Um choque na cultura do
improviso - relato de ação interinstitucional e estruturante no combate aos
acidentes elétricos em obras de João Pessoa.
José Hélio Lopes Batista - FUNDACENTRO-PE -
hlopes@fundacentro-pe.gov.br
Carlos Alberto Castor de Pontes - SRTE-PB -
carlos@aol.jp
Soraia di Cavalcanti Pinheiro - SRTE-PB -
soraiadicavalcanti@gmail.com
Justificativa
Os acidentes do trabalho simbolizam uma das formas de
violência enraizadas na sociedade e constituem um dos maiores agravos à saúde
dos trabalhadores no Brasil. Particularmente na indústria da construção, o fenômeno assume uma dimensão
preocupante, exigindo a adoção de políticas públicas voltadas à promoção de ambientes
de trabalho seguros e saudáveis.
Especificamente na região metropolitana de João Pessoa,
capital da Paraíba, foi registrada em canteiros de obra, nos anos de 2003 e
2004, uma elevada incidência de óbitos por choque elétrico, representando quase
60% das causas dos acidentes fatais no setor construtivo durante o período
considerado.
Frente à necessidade imperiosa de modificar esse cenário, foi
concebido o Programa de Redução de Acidentes Elétricos (PRAE) no âmbito do
Comitê Permanente Regional sobre Condições e Meio Ambiente do Trabalho na
Indústria da Construção da Paraíba (CPR-PB).
Inspirado nas disposições da Norma Regulamentadora nº 18
(NR-18) do Ministério do Trabalho e Emprego, o referido Comitê foi fundado em
abril de 1996. É composto atualmente por
20 entidades representativas do poder público, dos trabalhadores, dos
empresários e da sociedade civil organizada. Sua missão, enquanto fórum
interinstitucional, é apontar caminhos na busca do trabalho decente e de uma
melhor qualidade de vida nos canteiros de obra.
Cumpre destacar, portanto, que a implementação de um programa
de combate aos acidentes elétricos consolidou na prática essa premissa do
Comitê, representando um choque na cultura da gambiarra prevalente na indústria
da construção.
Objetivo
Adotar uma ação estruturante no sentido de reverter a alta
incidência de mortes por acidentes elétricos na indústria da construção,
cenário este que caracterizava um sério problema de saúde pública, no biênio
2003/2004, na região metropolitana de João Pessoa.
Metodologia
A estratégia do PRAE atribuiu à concessionária de energia a
responsabilidade de vincular o atendimento às solicitações de ligação de
energia das obras à apresentação dos respectivos projetos das instalações
elétricas temporárias. Nesse sentido, deve-se salientar que a adoção dos
projetos constitui uma barreira efetiva ao improviso, posto que o mesmo é o
grande responsável pela ocorrência de choques elétricos nos canteiros de obra.
Assim, a metodologia adotada pelo PRAE remete à boa técnica prevencionista que
consiste em combater e eliminar o risco do acidente em sua origem.
A formalização do Programa se deu em reunião ordinária do
CPR-PB realizada em maio de 2006, através da assinatura de um Termo de
Compromisso de Cooperação entre os gestores das seguintes entidades: Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego na Paraíba (SRTE-PB), Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia da Paraíba (CREA-PB), Energisa Paraíba, Ministério
Público do Trabalho da 13ª Região,
Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa (SINDUSCON) e
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de
João Pessoa (SINTRICOM).
Para que o PRAE pudesse ser otimizado, deve-se anotar que se
mostrou necessário que os auditores fiscais do trabalho adotassem como procedimento
embargar toda obra que não tivesse o projeto das instalações elétricas
temporárias. Isso porque não se poderia demandar da concessionária de
energia, que não tinha essa obrigação
legal, que exigisse o projeto como requisito para ligação de energia da obra,
se a auditoria fiscal, a quem caberia exigi-lo como condição para o
desenvolvimento seguro da atividade, não o fizesse. Nesse contexto, vale
lembrar que o item 10.3.7 da Norma Regulamentadora nº 10 (NR-10) do MTE estabelece que “O projeto das
instalações elétricas deve ficar à disposição dos trabalhadores autorizados,
das autoridades competentes e de outras pessoas autorizadas pela empresa e deve
ser mantido atualizado”.
Dessa forma, o PRAE foi impulsionado graças ao exercício da
metodologia do embargo fundamentada na constatação da ausência de projeto como
situação de grave e iminente risco.
Resultados
Como indicadores do impacto da ação mais relevantes no
universo do Programa, podem ser citados:
1) Redução, em
seis dos oito anos compreendidos no período entre 2005 e 2012, de 58,5% -
índice verificado antes de sua implementação e parâmetro de partida da prática
relatada - a 0% na participação do choque elétrico como causa das mortes na
construção na região metropolitana de João Pessoa; conforme descrito no gráfico anexo;
2) Elaboração do
projeto das instalações elétricas temporárias em 100% das obras com solicitação
de ligação de energia atendida pela concessionária, elevando um índice que,
antes, era de 0%;
3) Implementação
do referido projeto em 100% das obras fiscalizadas segundo a metodologia de
auditoria fiscal do trabalho estratégica.
Além desses resultados, cumpre também destacar outros
desdobramentos importantes do PRAE:
1) Inserção do
Programa como cláusula da convenção coletiva de trabalho da construção civil, a
partir de discussões travadas no âmbito do CPR-PB;
2) Promulgação
pela Prefeitura de Patos, terceira maior cidade da Paraíba, do Decreto nº
046/2011, de 16/06/2011,
através do qual o município passou a condicionar a emissão do alvará de
construção à apresentação dos projetos das proteções coletivas e instalações
elétricas temporárias da obra. Tais projetos se tornaram exigíveis para obras
públicas municipais de qualquer porte ou natureza, bem como para empreendimentos
privados com mais de 4 pavimentos ou área construída acima de 500m²;
3) Incorporação
das diretrizes do Programa nas normas de distribuição unificada (NDU-001 e
NDU-002) das concessionárias Energisa Paraíba e Energisa Borborema. Com isso, a
exigência do projeto elétrico como requisito para ligação da energia da obra
foi estendida, a partir de julho de 2012, para todo o estado da Paraíba. Até
então, a regra só valia para a região metropolitana de João Pessoa. As
referidas normas estabelecem como condição para ligação da energia da obra - ou
de reforma da edificação - que a empresa anexe ao projeto elétrico os seguintes
documentos: a) detalhamento do aterramento dos quadros elétricos; b)
localização dos quadros elétricos em planta baixa; c) diagrama unifilar dos
quadros de cargas; d) anotação de responsabilidade técnica (ART) do
profissional responsável.
4) Promulgação
pela Câmara dos Vereadores de João Pessoa da Lei nº 1.798, de 07/01/2013, a
partir de projeto de lei subscrito pela vereadora Sandra Marrocos. Inspirada no
decreto do município de Patos, a citada lei também condiciona a liberação do alvará de construção pela
prefeitura à existência dos projetos das proteções coletivas e instalações
elétricas temporárias, em todas as obras públicas municipais e em
empreendimentos privados com mais de 4 pavimentos ou área construída acima de 500m².
Conclusões
Os indicadores de redução acidentária, a adoção de um
instrumento de gestão da prevenção e o ineditismo dos resultados alcançados,
são suficientes para atestar o caráter transformador da iniciativa
relatada. Tais fatos, desse modo,
autorizam identificar o PRAE como um programa estruturante, pioneiro e como a
ação preventiva de maior impacto na história da indústria da construção já
concebida por uma instância interinstitucional, aqui representada pelo CPR-PB.
Ao focar na necessidade de que as empresas devem incorporar a
gestão em Segurança e Saúde no Trabalho como instrumento para prevenção dos
acidentes, o Programa fomenta um processo de migração de uma postura histórica
calcada no improviso para a cultura do projeto, introduzindo um novo paradigma
para o setor construtivo.
Por fim, esta ação do CPR-PB apresenta um grande potencial
para reprodução em nível nacional, sendo esta, inclusive, uma de suas
principais contribuições à cena prevencionista na indústria da construção.
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