Por Sandro Eduardo Sardá, Fernando Mendonça Heck e Roberto Carlos Ruiz
19
de abril de 2021
Os
frigoríficos brasileiros seguem rigidamente o Regulamento Técnico da Inspeção
Tecnológica e Higiênico-Sanitária fazendo monitoramento diário e constante da
temperatura dos produtos e dos ambientes. No entanto, são extremamente raros
aqueles que avaliam as temperaturas corporais dos trabalhadores ou entrevistam
os empregados sobre a sensação de frio, sendo que as vestimentas atualmente
utilizadas em frigoríficos estão longe de promoverem o isolamento térmico
adequado para o desempenho das atividades laborais.
Sem
sombra de dúvida, caso aprovado o PL, ou mesmo qualquer proposta de revisão da
NR-36 com o intuito de reduzir direitos, teremos novamente o crescimento das
doenças ocupacionais e acidentes do trabalho. Nesse caso voltaremos a observar
“uma legião de lesionados”, terminologia empregada pela Justiça do Trabalho, de
primeiro grau, em 2007, ao julgar liminar na Ação Civil Pública de nº
01839-2007-055-12-00-2.
O
mesmo risco existe no tocante ao elevado aumento de ações trabalhistas sobre
doenças ocupacionais e pagamentos de adicionais de insalubridade.
Após
a aprovação da Súmula 438 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que trata do
artigo 253 da CLT, em 2012, e da NR 36 em 2013, marcos regulatórios que
configuram verdadeiro subsistema de defesa da saúde de trabalhadores em
frigoríficos, observou-se melhoria nas condições de trabalho e até mesmo a
redução de acidentes de trabalho e adoecimentos ocupacionais.
Muitas
empresas têm clareza que a NR 36 constitui um equilíbrio sensível que as
beneficia e assegura a saúde de seus empregados, não devendo ser alterada. Isso
porque, a NR 36 foi uma construção coletiva e fruto de amplo debate.
Infelizmente, outras empresas buscam a redução de gastos, em detrimento da
saúde das trabalhadoras e trabalhadores em frigoríficos.
A
NR 36, a par de seus avanços, não foi suficiente para assegurar a proteção
integral à saúde dos trabalhadores em frigoríficos, levando o Ministério
Público do Trabalho a firmar, com as maiores empresas do setor, Termos de
Ajustes de Conduta prevendo a redução do ritmo de trabalho em frigoríficos de
aves.
Há
pontos importantes na NR 36 que não foram acolhidos pelo setor empresarial
neste período de pandemia como, por exemplo, redução do tempo de exposição para
7h20min e distanciamento mínimo de 1,5 metros. Tais medidas seriam fundamentais
para evitar a transmissão da Covid-19 em frigoríficos, setor que apresentou
diversos surtos durante a pandemia.
A
história do trabalho em frigoríficos demonstrou nitidamente a limitada
capacidade de auto regulação do setor quanto à adoção de medidas de proteção à
saúde dos trabalhadores, tornando-se fundamental a existência de marcos
regulatórios adequados. O documentário Carne Osso, produzido em 2011 pela
Repórter Brasil, com apoio da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, trouxe um
relato fiel da situação das condições de trabalho. Diante do PL 2.363/11 e da
revisão da NR 36, o seguinte dilema se impõe: seria o Carne Osso um registro
histórico ou o cenário futuro das relações de trabalho nos frigoríficos
brasileiros?
Por
fim, ressaltamos que a supressão das pausas de recuperação térmica nos remete
ao ano de 2007, quando o setor apresentava uma elevadíssima prevalência de lesionados
em razão da precariedade das condições de trabalho. No referido ano, uma das
peculiaridades do setor, era de que importadores do Canadá exigiam nos
contratos comerciais mantidos com o Brasil temperaturas inferiores a 10 ºC nas
salas de cortes e, os frigoríficos ainda não tinham implementado as pausas do
artigo 253 da CLT. A precariedade das condições de trabalho, no longínquo ano,
consta da Ação Civil Pública de nº 01839-2007-055-12-00-2 ajuizada pelo
Ministério Público do Trabalho de onde extraímos os seguintes depoimentos de
trabalhadoras:
“eles
deveriam melhorar a temperatura, que está frio demais. Não é fácil para
aguentar na sala de corte…” (fls. 72). “…aqui é frigorífico, mas nós não somos
pinguins, pode botar três meias, mais o pé continua congelado e as mãos então
ficam dormentes que não sente os dedos” (fls. 279). “…está muito frio, está um
inferno…” (fls. 282). “Temos que reduzir o ritmo de trabalho, porque nós não
somos robôs, somos seres humanos.” (fls. 395). “…estou abaixo de remédio, já
estou dopada de tanto tomar remédio para a dor, me ajudem” (fls. 255). Estamos
sendo torturados dentro da empresa…” (fls. 285)
São
relatos tristes e que revelam sofrimento nas relações de trabalho. Entretanto,
ainda se faz necessário rememorar estas narrativas, em tempos, nos quais há
evidentes intenções de retirar direitos dos trabalhadores. Revisitar a história
para não repetir erros é um imperativo ético, político, cultural e
constitucional em defesa da vida e do trabalho decente!
Sandro
Eduardo Sardá é bacharel em Direito pela UFSC, procurador do Trabalho e
coordenador do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos
do Ministério Público do Trabalho.
Fernando
Mendonça Heck é professor de Geografia do Instituto Federal de São Paulo,
Campus Avançado Tupã (SP), pesquisador do Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho (Rede CEGeT de Pesquisadores) e coordenador do Centro de Estudos sobre
Técnica, Trabalho e Natureza.
Roberto Carlos Ruiz é médico do trabalho, mestre em saúde coletiva (UNICAMP) e doutorando em saúde pública (UFSC).
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