Em webinário sobre o tema, juíza Noemia Porto defende direito fundamental ao meio ambiente de trabalho seguro.
A
presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(Anamatra), Noemia Porto, participou, nessa quarta (22/7), do Webinário “Trabalho em Frigoríficos no Contexto da
Pandemia”. O evento foi realizado pela Associação Nacional dos Procuradores
do Trabalho (ANPT), em parceria com o Instituto de Pesquisas e Estudos
Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (Ipeatra).
Em
sua intervenção, a presidente afirmou que a dimensão constitucional democrática
de direito não pode ignorar a situação dos trabalhadores e das trabalhadoras em
frigoríficos. Segundo Noemia Porto, a ocorrência de acidentes de trabalho, tão
comuns nessa atividade, representa substancial desafio à realização de direitos
fundamentais. “Ao lado do que já conhecíamos como acidentes do trabalho, temos
em curso uma pandemia que atingiu e contaminou os trabalhadores que seriam os
responsáveis pela atividade essencial de produção alimentar. Sem dúvida, uma
atividade essencial, mas que tem sido desenvolvida ao custo da saúde e das
vidas de muitas pessoas”, apontou
Noemia
Porto, recordou que, em termos jurídicos, a Constituição Brasileira de 1988
assegura aos trabalhadores urbanos e rurais o direito à redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; bem
como seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização por este último devida em caso de dolo ou culpa. “Em termos
constitucionais, o meio ambiente, enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida,
foi alçado ao patamar de direito fundamental. São essas as normas que o sistema
de justiça deve se compromissar em cumprir”.
A
presidente citou o documentário “Carne e Osso”, produzido pela ONG Repórter
Brasil em 2011 (confira ao final), que tentava visibilizar a descrição dos
trabalhadores sobre a quantidade definida para a produção que era e é medida
por segundos, por minutos, por hora, por jornada. “Os trabalhadores revelavam
no documentário ter efetiva consciência de quanto deveriam produzir em cada uma
dessas frações horárias para corresponder à meta estabelecida pelo empregador.
O cenário denunciava a instrumentalização das pessoas e não de respeito a elas
como sujeitos de direitos”.
Segundo
Noemia Porto, temas como os limites da jornada de trabalho, o desgaste do corpo
do trabalhador e da trabalhadora imposto por ritmos extenuantes de labor e,
ainda, o assédio moral, e agora a contaminação pelo novo coronavírus são
constantes, e infelizmente persistentes, na realidade concreta do trabalho em
frigoríficos. “A fiscalização do trabalho no Brasil há tempos alerta que a
lógica que se adotou foi eminentemente matemática e levando-se em conta o ponto
de vista da produção, sem nenhum questionamento ou preocupação com o custo
(humano) que resultaria de se manter tal sistema. O trabalho em frigoríficos
era e é sinônimo de matemática da produção”.
A
presidente da Anamatra também apontou outro problema que, em sua avaliação,
transcende o problema dos frigoríficos que é o volume de transtornos e
sofrimentos mentais decorrentes do trabalho, cuja incidência tem aumentado
bastante, em face da competitividade intensa e da produtividade acelerada. “Em
tempos de teletrabalho, nas categorias nas quais isso é possível, há uma ideia
de sobrecarga, desgaste mental, ansiedade, cansaço generalizado. A despeito
disso, as empresas empreendem, até hoje, processo de negação, isto é, a
depressão não é culpa do trabalho, mas, sim, tem causas em circunstâncias
particulares e pessoais de cada trabalhador”, alertou.
Conta
não fecha – Na opinião da presidente, a indústria frigorífica brasileira, que
conquistou o mercado internacional, é vista como orgulho para o país, gera
diversos empregos formais e possui cadeia produtiva muito longa, além de
propiciar arrecadação para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Mas,
para a fiscalização do trabalho, os trabalhadores, os sindicatos, o Ministério
Público do Trabalho e o Poder Judiciário Trabalhista, aparece uma faceta
diferente, a de um setor econômico que deixa um rastro de trabalhadores
doentes. “Há até hoje uma conta que não fecha: as empresas produzem mais
doentes do que a cobertura propiciada pela arrecadação de valores pagos a
título de seguro social”.
O
agravante dessa situação, segundo Noemia Porto, é o descaso do setor econômico
e de infortúnios que atingem a vida dos trabalhadores, não apenas no âmbito
profissional, mas também familiar e social, o que revela um problema do
conjunto da sociedade e não apenas de um setor. “O sistema econômico privado se
sustenta a partir da estrutura pública colocada à disposição da
livre-iniciativa. São ilusórias, portanto, a crença e a defesa de uma ausência
estatal. Aliás, ocorrente a omissão da regulação jurídica (do sistema de
proteção social), ou sua insuficiência, isso permite o aprofundamento das
desigualdades geradas sistematicamente pelo capitalismo”, alertou.
Ao
final de sua exposição a presidente a ressaltou o papel do direito, no regime
democrático, de indicar atuações econômicas dentro de certas balizas
constitucionais, centradas na liberdade e na igualdade. Segundo a magistrada,
trata-se da própria normatividade da Constituição. “O direito não constrói, por
si, segurança e bem-estar no trabalho. Todavia, sua autonomia e a normatividade
da Constituição exigem compromisso vertical (dos poderes constituídos) e
horizontal (envolvendo todas as relações entre particulares) com os direitos
fundamentais. A questão do trabalho em frigoríficos é uma questão de
compromisso por não se permitir a banalização do sofrimento’”.
Participantes
- Também participaram do webinário, conduzido pelo presidente da ANPT, José
Antonio Vieira de Freitas Filho, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho e
membro do Ipeatra Delaíde Arantes, a presidente do Ipeatra e procuradora
regional do Trabalho, Margaret Carvalho, a diretora Jurídica do Ipeatra e
desembargadora do Tribunal Regional da 4ª Região (TRT 4/RS), Brígida Barcelos,
o médico do Trabalho e Analista Pericial do MPT, Elver Moronte, e os
integrantes do Projeto Nacional Frigoríficos da Procuradoria-Geral do Trabalho
e procuradores do Trabalho em Passo Fundo (RS) e Guarapuava (PR),
respectivamente, Lincoln Roberto Cordeiro e Priscila Dibi Schvarcz.
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