde 1981.
As
exigências previstas vão além. O Ministério do Trabalho deverá certificar os
sindicatos que têm representatividade e, portanto, não estariam sujeitos a
pressões empresariais. Somente esses estariam aptos a formalizar um acordo
específico. O número de trabalhadores sindicalizados na empresa deve superar
50% do total de empregados - a média nacional é de 18%, o que reduz
significativamente o número de sindicatos e empresas aptos a assinar um acordo
especial. Da parte patronal, a empresa deverá comprovar que reconhece o comitê
sindical como o órgão com quem negocia as demandas dos trabalhadores e que não
tem pendências judiciais por intervir no direito sindical.
O acordo
especial conta com o apoio do Ministério do Trabalho. "Temos que
incentivar os processos que facilitem os acordos coletivos e a representação
dos trabalhadores. Os sindicatos que realizam esses acordos são representativos
de suas categorias. A aprovação do anteprojeto não depende só do Congresso,
depende de negociações", diz o ministro Brizola Neto.
Hoje, as
empresas são obrigadas a dar uma hora de almoço aos seus funcionários. Na
fábrica da Mercedes-Benz, no ABC, funcionários e diretores avaliaram que 45
minutos seriam suficientes - e, com isso, todos poderiam terminar o expediente
15 minutos mais cedo. Porém, essa modificação é proibida por lei e a empresa
que fizer tal acordo está sujeita à multa, ainda que o sindicato da categoria o
ratifique. Com a instituição dos comitês sindicais, caberia às duas partes
fazer um acordo específico para aquela empresa, dentro da qual estaria
instalado um braço sindical.
O CSE é
responsável pela fiscalização dos acordos coletivos e do cumprimento da
legislação trabalhista nas empresas onde está instalado, por buscar soluções
para problemas do dia a dia e por adequar a negociação coletiva - realizada
pelo sindicato da categoria - à realidade da empresa.
"A
legislação não contempla todas as categorias, impede os empresários de resolver
problemas que a competitividade moderna impõe e impede os trabalhadores de
avançar em conquistas de direitos", diz Sérgio Nobre, presidente do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. "O bom do CSE é que não permite que o
trabalhador sofra um dano, evitando que os problemas cheguem à Justiça."
São 89 as
empresas do ABC paulista em que já funcionam comitês sindicais para os
metalúrgicos, de acordo com o sindicato da categoria. Os trabalhadores dessas
empresas representam cerca de 90% do total de 105 mil metalúrgicos da base do
sindicato. Empresas do setor químico também já aderiram ao formato, mas tanto
empresários como sindicalistas estão de acordo que falta segurança jurídica que
garanta os acordos firmados.
Nobre
destaca que, nas montadoras do ABC, a rotatividade é muito baixa e não passa de
2% ao ano [somente no mês de maio, segundo o Ministério do Trabalho, a taxa de
rotatividade no país foi de 4,3%], já que existe uma satisfação garantida pela
presença do comitê sindical.
"O
diálogo constante minimiza os problemas", diz Nilton Junior, diretor da
Volkswagen. Na fábrica da empresa, em São Bernardo do Campo, que emprega 14,8
mil trabalhadores, 28 diretores sindicais, afastados de suas atividades,
compõem o comitê sindical. De acordo com ele, o CSE na fábrica da Anchieta se
envolve em questões mais estratégicas, relacionadas às demandas de longo prazo
dos trabalhadores, que são repassadas à empresa em reuniões semanais.
"A
negociação coletiva começa dentro da empresa e quase tudo se resolve ali mesmo
na maior parte dos países. O sindicato não tem legalidade para se instalar
dentro da empresa no Brasil. Isso é exceção", diz Hélio Zylberstajn,
professor da Faculdade de Economia da USP.
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