POR CÁSSIA ALMEIDA
RIO - Quase cinco milhões de trabalhadores (4,948 milhões) se
acidentaram no Brasil em um ano, entre 2012 e 2013. Os dados inéditos, contidos
na Pesquisa Nacional de Saúde, do IBGE, mostram pela primeira vez a extensão da
falta de segurança no trabalho no Brasil. O número é seis vezes maior que a
única estatística oficial de que o Brasil dispunha até então: as comunicações
ao governo de acidentes de trabalho, restritas ao assalariado com carteira
assinada. Fogem do controle os funcionários públicos e os informais. Apesar de
obrigatórios, os registros de acidentes, mesmo entre os trabalhadores formais,
são subdimensionados, como reconhece a própria Previdência Social, que cuida
dos números. Os casos que não exigem que o trabalhador se afaste são raramente
notificados.
Pelas contas da Previdência, houve 718 mil acidentes em 2013. Para Celia
Landmann, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que coordenou a
pesquisa juntamente com o IBGE, o número de acidentes é elevado, mas já havia a
percepção de que a insegurança no trabalho é latente no Brasil:
— O número é muito alto, mas não surpreendeu tanto assim. Em
atendimentos de acidentes e violência em serviços de emergência, a proporção de
acidentes de trabalho é de 33%.
No início da semana passada, o mecânico de manutenção Edmilson
Capistrano, de 50 anos, recebeu a tarefa de consertar o pneu de um veículo no
Aeroporto de Salvador. Funcionário da empresa Lobeck, terceirizada da Infraero,
sofreu traumatismo craniano, perdendo massa encefálica, quando o pneu explodiu
e o aro atingiu sua cabeça. Ele está em estado grave, em coma, no Hospital
Geral do Estado, em Salvador.
— Não houve plano de gestão de risco. Faz-se o trabalho sem avaliar os
riscos. Não basta dar EPI (equipamento de proteção individual, como luvas e
capacete) e jogar a responsabilidade da segurança para o trabalhador. De que
adianta um capacete quando cai um saco de cimento de 30 quilos na cabeça? A
análise preliminar do acidente mostrou falta total de gestão de risco — afirmou
o coordenador do Setor de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho
da Bahia, Flávio Nunes.
MAIS DE 1,4 MILHÃO DE ACIDENTES NO TRAJETO
Foi o segundo acidente em poucas semanas. Em maio, outro funcionário da
mesma empresa quebrou a clavícula e teve que ser operado. Enquanto trabalhava
numa máquina, uma porca se soltou e o atingiu no ombro. O empregado ainda está
afastado.
Segundo a gerente de Recursos Humanos da Lobeck, Fernanda Macedo
Pestana, o engenheiro de segurança está preparando o laudo sobre o acidente
para apresentar à Infraero:
— Temos os dois programas exigidos, de prevenção de riscos ambientais e
de controle médico e de saúde ocupacional. Todos os contratos, por
regulamentação da própria Infraero, são revistos anualmente, para que tudo seja
seguido com rigor.
Luciana Sousa Capistrano, sobrinha de Edmilson, afirma que o tio foi
desviado da função de técnico em mecânica industrial e que, tanto a Lobeck
quanto a Infraero, não responderam ao pedido da família sobre o atendimento a
Capistrano quando ele sair do Hospital Geral do Estado:
— Ele vai precisar de atendimento especializado, de neurologia. Nossa
luta é essa. Mas não nos deram qualquer resposta. É um descaso absurdo —
afirmou Luciana que foi criada por Capistrano juntamente com o irmão.
Fernanda afirma que está dando toda a assistência à família e que o
funcionário não pode ser transferido no momento:
— Temos nossa assistente social do hospital. Nossa preocupação é com ele
agora. Ele está estável.
A Infraero informou, por meio de nota, “que adotou todas as medidas
necessárias em prol do funcionário acidentado”, fornecendo o primeiro
atendimento.
“Na manhã do mesmo dia, a Infraero enviou um assistente social do seu
quadro de empregados para dar apoio e acompanhar a família do empregado da
Lobeck. Na oportunidade, foi realizado atendimento com a mulher e com os irmãos
do empregado, orientando-os e intermediando o atendimento no hospital, ao mesmo
tempo em que disponibilizou os contatos necessários para o devido amparo
social”, diz a nota.
Pelos números do IBGE, 613 mil trabalhadores ficaram com sequelas ou
algum tipo de incapacidade por causa de acidentes. Cerca de 1,627 milhão teve
que deixar atividades habituais em consequência do acidente. E 284 mil tiveram
que ser internados em razão do acidente.
— Pela primeira vez, tem-se uma pesquisa em todo o território nacional,
que traz à tona o tamanho do problema. Os acidentes atingem 3,4% da população
de 18 anos ou mais — afirmou Deborah Malta, diretora do Departamento de
Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde do
Ministério da Saúde, que montou a pesquisa com o IBGE.
Os acidentes indo ou voltando do trabalho também são subdimensionados
pelos dados da Previdência Social. Os registros mostram 111,6 mil em 2013, o
que representou 15,5% do total de acidentes. Pelos números do IBGE, essa
proporção sobe para 30%, atingindo 1,441 milhão de trabalhadores.
—É importantíssimo termos um trabalho mais aprofundado nesses acidentes
de trajeto, que têm aumentado muito. Foi um passo importante dado pelo IBGE —
afirmou Marco Antônio Perez, diretor do Departamento de Políticas de Saúde e
Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social.
Ele afirma que era esperado um número maior, já que a Previdência só
capta trabalhadores formais. Há encargos na folha de pagamento para cobrir o
seguro de acidente de trabalho, o que explica essa limitação. As empregadas
domésticas, por exemplo, só agora entrarão nas estatísticas oficiais da
Previdência, mesmo assim as que conseguirem ter a carteira assinada:
— Os acidentes que não geram afastamento também são pouco notificados —
afirma Perez.
Até mesmo as estimativas dos especialistas para tentar chegar à exata
dimensão da insegurança no trabalho no Brasil ficaram abaixo do que o IBGE
encontrou:
— Em termos de saúde pública, os dados são muito alarmantes. Nas
estimativas que montamos para o estado da Bahia, eram 49 acidentes por dez mil.
Os dados do IBGE mostram 340 por dez mil, seis vezes mais — afirmou a doutora
em saúde pública Letícia Nobre, da Secretaria Estadual da Saúde da Bahia.
Deborah, do Ministério da Saúde, chama a atenção para a incidência maior
de acidentes nas regiões Norte e Nordeste. Enquanto em São Paulo, os acidentes
atingiram 2,7% da população de 18 anos ou mais, no Pará, essa proporção sobe
para 6,1%:
— Acreditamos que uma fiscalização maior nos estados da Região Sudeste e
um movimento sindical mais atuante possam explicar essa diferença na incidência
dos acidentes.
Letícia lembra que o estado do Pará concentra atividades mais perigosas
como mineração, madeireiras, silvicultura e grandes obras de construção civil.
— Em São Paulo, há uma estrutura industrial com mais tradição de
investimento em segurança das empresas. A organização sindical influencia
muito, apesar de essa pauta ainda ser marginal na agenda sindical.
A pesquisa separou por sexo, mostrando que os acidentes atingem mais os
homens: 70,5% acontecem entre eles. E os mais jovens são os mais afetados: 34% das
ocorrências foram na população entre 18 e 29 anos.
— Percebemos que acidentes atingem os menos qualificados, que recebem
menos, e onde há menor atuação sindical. São os que não têm vínculo em
carteira, terceirizados, ficam muito mais expostos — afirmou Deborah, que
avisou que a pesquisa será feita novamente daqui a cinco anos.
O Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelos planos de
segurança do trabalho e pela fiscalização, afirmou que não iria comentar a
pesquisa do IBGE.
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