Uma megaoperação do
Ministério do Trabalho e Emprego, que durou dois anos e atuou em sete estados,
responsabilizou Oi, Vivo, Santander, Itaú, NET, Citibank e Bradesco por abusos
trabalhistas contra mais de 185 mil pessoas que prestam serviço de
teleatendimento. Ao todo, foram 932 autos de infração lavrados, R$ 318,6
milhões em multas, R$ 119,7 milhões de dívidas com o FGTS e quase R$ 1,5 bilhão
em débitos salariais. A matéria é de Igor Ojeda, da Repórter Brasil.
Fileiras de postos de
atendimento em unidade da Contax no Recife (PE). Fotos: Igor Ojeda.
O ponto em comum entre as
sete gigantes acusadas de superexploração leva o nome de Contax, empresa de
teleatendimento que se autointitula a líder no setor no país, estando presente
em 12 municípios brasileiros. Todos os abusos trabalhistas apurados pelo
Ministério do Trabalho e Emprego foram identificados em sedes da companhia.
Formalmente, a Contax é contratada pelas teles e bancos para prestar serviços
de teleatendimento. A megaoperação de fiscalização trabalhista apontou, no
entanto, que na prática ela funciona simplesmente como intermediadora de mão de
obra.
Foi solicitado o
posicionamento das sete empresas responsabilizadas e da Contax. A
SindiTelebrasil, representando a Oi e a Vivo, afirma: “O setor de
telecomunicações adota entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a
atividade de telesserviços é uma atividade especializada e, em relação a
demandas administrativas e judiciais, as empresas estudam eventuais medidas
cabíveis.”
O Santander alega que “atua
em conformidade com a legislação”. O Bradesco afirma que “cumpre rigorosamente
as normas trabalhistas vigentes”. O Itaú defende que suas terceirizações são
legítimas e respeitam os parâmetros legais do Tribunal Superior do Trabalho:
“Também reforça que exige de seus fornecedores o estrito cumprimento da
legislação trabalhista, e que não tolera práticas inadequadas, as quais são
passíveis de punição nos termos do contrato”.
A NET diz que obedece a
legislação vigente: “A terceirização é lícita, respeitando a Lei Geral de
Telecomunicações. A empresa informa que acompanhará os autos de infração e
apresentará as defesas pertinentes”. Já o Citibank afirma que “atua em total
conformidade com a legislação vigente e irá apresentar defesa em relação à
autuação administrativa”. A Contax não havia retornado até o fechamento desta
reportagem.
“Miss Mijona''- A equipe de fiscalização do Ministério do
Trabalho e Emprego definiu a principal violação sofrida pelos operadores de
teleatendimento como assédio moral estrutural pelo método de organização e
administração por estresse. Ou seja, o assédio praticado não é caso isolado ou
individualizado, mas produto de um método de trabalho baseado na exigência de
cumprimento de metas inalcançáveis. “A Norma Regulamentadora [NR] 17, anexo II
[do MTE], proíbe o estímulo exacerbado da produção. O supervisor pressiona para
bater metas, vender mais, não deixa fazer pausas, controla e limita o tempo
para ir ao banheiro em cinco minutos, por exemplo”, explica Cristina Serrano.
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Lista de “comportamentos''
passíveis de punição
Segundo apurou a
fiscalização, os trabalhadores são obrigados a cumprir a chamada “jornada
britânica”, quando se deve entrar, sair e realizar as pausas pontualmente
sempre nos mesmos horários. Juridicamente, os controles de ponto que apresentam
dados invariáveis durante um período de tempo são considerados fraudados, já
que se avalia ser impossível que o empregado cumpra exatamente os mesmos
horários todos os dias. No entanto, caso os operadores de teleatendimento das
sete empresas denunciadas não sigam plenamente a jornada estabelecida, eles
veem descontada o que é conhecida como remuneração variável.
Os trabalhadores
intermediados pela Contax devem cumprir fielmente nada menos que oito marcações
de horário: entrada e saída, início e fim do período de refeição, de 20
minutos, e início e fim das duas pausas programadas do dia, de dez minutos
cada. Aquele que deseja receber sua remuneração variável deve cumprir quase
integralmente a “aderência à escala”. Cada empresa estabelece sua própria meta
de aderência necessária para que o funcionário receba a remuneração, podendo
variar de 89% a 95%. No entanto, o percentual de pessoas que atingem tais metas
é baixo.
“A aderência é 100% se o
operador logar e deslogar exatamente nos horários programados. São oito
marcações programadas por dia e não pode ter variação de nem um minuto para
mais ou para menos. Como máquina! Consideramos essa meta de aderência a mais
perversa e desumana, e implica em prejuízo na remuneração, na avaliação, no uso
do banheiro. Essa prática é vedada expressamente pelo anexo II da NR 17”, diz
Cristina.
Muitos trabalhadores
declararam aos auditores fiscais que, para não terem vontade de ir ao banheiro
fora dos períodos programados, evitam beber muita água.
Caso sinta necessidade,
fazem de tudo para segurar. Tais práticas acarretam problemas de saúde como
infecção urinária, incontinência, cistite e problemas nas cordas vocais, já que
a atividade exige uso contínuo da fala, e em ambiente climatizado. Se o
funcionário vai ao banheiro mesmo assim, a pausa é considerada pessoal e ele
perde a “aderência”. E caso demore mais de cinco minutos para voltar, corre o
risco até de levar uma suspensão.
As que mais sofrem com as
regras de idas ao banheiro são as grávidas e as que têm cistite, infecção da
bexiga bastante comum entre as mulheres e que torna constante a vontade de
urinar. Uma delas, de tanto usar pausas pessoais por conta de sua cistite,
começou a ser chamada, na frente de todos, de “Miss Mijona”. A partir de então
ela começou a ir trabalhar usando fraldas geriátricas.
Big Brother – O
monitoramento do trabalho dos atendentes é ostensivo e serve como instrumento
de assédio. Os supervisores, coordenadores e gerentes têm uma tela onde podem
controlar as pausas de todos os operadores. Um relógio marca o Tempo Médio de
Atendimento (TMA), ou seja, quanto tempo cada operador gastou com o cliente. O
ideal é que a ligação dure o menos possível. Caso a chamada caia por um
problema técnico ou o cliente retorne para tirar dúvidas adicionais, o
atendente é que é cobrado por isso. Além disso, as gravações são analisadas
para verificar se o operador seguiu corretamente o “script” – roteiro que deve
seguir para cada casa – ou se manteve o “sorriso na voz” durante o atendimento.
No entanto, “o monitoramento
não é aleatório”, esclarece a auditora da SRTE/PE. “A Anatel [Agência Nacional
de Telecomunicações] exige que as ligações sejam gravadas para proteger o
direito do consumidor. Mas a empresa usa para outra finalidade: para perseguir
e pressionar principalmente aqueles trabalhadores com baixa produtividade de
vendas.” Segundo ela, um ranking mensal de vendas avalia o desempenho de cada
equipe de 15 a 20 operadores. A lista é dividida em quatro. O funcionário que
permanece no último quartil por dois meses vai para a “linha de corte”, grupo
dos trabalhadores sujeitos a serem demitidos.
“Isso significa que aumenta
a pressão, o monitoramento, o assédio, com punições abusivas previstas na
‘Escala Pedagógica’, como excesso de pausas pessoais, e até suspensões por
motivos banais, como por usar sandália de dedo ou camisa de time de futebol.
Então esses funcionários são chamados pelo supervisor e ‘orientados’ a pedir
demissão para evitar a demissão por justa causa”, diz Cristina.
De acordo com a auditora, é
uma possibilidade temida por todos, pois muitos estão no primeiro emprego e
acreditam que irão “sujar” suas carteiras de trabalho. “A rotatividade é enorme
e a maioria sai por pedido de demissão ou demissão por justa causa, formas de
extinção do contrato a baixo custo.” Segundo apurou a fiscalização, uma média
de 75% dos trabalhadores que saem o fazem por pedido de demissão. “Sem justa
causa são pouquíssimos os que saem; em geral saem adoecidos.”
Adoecimento massivo – Seja
por problemas ergonômicos ou decorrentes do uso contínuo da voz e de fones de
ouvido, seja por causa da enorme pressão e assédio moral que sofrem, os trabalhadores
das sete empresas denunciadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego apresentam
doenças que podem ser consideradas ocupacionais. “É uma quantidade enorme de
pessoas jovens adoecidas”, conta Cristina Serrano. Perda auditiva definitiva,
pressão alta, distúrbios osteomusculares, infecções urinária e
gastrointestinal, problemas de coluna, cefaleia, estresse, depressão, ansiedade
e síndrome do pânico.
A lista é grande, mas,
segundo a equipe de fiscalização, a Contax não reconhece os riscos da atividade
e não toma as medidas preventivas necessárias. Pior: não comunica o adoecimento
por meio da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), medida
obrigatória para os casos de lesões ocupacionais. “Ao contrário, demite os
adoecidos.” Além disso, segundo constatou a fiscalização, os trabalhadores com
pequenos problemas de saúde sequer são admitidos, mesmo que não haja qualquer
impedimento ao exercício da atividade.
Segundo cálculos da equipe
de auditores fiscais, o operador de teleatendimento que trabalha para as sete
empresas denunciadas por meio da Contax adoece a partir de 120 dias no emprego,
em média. O Ministério do Trabalho pediu os atestados médicos concedidos aos
trabalhadores da companhia de teleatendimento em todo o Brasil, mas apenas os
de Pernambuco foram fornecidos. “A média é de 6 mil atestados por mês só em
Pernambuco, para um total de 18 mil trabalhadores. Fora o que os trabalhadores
levam e a empresa não aceita. Se o atestado não for do plano de saúde
credenciado pela empresa, não é aceito”, explica Cristina.
De acordo com dados
compilados em uma das unidades da Contax no Recife – site Santo Amaro, com 15
mil funcionários – por Odete Reis, médica do trabalho que integra a equipe
nacional de fiscalização do MTE, de janeiro a maio de 2014 foram apresentados
8.687 atestados de afastamento do trabalho por doenças osteomusculares, uma
média de 1.737 por mês. Em todo o ano de 2013, foram 23.554 atestados, média de
1.962 mensais. Segundo Odete, dentre essas doenças, as mais comuns são sinovites,
tenossinovites e dorsalgias. Ela lembra que as duas primeiras, que no caso em
em questão acometem os dedos das mãos, inclusive já são reconhecidas pela
Previdência Social como causadas diretamente pela atividade de teleatendimento.
A medicina do trabalho para
os funcionários da Contax é feita por uma empresa contratada. Segundo Cristina
Serrano, o contrato de prestação de serviços prevê que se um trabalhador fizer
o exame admissional e em até um período de seis meses apresentar doença e obter
um atestado médico, essa empresa será descontada em sua fatura com a Contax. “É
como se fosse uma multa por encontrar um trabalhador doente. A Contax está
presumindo que a empresa errou no exame admissional.” Muitos operadores
disseram à equipe de fiscalização do MTE que muitas vezes o médico do trabalho
afirma não poder fornecer atestado.
Ao operador, resta continuar
a trabalhar mesmo doente e tentar cumprir as metas estabelecidas sem vacilar.
“De um lado da linha, o consumidor, insatisfeito com o serviço prestado e/ou
irritado com a insistência do operador para vender cartões, seguros, planos de
internet, TV, celular, grita, reclama e xinga o atendente. Do outro lado da
linha, o atendente tem que manter ‘sorriso na voz’, falar com entusiasmo,
seguir script de fala, obedecer a todos os procedimentos, sem demorar na
ligação, pois tem meta de Tempo Médio de Atendimento (TMA) e é vigiado
ostensivamente”, resume Cristina.
Shopping center de call
centers – De abril de 2013 a dezembro de 2014, na primeira ação desse porte no
país, uma equipe de 14 auditores fiscais do trabalho, que contou com a
colaboração de outros 36 auditores, investigou as condições de trabalho desses
profissionais na Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul e São Paulo (Leia mais informações aqui, na matéria ‘Para o MTE,
teles e bancos são responsáveis por precarização no telemarketing). Analisou
contratos, holerites, registros de pontos, entre outros documentos, e visitou
os locais de trabalho.
A Repórter Brasil acompanhou
a operação no Recife (PE), em maio do ano passado (Leia mais informações aqui,
na matéria ‘Pelo amor de deus, não vá ao banheiro’). Do total, 104 mil trabalhavam
para a Oi.
“Durante a ação descobrimos
que dentro da Contax funcionam as centrais de teleatendimento de várias
empresas, separadamente, como um shopping center de call centers”, explica
Cristina Serrano, uma das auditoras fiscais do trabalho à frente da operação.
Ou seja, na avaliação do MTE, os reais empregadores dos funcionários da Contax
são, na verdade, Oi, Vivo, NET, Itaú, Bradesco, Santander e Citibank.
“Entendemos que a Contax é uma intermediária da contratação e também da forma
de organização do trabalho intensamente assediadora. Por isso, decidimos
responsabilizar os reais empregadores, beneficiários do trabalho final”, diz
Cristina, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco
(SRTE/PE), braço do MTE no estado. A terceirização, portanto, foi considerada
ilícita.
As três teles e quatro
bancos são acusados por uma série de violações, como exercer forte assédio
moral, causar adoecimento massivo, manter funcionário sem registro, pagar um
salário menor do que o devido e até impedir ou dificultar a saída do posto de
trabalho para satisfação das necessidades fisiológicas. “Constatamos assédio
moral, adoecimento massivo, sofrimento psíquico. Muitos trabalhadores
sequelados física e/ou emocionalmente. Alguns vivem e trabalham a base de
remédios”, diz a auditora fiscal do trabalho. Segundo ela, a rotatividade é
alta. E a maioria dos funcionários é formada por mulheres entre 18 e 25 anos
que estão no primeiro emprego.
Texto atualizado às 16h50,
do dia 23/12/2014, para inclusão de posicionamentos de empresas.
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