Polícia Militar do
Estado entrou em crise com polêmicas e reações de oficiais superiores.
Bope da Paraíba tem apenas um ano de vida, mas é originário de unidades
criadas em 1996.
A decisão da Polícia Militar da Paraíba de retirar
a caveira do emblema do Bope (Batalhão de Operações Especiais), em 22 de março,
provocou uma crise na corporação, polêmica e reações de oficiais superiores.
No fim de
março, nove entidades de direitos humanos protocolaram pedido de proibição do
uso do símbolo ao governador do Estado, Ricardo Coutinho (PSB-PB), à Secretaria
de Segurança Pública e ao comando da PM.
Os grupos
alegaram o descumprimento de resolução da Secretaria Nacional de Direitos
Humanos da Presidência da República, de dezembro de 2012, segundo a qual “é
vedado o uso, em fardamentos e veículos oficiais das polícias, de símbolos e
expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, assim como de frases e
jargões em músicas ou jingles de treinamento que façam apologia ao crime e à
violência”.
O movimento foi
impulsionado pelo deputado federal Luiz Couto (PT-PB), que se manifestou na
Câmara de Deputados contra o emblema. Diante da pressão política, o comando da
PM publicou a proibição no boletim interno. Policiais reclamaram não ter
havido discussão interna antes da decisão.
Comandante que
vestira farda preta assinou medida.
Oito dias antes
de assinar o boletim, o comandante-geral da PM, coronel Euller Chaves,
manifestara seu apoio ao Bope, ao trajar a farda preta ornada por uma caveira,
na comemoração do primeiro aniversário do batalhão. A bandeira da unidade, com
a caveira trespassada por um punhal sobre o mapa da Paraíba, foi hasteada, e
Euller gritou ao microfone: “Caveira!”
No dia 22,
entretanto, o Bope deixou de usar em seus uniformes e viaturas a
"caveira", símbolo de operações especiais pelo mundo. A página da
unidade no Facebook, porém, manteve o distintivo da caveira com o punhal como
imagem principal.
Protesto de
oficiais superiores e facebook.
A medida está
gerando protestos formais na PM-PB. Fundador e ex-comandante do Grupo Especial
Tático – embrião do Bope –, o tenente-coronel Onivan Elias de Oliveira,
coordenador de Planejamento do Estado-Maior da PM, escreveu um trabalho para
defender a manutenção do símbolo e o protocolou no Estado-Maior da PM.
Para ele, a
decisão “mexeu com os simbolismos, as tradições, os brios e a cultura da
Instituição pública mais antiga do Estado da Paraíba” e abalou a tropa. O
texto, com 78 páginas, é intitulado “O símbolo da Caveira e de Animal nas
Forças de Operações Especiais Militares e Policiais no Brasil e as
interpretações: uma (in)justiça para quem interpreta diante de contextos
imaginários ideológicos”.
Segundo a
unidade, o emblema do Bope abolido é um escudo cinza, contornado em preto,
representando o sigilo das operações especiais e a disposição de operar em
qualquer missão. "Ao centro, a caveira (crânio), símbolo da
Inteligência e da coragem de um guerreiro e do desprendimento pessoal para
o cumprimento da missão, cravada com a espada da justiça, simbolizando a
'vitória da vida sobre a morte'; ou seja, superando e vencendo a morte e o
mal na Paraíba, representado pelo mapa ao fundo; as garruchas simbolizam
as polícias militares."
"Atirei o
pau no gato"
Para contestar
a ideia de que a caveira levaria à agressividade, Onivan cita símbolos como a
espada do Ministério Público da Paraíba – que poderia ser interpretado como
ligada à violência –, a cruz da igreja cristã – suplício e tortura? – ou a
cobra, emblema da medicina. Diz ainda que cantigas de ninar, como “Atirei o pau
no gato” não desenvolvem nas crianças desejo de matar bichos.
Para o oficial,
a caveira “faz lembrar que a morte dele é uma companheira inseparável devido ao
alto nível de risco das missões a serem cumpridas”, diz. “Muito da motivação e
comprometimento com o serviço dos grupamentos sociais decorrem de seus
símbolos, ritos e místicas que são transmitidos de geração a geração”.
O
tenente-coronel da PM de Pernambuco Walter Benjamin, citado no trabalho, afirma
que “quando tropas policiais ou das forças armadas utilizam a caveira, não é a
idolatria à caveira e sim ao simbolismo causado nela”.
Imagem não
corresponde à realidade, diz oficial
O crânio é
símbolo dos comandos do Exército Brasileiro e dos comandos anfíbios, da Marinha
(cujo distintivo é uma caveira alada), assim como a onça representa os
especialistas em guerra na selva. Diz-se que o mito teria nascido quando um
comando francês (unidade de operações especiais cujo símbolo era uma adaga) durante
a 2ª Guerra Mundial cravou sua adaga em uma caveira que enfeitava a mesa de um
oficial nazista alemão. Esse gesto de “faca na caveira” – hoje um brado –
simbolizaria a vitória sobre a morte.
Segundo o
tenente-coronel Onivan, a imagem de violência não corresponde à realidade
paraibana porque, desde 1996, ano de criação do Grupo Especial Tático (GET),
nenhum integrante do Bope ou das unidades precursoras sofreu condenação
judicial por violência, arbitrariedade, abuso de poder ou tortura. Nas 16
rebeliões prisionais do Estado no ano de vida do Bope, todas foram controladas,
sem nenhuma morte, após a entrada da unidade - houve óbitos antes. “Provado com
isto, que não é um símbolo, uma canção, um jingle que irá estimular a prática
de tais atos”, afirmou.
Além disso, dos
331 integrantes do Bope, cerca de 150 têm comportamento “excepcional” (sem
punição em oito anos de serviço), e 85 “ótimo” (quatro anos sem punição) e
apenas seis foram punidos em um ano. “Não se encontra eco ou respaldo a
assertiva das entidades no campo do real, do concreto, do quantificável ou do
mensurável. Permanece assim, no campo da ilação, da ‘alucinação’, do imaginário
e da suposição ou ‘torcida negativa’ para que os pacificadores sociais do
BOPE/PMPB façam uso de tal prática.”
Segundo o
tenente-coronel, a resolução federal apenas recomenda práticas para as polícias
brasileiras, mas não tem caráter impositivo. Para ele, “a valoração do que
venha de ‘conteúdo intimidatório ou ameaçador’ ficará exclusivamente por conta
da mente que decodificará o símbolo ou expressão como sendo agressivo”.
O comandante do
Bope-PB , major Jerônimo Bisneto, também manifestou seu desagrado com a medida
em documento ao comandante-geral da PM.
“Para nós,
policiais militares, a caveira simboliza poder, força e invencibilidade. Um
poder que, segundo a sociologia, é a habilidade de impor a vontade da lei sobre
os outros. A força que representa a superação do treinamento e do rigor da vida
policial militar, além do Estado forte que representamos, (...) e, por fim a invencibilidade
de nossa caveira, simbolizando que a Polícia Militar deve ser invencível frente
à criminalidade em nosso Estado.”
Oficiais da PM
de 22 Estados manifestaram apoio ao símbolo na Paraíba.
Para conselho
de direitos humanos, símbolo é apologia à violência.
No texto que
pediu a abolição do símbolo, as entidades de direitos humanos afirmam que
símbolos como a caveira “fazem apologia ao crime e à violência, com a escusa de
que policiais militares se sentem mais estimulados para o trabalho.”
“Essa permissividade
contraria princípios constitucionais, tratados de direitos humanos e a
resolução ministerial acima mencionada, afrontando o Estado Democrático de
Direito. É sabido que a violência impregnada nesses símbolos e práticas
desumaniza os trabalhadores da Segurança Pública que acabam manifestando o ódio
e a raiva aprendidos no treinamento dispensado à população jovem, negra e mais
pobre do Estado, além de contrariar a política de segurança em voga pela
Secretaria de Segurança Pública do Estado da Paraíba e do governo do Estado da
Paraíba”, escreveram as entidades.
Bope do Rio
Em 2001, o
então deputado estadual do Rio Chico Alencar, hoje na Câmara dos Deputados,
também defendeu a extinção do uso da caveira para o Bope fluminense, em projeto
de lei. "O BOPE não é uma instituição autônoma, com símbolos próprios, nem
'tropa de elite' que atua de forma independente. (...) Caveira, além do mau
gosto, é incitação ao ódio contra o 'inimigo' acoitado entre a população pobre,
que tem que aturar despotismo de todo lado (...) Segurança Pública não é um
estado guerreiro e ameaçador, com a mesma linguagem do banditismo que diz
combater!", justificou. A tentativa de Alencar não prosperou, entretanto.
Em sua tese de
mestrado “Vitória sobre a Morte: A Glória Prometida”, o ex-capitão do Bope-RJ
Paulo Storani, explica o simbolismo do seu “polêmico emblema [criado em 1980]:
um disco preto, representando o luto permanente, ornado por uma borda em
vermelho, representando o sangue derramado em combate; no centro do disco se
inscreve um desenho de crânio humano, representando a morte, com um sabre de
combate o trespassando de cima para baixo, representando a vitória sobre a
morte em combate; o conjunto é ornado por duas garruchas douradas cruzadas, que
simbolizam, internacionalmente, a polícia militarizada”.
Onivan cita o
Bope do Rio para dizer que, mesmo com o símbolo da caveira, readaptou sua ação
e vem atuando em missões de pacificação de comunidades antes ocupadas pelo
tráfico.
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