A decisão
judicial que determinou a interdição da obra da Arena da Amazônia, em Manaus
(AM), após queda e morte de um trabalhador, colocou em destaque, na grande
mídia, o problema da insegurança no ambiente de trabalho, tema que tem se
tornado cada dia mais frequente na Justiça do Trabalho.
Os
números de acidentes no Brasil são realmente preocupantes. Em 2012, o Brasil
registrou 705 mil acidentes de trabalho, sendo 22,3 mil relacionados ao setor
da construção de edificações.
Trata-se,
portanto, de um cenário que merece atenção, nomeadamente porque, nos casos de
morte, havendo ou não culpa da empresa, perdem-se vidas, em tragédias que
ultrapassam a individualidade do empregado morto, atingindo, com bastante
frequência, toda a família. Ainda que obtidas prestações previdenciárias ou
civis compensatórias, perde-se mais do que uma fonte de labor, individual e
social. Não raro, suprime-se a presença do pai ou mãe da vida de seus filhos,
esgarçando referenciais e marcando, para sempre, a trajetória das vidas que são
tocadas por esses sinistros.
Por essa
razão, a prevenção deve se constituir o fio condutor da atuação do Estado nesse
tema.
Na área
judicial, prevencionistas, como Edwar Abreu Gonçalves e Sebastião Geraldo de
Oliveira, vêm, há muito, chamando a atenção para a necessidade de
concretizar todo o tecido normativo existente no campo da prevenção dos
acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Ao
contrário do que se imagina, a força do Direito aqui não está na possibilidade de
reparação, mas sim na necessidade de se efetivar as medidas acauteladoras,
nomeadamente as já dispostas em lei, para se evitar eventos e sinistros que
atinjam a saúde e a vida de quem trabalha.
Nessa
perspectiva, deveria ser considerada como meramente residual a tutela
jurisdicional reparatória de acidentes. A indenização por danos morais (puros
ou estéticos), próprios ou indiretos (em ricochete), e a indenização por danos
materiais (emergentes ou na modalidade de lucros cessantes) são instrumentos de
grande potencial reparatório e pedagógico, mas, no limite, não eliminam a dor,
tampouco asseguram a continuidade do trabalho.
Além
disso, é de se recordar que o sistema previdenciário federal também concorre,
em efeito colateral, para o custo social decorrente dos acidentes de trabalho.
Somente há pouco tempo, a União começou a buscar, na via da ação regressiva
previdenciária, o ressarcimento dos valores gastos com trabalhadores
acidentados, quando presente a culpa ou dolo do empregador.
Por isso,
deveríamos esperar serem mais comuns as ações judiciais que tenham como
propósito assegurar a higidez do meio ambiente de trabalho, até mesmo porque,
nessa hipótese, o Supremo Tribunal Federal já tem assentada jurisprudência em
favor da jurisdição trabalhista, como se vê da súmula 736: “compete à Justiça
do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de
normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.
Nada
obstante, conservo uma empírica observação de que essas tutelas prevencionistas
são ainda rarefeitas entre nós.
Quais as
razões desse diagnóstico?
Algumas
hipóteses podem ser cogitadas. A primeira delas, na linha que procurei assentar
em outro artigo publicado aqui na revista Consultor Jurídico (clique aqui para ler), diz respeito à baixa utilização, entre
nós, de ações coletivas, em especial aquelas que têm, como causa de pedir,
obrigações de fazer e não fazer, relacionadas com a implementação de programas
de prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Nossa
cultura jurídica é de atomização dos problemas, isto é, apresentá-los ao nível
do sujeito individual lesado, e não submeter ao Judiciário demandas
relacionadas com o sujeito coletivo do trabalho.
Em muitos
processos, observamos que os programas de prevenção e de redução de riscos
ambientes e laudos técnicos exigidos por lei — como o Programa de Prevenção de
Riscos Ambientais, Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional e Laudo
Técnico das Condições Ambientais de Trabalho — sequer foram providenciados pela
empresa, o que revela um ethos de agudo descompromisso com os
instrumentos de prevenção aos riscos do trabalho.
Mais do
que isso, essa omissão revela que nosso mundo do trabalho ainda não atribui ao
titular do trabalho vivo o valor que o catálogo de direitos fundamentais e os
avanços civilizatórios pretendem impregnar.
Não é
incomum assistirmos, em cena cotidiana, por exemplo, trabalhadores limpando
janelas de edifícios, inclusive de andares altos, sem qualquer proteção ou
equipamento de segurança. Mais do que isso, nosso olhar capta o completo
amadorismo dessa atividade, que deveria ser desempenhada apenas por
profissionais treinados, equipados com todos os instrumentos apropriados para
trabalho nessas condições.
Um olhar
prevencionista demanda, portanto, uma prévia valoração da vida de quem
trabalha, a partir do próprio sujeito que vive do seu trabalho, mas
principalmente daquele que dele se utilizada para gerar riqueza.
Eis ai
uma boa questão para nossa reflexão neste fim de ano.