O
tema sobre a concessão do benefício aposentadoria especial, já amplamente
debatido pelas empresas que desenvolvem atividades que expõem seus empregados à
agentes nocivos, sejam eles físicos, químicos ou biológicos, com reflexos na
alíquota adicional de Seguro Acidente do Trabalho/Riscos Ambientais do Trabalho
("SAT/RAT"), sofreu importantes modificações quando da edição do
Decreto nº 10.410/2020, que alterou o Regulamento da Previdência Social.
Como
se sabe, a Lei nº 8.212/1991, que trata do custeio da Previdência Social,
determina em seu artigo 22, inciso II[1] a exigência da contribuição
previdenciária destinada ao SAT/RAT, que incide sobre folha de pagamentos, cuja
alíquota varia entre 1% a 3% a depender do grau de risco de acidentes de
trabalho em relação à atividade desenvolvida, definidas no Anexo V do Decreto
nº 10.410/2020.
Em
caráter de exceção, caso a atividade desenvolvida pela empresa exponha de forma
permanente seus empregados a condições prejudiciais à saúde ou integridade
física, de acordo com o artigo 57, da Lei nº 8.213/1991, será exigido o
adicional ao Seguro Acidente do Trabalho / Risco Acidente do Trabalho
("adicional ao SAT/RAT"), cujas alíquotas poderão ser acrescidas de
doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo
empregado permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos
de contribuição, respectivamente.
Assim,
o adicional ao SAT/RAT visa financiar exclusivamente o benefício de
aposentadoria especial, e deve ser recolhido caso fique comprovada (i) a
existência de agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos, capazes de
ocasionar danos à saúde ou a integridade física do trabalhador; e (ii) a
presença, cumulativa, de 4 fatores: natureza (físico, químico ou biológico);
concentração (grau de presença do agente em determinado elemento); intensidade
(capacidade de causar efeitos no organismo humano); e exposição (tempo em que o
trabalhador fica submetido aos seus efeitos, ou seja, de forma permanente e não
habitual).
Note-se
que o Supremo Tribunal Federal já decidiu ser constitucional o artigo 22, II,
da Lei nº 8.212/1991, o qual expressamente estabelece que a contribuição
destinada ao seguro de acidente do trabalho também custeará o benefício de
aposentadoria especial (conforme RE 365.913-AgR-ED e AI 804423-BA). Assim, a
tese que discute a constitucionalidade dessa exação não comporta maiores
discussões.
Para
evitar que os empregados fiquem expostos aos referidos agentes nocivos,
afastando assim a aposentadoria especial e o respectivo adicional de alíquota
de SAT/RAT, cabe aos empregadores adotarem medidas de saúde e segurança do
trabalho, como o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e/ou
Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC), que visam eliminar ou neutralizar os
agentes nocivos até os limites de tolerância previstos na legislação
trabalhista, a exemplo da Norma Regulamentadora (NR) nº 15, que estabelece
parâmetros toleráveis de exposição à agentes nocivos.
Em
que pesem os investimentos dos contribuintes em medidas de segurança como o uso
de EPI e/ou EPC para eliminarem ou se adequarem aos limites legais de
tolerância dos empregados aos agentes nocivos, cabe lembrar que o STF, nos
autos do ARE nº 664.335 (Tema nº 555 da Repercussão Geral), decidiu que no caso
de exposição ao agende nocivo “ruído”, mesmo diante do uso de equipamentos de
proteção, não poderá ser descaracterizada a concessão da aposentadoria
especial.
No
julgamento, a justificativa dos Ministros baseou-se no fato de que os
equipamentos de segurança não possuem a eficácia real para amenizar os efeitos
da vibração emitida pelo ruído, mas ressalvaram que a situação dos autos deve
ser compreendida como provisória, pois atualmente prevalece a compreensão de
que não há neutralização completa da nocividade da exposição à ruído,
permanecendo o empregado exposto à nocividade[2].
Com
base nessa concepção, a Receita Federal do Brasil editou o Ato Declaratório
Interpretativo (ADI) nº 2/2019, que impõe a contribuição adicional ao SAT/RAT
devido pela empresa nos casos em que não puder ser afastada a concessão da
aposentadoria especial, ainda que se adote medidas de proteção coletiva ou
individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a
níveis legais de tolerância.
Dado
esse cenário de incertezas e insegurança jurídica, a edição do Decreto nº
10.410/2020 veio a dirimir dúvidas sobre conceitos de neutralização e
eliminação de agentes nocivos para fins de concessão de aposentadoria especial
e, consequentemente, sobre a exigência do adicional de SAT/RAT.
A
esse respeito, o novo artigo 64, §1º[3] do Decreto nº 10.410/2020 dispõe que a
efetiva exposição ao agente prejudicial à saúde configura-se quando a
nocividade não seja eliminada ou neutralizada, mesmo com a adoção de medidas de
controle previstas na legislação trabalhistas (i.e.: EPIs e EPCs).
Para
delimitar esse conceito, o novo Decreto inclui o §1º-A[4] ao artigo 64, que
conceitua os termos "eliminação" e "neutralização", como
sendo, respectivamente: (i) a adoção de medidas de controle que efetivamente
impossibilitem a exposição do trabalhador ao agente prejudicial; e (ii) a
aplicação de providências protetivas que reduzam a intensidade, a concentração
ou a dose da exposição do empregado à nocividade.
Ainda,
o §2º[5] do artigo 64 define expressamente que para fins de concessão de
aposentadoria especial, a exposição a agentes nocivos deve superar os limites
de tolerância previstos em critérios quantitativos ou qualitativos, a depender
do tipo do agente a que o empregado estiver exposto.
É
evidente, portanto, que essas novas disposições do Decreto nº 10.410/2020
ajudam a solucionar as litigiosidades até então enfrentadas por empresas que
desenvolvem atividades na presença de agentes nocivos, afastando pretendidas
alegações genéricas por parte da Fiscalização, além de incentivar o
investimento em equipamentos eficazes de proteção à saúde e segurança do
trabalho.
[1]
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social,
além do disposto no art. 23, é de: (..) II - para o financiamento do benefício
previsto (..) daqueles concedidos em razão do grau de incidência de
incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o
total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados
empregados e trabalhadores avulsos: (…) a) 1% (um por cento) para as empresas
em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja
considerado leve; (…) b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade
preponderante esse risco seja considerado médio; (…) c) 3% (três por cento)
para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.”
[2]
Trecho do Tema 555 sobre a ressalva futura em relação aos EPI e EPC no caso de
ruído:"55. Note-se, por fim, que o tema em análise se sujeita à — rápida —
evolução tecnológica. Portanto, a solução aqui preconizada deve ser
compreendida como provisória, pois, se atualmente prevalece a compreensão de
que não há neutralização completa da nocividade da exposição a ruído acima dos
limites de tolerância, no futuro podem ser desenvolvidos equipamentos,
treinamentos e sistemas de fiscalização que garantam a eliminação dos riscos à
saúde do trabalhador."
[3]
“§ 1º A efetiva exposição a agente prejudicial à saúde configura-se quando,
mesmo após a adoção das medidas de controle previstas na legislação
trabalhista, a nocividade não seja eliminada ou neutralizada..”
[4]
”§ 1º-A Para fins do disposto no § 1º, considera-se: (...) I - eliminação - a
adoção de medidas de controle que efetivamente impossibilitem a exposição ao
agente prejudicial à saúde no ambiente de trabalho; e (...) II — neutralização
— a adoção de medidas de controle que reduzam a intensidade, a concentração ou
a dose do agente prejudicial à saúde ao limite de tolerância previsto neste
Regulamento ou, na sua ausência, na legislação trabalhista.”
[5]
§ 2º Para fins do disposto no caput, a exposição aos agentes químicos, físicos
e biológicos prejudiciais à saúde, ou a associação desses agentes, deverá
superar os limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos
ou estar caracterizada de acordo com os critérios da avaliação qualitativa de
que trata o § 2º do art. 68.”
Fonte
https://www.conjur.com.br/2020-set-15/adicional-satrat-agentes-nocivos-luz-decreto-104102020