Ela é a maior produtora de minério de
ferro do mundo, está presente em cinco continentes e é a maior exportadora do
Brasil. Apesar do vigor internacional, a Vale economizou na faxina do banheiro
dos funcionários responsáveis pela retirada do minério de ferro em Minas
Gerais. O ar empesteado e as fezes espalhadas no chão foram apenas o primeiro
sinal, quando a equipe do Ministério do Trabalho e Emprego
começou a fiscalização, de que eram graves os problemas trabalhistas na
Mina do Pico. Ao final do primeiro dia de inspeção, o canteiro foi interditado
e a Vale responsabilizada por submeter 309 pessoas ao trabalho análogo ao de
escravo.
Além do ambiente “repugnante”, nas
palavras dos auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e
Emprego de Minas Gerais, os trabalhadores eram submetidos a jornadas
exaustivas, condições degradantes e foram vítimas de fraude, promessa enganosa
e ameaça. A inspeção, que teve início no dia 2 de fevereiro, autuou
a empresa por 32 infrações trabalhistas.
As vítimas eram motoristas que levavam
o minério de ferro pela estrada particular da Vale que liga duas minas em
Itabirito. Embora fossem empregados por uma empresa subcontratada, a Ouro
Verde, os auditores consideraram a terceirização como ilícita e
responsabilizaram a Vale.
Procurada pela
reportagem, a mineradora encaminhou nota apresentando a Ouro Verde como única
responsável pelas infrações: “A Vale informa que a empresa contratada, Ouro
Verde, teve seu canteiro de obras inspecionado pelo Ministério do Trabalho,
quando foram definidas adequações no
local necessárias e relacionadas à legislação de saúde e
segurança. A contratada foi formal e imediatamente notificada pela Vale a
providenciar essas adequações” (leia a nota na íntegra).
Mas os órgãos fiscalizadores têm uma
visão diferente: “A Vale sabia de tudo e deixou correr solto. Temos um
relatório em que eles detectam e registram mais de 30 inconformidades nessa
terceirizada”, diz o auditor fiscal Marcelo Campos, coordenador do Projeto de
Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo em Minas Gerais e responsável pela
ação.
“A Vale é a responsável por esses
motoristas, não há dúvida disso”, afirma a procuradora Adriana Augusta de Moura
Souza, que abriu um inquérito no Ministério Público do Trabalho para investigar
a caracterização de trabalho escravo. Ela lembra que, em 2013, uma sentença
judicial já proibia a Vale de terceirizar os motoristas internos. “A sentença é
clara, o juiz cita expressamente a questão do transporte como atividade que não
pode ser terceirizada”, diz a procuradora. Além desse, há diversos outros casos
em que a justiça vedou a terceirização.
A Vale contesta essa sentença e se
recusa em assumir a contratação dos trabalhadores. A multa acumulada pela
“desobediência” está em R$ 7 milhões – equivalente a menos de 1% do lucro da
empresa em 2014.
Apesar da dor de cabeça com a justiça,
essa ainda parece ser a solução que apresenta o melhor negócio para a empresa.
Segundo levantamento da procuradora do MPT, mais de 50% das atividades
realizadas dentro do complexo minerário da Vale são terceirizadas, da implosão
de rochas ao transporte. Quanto mais a empresa terceiriza, observa a
procuradora, piores são as condições ofertadas aos trabalhadores.
Jornada exaustiva,
sem água e sem banheiro