Começa
uma discussão nos meios jurídicos a respeito da responsabilização do empregador
brasileiro em caso de contaminação de seus empregados pelo coronavírus, por
falta de medidas de segurança no ambiente de trabalho. O empregador pode ser
provocado a pagar indenização nesses casos, no entender de operadores do
direito.
O
assunto foi provocado no último dia 1º deste mês (quarta-feira) pelo advogado
Ivandick Cruzelles, professor do Mackenzie nas áreas do Direito do Trabalho e
Previdenciário, em entrevista à CNN, em que afirmou: “Se a contaminação se deu
por conta do trabalho, surge uma responsabilidade do empregador. Seria
necessário ver se ele cumpriu com as medidas de saúde e segurança do trabalho
para evitar isso”, explica. “Caso não [tenha cumprido], o trabalhador pode, em
outro momento, pleitear uma indenização”, completa.
Artigo
assinado pelos advogados Denise Arantes e Gustavo Ramos no site Conjur, em maio
deste ano, enfatiza que medidas de proteção a serem adotadas nos locais de
trabalho têm merecido atenção especial de diversos organismos internacionais
além da OMS, com destaque para a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Segundo a OIT, trabalhadores e suas famílias devem ser protegidos dos riscos à
saúde ocasionados pela Covid-19 no local de trabalho. Para a OIT, é de se
exigir uma postura responsável das empresas, cabendo aos empregadores monitorar
constantemente as orientações fornecidas por autoridades no assunto, visando ao
fornecimento de informações corretas aos trabalhadores e à adoção de medidas
que evitem o contágio desses trabalhadores com o novo coronavírus”, enfatizam
os autores do artigo.
Questão
polêmica
O
juiz do Trabalho André Machado, ex-presidente da Amatra 13 e gestor do Programa
Trabalho Seguro na entidade, em artigo publicado na última quarta-feira, 2, no
site Parlamento PB, reconhece que a questão é polêmica, menos pela divergência
na interpretação do ordenamento jurídico vigente correlato, e mais pela
dificuldade de configuração, em algumas situações, da responsabilidade do
empregador pelo infortúnio ocorrido.
Ele
lembra que a Constituição Federal Brasileira contém complexo arcabouço de
direitos e garantias enunciadas em seu art. 7º, cujo inciso XXII assegura a
“redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança”. Ele ainda cita, no artigo, que a legislação trabalhista
específica igualmente estatuiu regras voltadas à promoção da saúde e segurança
do trabalho.
Omissão,
negligência ou imprudência
Segundo
ele, via de regra, o empregador somente responde por perdas e danos quando
configurada a hipótese do art. 186 do Código Civil, ou seja, quando “por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
“Logo,
somente quando o empregador concorrer, direta ou indiretamente, para o
adoecimento ou morte do trabalhador, é que ele responderá pelo pagamento de
indenizações, as quais podem referir-se a danos morais, materiais, existenciais
ou estéticos”, salienta.
Ele
destaca, no entanto, que há situações que, pela natureza da atividade
desempenhada, o risco é acentuado, sendo presumida a responsabilidade daquele
que contrata, fiscaliza e subordina os serviços prestados pelos empregados. É o
que ocorre, por exemplo, quanto aos profissionais de saúde que laboram em
serviços especializados no tratamento da COVID19, dado o alto grau de exposição
ao vírus, pelo que eventual contaminação do médico, enfermeiro, fisioterapeuta,
ou outro que se ative nesse ambiente, será considerada decorrente da
proximidade ao agente nocivo no desenvolver de sua rotina laboral.
Afora
isso, há casos em que o empregador pode objetar que o cenário de uma pandemia
não admitiria restringir a possibilidade de contágio ao local de trabalho,
posto que as potenciais vítimas poderiam circular em outros ambientes nos quais
o vírus estaria presente, podendo serem contaminadas, inclusive, no âmbito de
suas residências nas quais conviveriam com outras pessoas, circunstância que
afastaria a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do
Código Civil Brasileiro. “Em que pese não se possa excluir essa possibilidade,
cumpre pontuar que, a teor do princípio da aptidão para a prova e da
distribuição dinâmica do ônus da prova, de que trata o § 1º, do art. 373, do
CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho (art. 769 da CLT),
caberia ao empregador demonstrar, de forma contundente, que o infortúnio não
teria decorrido das atividades laborais, o que poderia ser feito,
exemplificativamente, sem maiores dificuldades, pela efetiva comprovação de
entrega dos necessários equipamentos de proteção, bem como da adoção de
práticas e medidas preventivas ao contágio”, explica o juiz André Machado.
Responsabilidade
objetiva
A
juíza Mirella Cahú tem um entendimento um pouco diferente. Ela chama a atenção
a recente decisão do Supremo Tribunal Federal em 29/09/2020 pela suspensão, em
caráter temporário, do artigo 29 da Medida Provisória 927/2020, que não
considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores por
covid-19, e o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do
trabalho apenas a atividades de orientação, sem autuações (Ações Declaratórias
de Inconstitucionalidade – ADIs 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 3 6354).
Segundo entendimento da Magistrada, a decisão é coerente com a política de
proteção à saúde no ambiente de Trabalho.
“Entender
que a contaminação pelo vírus não possa ser considerada acidente de trabalho,
genericamente, como previa a Medida Provisória, exclui da proteção jurídica uma
enorme quantidade de trabalhadores que executam os serviços na linha de frente
para combate à pandemia, a exemplo dos profissionais de saúde e, além disso, de
diversos profissionais ligados às atividades essenciais que tiveram autorização
do governo para se manter em atividade durante a quarentena, como trabalhadores
de farmácias, supermercados. Foi bastante cautelosa e acertada a decisão do
STF, devendo ser mantida em caráter definitivo”.
Para
a magistrada, já havia entendimento jurisprudencial no sentido de que os
profissionais da linha de frente de combate às endemias, a exemplo dos agentes
de saúde, caso contaminados, poderiam ter reconhecido o adoecimento como
acidente de trabalho, sendo possível a responsabilização do empregador, se a
atividade desenvolvida pelo empregador expõe o trabalhador a um risco de
contágio superior ao risco dos demais cidadãos que não trabalham na atividade.
“É a responsabilidade objetiva, decorrente do risco da atividade. Nesse tipo de
responsabilidade não há necessidade de discutir culpa ou dolo do empregador. É
uma responsabilidade assumida pelo tipo de atividade desempenhada pelo
empreendimento e pela exposição ao risco à saúde.”
“Precisamos
ter cautela, analisar o caso concreto, mas essa análise deve sempre buscar
preservar a manutenção de um meio ambiente de trabalho saudável e seguro, como
é garantido pela Constituição Federal.”
Com
Assessoria/Gisa Veiga
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