quarta-feira, 8 de julho de 2020

Patrão pode pagar indenização ao empregado que contrair covid-19 no ambiente de trabalho



Começa uma discussão nos meios jurídicos a respeito da responsabilização do empregador brasileiro em caso de contaminação de seus empregados pelo coronavírus, por falta de medidas de segurança no ambiente de trabalho. O empregador pode ser provocado a pagar indenização nesses casos, no entender de operadores do direito.

O assunto foi provocado no último dia 1º deste mês (quarta-feira) pelo advogado Ivandick Cruzelles, professor do Mackenzie nas áreas do Direito do Trabalho e Previdenciário, em entrevista à CNN, em que afirmou: “Se a contaminação se deu por conta do trabalho, surge uma responsabilidade do empregador. Seria necessário ver se ele cumpriu com as medidas de saúde e segurança do trabalho para evitar isso”, explica. “Caso não [tenha cumprido], o trabalhador pode, em outro momento, pleitear uma indenização”, completa.

Artigo assinado pelos advogados Denise Arantes e Gustavo Ramos no site Conjur, em maio deste ano, enfatiza que medidas de proteção a serem adotadas nos locais de trabalho têm merecido atenção especial de diversos organismos internacionais além da OMS, com destaque para a Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Segundo a OIT, trabalhadores e suas famílias devem ser protegidos dos riscos à saúde ocasionados pela Covid-19 no local de trabalho. Para a OIT, é de se exigir uma postura responsável das empresas, cabendo aos empregadores monitorar constantemente as orientações fornecidas por autoridades no assunto, visando ao fornecimento de informações corretas aos trabalhadores e à adoção de medidas que evitem o contágio desses trabalhadores com o novo coronavírus”, enfatizam os autores do artigo.

Questão polêmica

O juiz do Trabalho André Machado, ex-presidente da Amatra 13 e gestor do Programa Trabalho Seguro na entidade, em artigo publicado na última quarta-feira, 2, no site Parlamento PB, reconhece que a questão é polêmica, menos pela divergência na interpretação do ordenamento jurídico vigente correlato, e mais pela dificuldade de configuração, em algumas situações, da responsabilidade do empregador pelo infortúnio ocorrido.

Ele lembra que a Constituição Federal Brasileira contém complexo arcabouço de direitos e garantias enunciadas em seu art. 7º, cujo inciso XXII assegura a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Ele ainda cita, no artigo, que a legislação trabalhista específica igualmente estatuiu regras voltadas à promoção da saúde e segurança do trabalho.

Omissão, negligência ou imprudência

Segundo ele, via de regra, o empregador somente responde por perdas e danos quando configurada a hipótese do art. 186 do Código Civil, ou seja, quando “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

“Logo, somente quando o empregador concorrer, direta ou indiretamente, para o adoecimento ou morte do trabalhador, é que ele responderá pelo pagamento de indenizações, as quais podem referir-se a danos morais, materiais, existenciais ou estéticos”, salienta.

Ele destaca, no entanto, que há situações que, pela natureza da atividade desempenhada, o risco é acentuado, sendo presumida a responsabilidade daquele que contrata, fiscaliza e subordina os serviços prestados pelos empregados. É o que ocorre, por exemplo, quanto aos profissionais de saúde que laboram em serviços especializados no tratamento da COVID19, dado o alto grau de exposição ao vírus, pelo que eventual contaminação do médico, enfermeiro, fisioterapeuta, ou outro que se ative nesse ambiente, será considerada decorrente da proximidade ao agente nocivo no desenvolver de sua rotina laboral.

Afora isso, há casos em que o empregador pode objetar que o cenário de uma pandemia não admitiria restringir a possibilidade de contágio ao local de trabalho, posto que as potenciais vítimas poderiam circular em outros ambientes nos quais o vírus estaria presente, podendo serem contaminadas, inclusive, no âmbito de suas residências nas quais conviveriam com outras pessoas, circunstância que afastaria a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro. “Em que pese não se possa excluir essa possibilidade, cumpre pontuar que, a teor do princípio da aptidão para a prova e da distribuição dinâmica do ônus da prova, de que trata o § 1º, do art. 373, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho (art. 769 da CLT), caberia ao empregador demonstrar, de forma contundente, que o infortúnio não teria decorrido das atividades laborais, o que poderia ser feito, exemplificativamente, sem maiores dificuldades, pela efetiva comprovação de entrega dos necessários equipamentos de proteção, bem como da adoção de práticas e medidas preventivas ao contágio”, explica o juiz André Machado.

Responsabilidade objetiva

A juíza Mirella Cahú tem um entendimento um pouco diferente. Ela chama a atenção a recente decisão do Supremo Tribunal Federal em 29/09/2020 pela suspensão, em caráter temporário, do artigo 29 da Medida Provisória 927/2020, que não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores por covid-19, e o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho apenas a atividades de orientação, sem autuações (Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade – ADIs 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 3 6354). Segundo entendimento da Magistrada, a decisão é coerente com a política de proteção à saúde no ambiente de Trabalho.

“Entender que a contaminação pelo vírus não possa ser considerada acidente de trabalho, genericamente, como previa a Medida Provisória, exclui da proteção jurídica uma enorme quantidade de trabalhadores que executam os serviços na linha de frente para combate à pandemia, a exemplo dos profissionais de saúde e, além disso, de diversos profissionais ligados às atividades essenciais que tiveram autorização do governo para se manter em atividade durante a quarentena, como trabalhadores de farmácias, supermercados. Foi bastante cautelosa e acertada a decisão do STF, devendo ser mantida em caráter definitivo”.

Para a magistrada, já havia entendimento jurisprudencial no sentido de que os profissionais da linha de frente de combate às endemias, a exemplo dos agentes de saúde, caso contaminados, poderiam ter reconhecido o adoecimento como acidente de trabalho, sendo possível a responsabilização do empregador, se a atividade desenvolvida pelo empregador expõe o trabalhador a um risco de contágio superior ao risco dos demais cidadãos que não trabalham na atividade. “É a responsabilidade objetiva, decorrente do risco da atividade. Nesse tipo de responsabilidade não há necessidade de discutir culpa ou dolo do empregador. É uma responsabilidade assumida pelo tipo de atividade desempenhada pelo empreendimento e pela exposição ao risco à saúde.”

“Precisamos ter cautela, analisar o caso concreto, mas essa análise deve sempre buscar preservar a manutenção de um meio ambiente de trabalho saudável e seguro, como é garantido pela Constituição Federal.”

Com Assessoria/Gisa Veiga

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