Trabalhadores
são resgatados de fazenda de café, em Campo Alto (MG)
Imagem:
Auditoria Fiscal do Trabalho
Por
Leonardo Sakamoto
Colunista
do UOL
A
fiscalização das condições de trabalho em lavouras de café foi chamada de
"praga" pelo vice-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara na
Comissão de Agricultura e Pecuária. O deputado Evair de Melo (PP-ES) defendeu
rever o poder dos "maus fiscais" que, segundo ele, estão
"infernizando" a vida de produtores e trabalhadores. Importante
empregadora, a produção de café foi a atividade econômica com o maior número de
resgatados de condições análogas às de escravo no Brasil em 2021.
Dos
1.959 resgatados no ano passado, 310 estavam no cultivo do grão, 215 no de
alho, 173 na produção de carvão vegetal, 151 na preparação de terreno, 142 na
cana-de-açúcar e 106 na criação de bovinos para corte, de acordo com dados do
Ministério do Trabalho e Previdência.
"Hoje,
temos uma praga que são esses maus fiscais do Ministério do Trabalho que estão
incentivando o desemprego e o homem largar a agricultura", afirmou o
parlamentar no último dia 18. "São poucos, mas existem, os maus fiscais.
Estão a serviço do desemprego, defendem o caos. Tratam os produtores e
trabalhadores como bandidos. Isso está afastando as pessoas da área
rural."
De
acordo com ele, os trabalhadores tiram de R$ 4 mil a R$ 8 mil por mês na
colheita do café no seu estado vindos de Pernambuco, Maranhão, Alagoas,
Sergipe, Bahia e Minais Gerais. "Está insuportável a presença desses
poucos fiscais na colheita do café no Espírito Santo e em outras regiões do
Brasil."
Auditores
fiscais com os quais a coluna conversou afirmam, contudo, que hoje a quantidade
de fiscalizações trabalhistas anuais (somando todo tipo de inspeção) chega a
ser de 10% do que era há na primeira década do século. As razões vão da
adequação dos produtores rurais às normas e também pela redução no número de auditores
fiscais do trabalho, com a não reposição dos aposentados.
Melo
defendeu "rever o poder desses tais fiscais que todo o dia inventam uma
norma nova". Disse há uma "indústria da multa", em consonância
com as críticas que vêm sendo feitas pelo presidente da República, de quem é
próximo.
Essa
não é a visão do Ministério Público do Trabalho. A procuradora Lys Sobral, que
está à frente da coordenadoria da instituição voltada ao combate às formas
contemporâneas de escravidão, afirmou à coluna que ainda estamos distantes de
uma situação de conformidade de todos os produtores com a lei.
"Mesmo
com todo o rigor da fiscalização, ainda assim encontramos situações muito
precárias, inclusive casos de trabalho escravo, em que a realidade é a
super exploração. Por isso, a ação da Inspeção do Trabalho e do Ministério
Público do Trabalho na produção do café são imprescindíveis", afirma.
Fiscalização
no café no ES resgatou 65 trabalhadores com covid.
Empresas,
organizações e cooperativas têm investido em treinamento e certificações com o
objetivo de entregar um café com qualidade social e trabalhista. E sindicatos
de trabalhadores rurais, como os de Minas Gerais, têm acompanhado de perto,
tentando balizando processos. Ouvidos pela coluna afirmam que apesar disso, há
ainda muitos produtores que operam fora das regras. E, em alguns casos, de
forma criminosa.
Dos
71 resgatados da em uma fazenda de café, em Vila Valério, no Espírito Santo, em
maio de 2021, 65 estavam trabalhando com covid-19 quando foram encontrados
pelos auditores fiscais do trabalho e por policiais federais. E, mesmo com os
sintomas, continuavam no serviço, sem que fossem isolados ou recebessem
assistência por parte do empregador.
Do
total de vítimas em 2021, 31 tinham menos de 16 anos e 33 entre 16 e 18. De
acordo com o ministério, a atividade com maior número de crianças e
adolescentes resgatados foi a produção de café
Apesar
de grave, por violar a dignidade humana, o trabalho escravo perfaz a minoria
dos problemas trabalhistas na produção de café.
Falta
de carteira assinada (estimativas existentes apontam formalização de apenas 40%
no setor), pagamento abaixo do valor acordado, oferecimento de refeições com
baixo padrão, falta de equipamentos de proteção individuais, falta de banheiro,
descontos ilegais nos salários, desrespeito a normais de saúde e segurança são
algumas das infrações identificadas.
O
nosso país é o maior produtor e exportador mundial de café, de acordo com dados
do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). De cada cinco cafés
consumidos no mundo, três têm origem em fazendas brasileiras. Em 2019, o país
foi responsável por 34,7% da produção mundial do grão. Nesse ano, foram
produzidas 3 milhões de toneladas de café por aqui.
A
produção ocorreu em 1,8 milhões de hectares - 990,8 mil em Minas Gerais,
seguido pelo Espírito Santo, com 379,1 mil de hectares. Os dois estados são os
maiores produtores nacionais do grão. Do total produzido em 2019, 49,7% foi
colhido em Minas Gerais e 26,2% no Espírito Santo.
Trabalho
escravo no Brasil hoje
Desde
a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A
essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão
contemporânea, condições análogas às de escravo.
De
acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir
escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do
direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas,
muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a
dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva
(levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração,
também colocando em risco sua saúde e vida).
O
grupo especial móvel de fiscalização, que completa 27 anos neste mês de maio e
é a base no combate a esse crime no país, conta com a participação da Inspeção
do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, da Polícia Federal, da Polícia
Rodoviária Federal, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da
União.
Os
58 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão,
café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa,
na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios,
na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades,
como o trabalho doméstico.
Fonte
https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2022/05/21/deputado-chama-de-praga-fiscalizacao-no-cafe-campeao-de-escravidao-em-2021.htm