Na reportagem, uma frase resume a situação contraditória: “O pequeno número de Auditores-Fiscais do Trabalho chama tanto a atenção quanto o significativo número de acidentes”
Publicada em: 09/09/2013
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Reportagem de capa da Revista Proteção (edição 9, de 2013) enfoca a agonia da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE na área de Segurança e Saúde. Sob o título “FISCALIZAÇÃO PERDE FORÇA”, a matéria traz entrevistas da presidente do Sinait, Rosângela Rassy, e dos Auditores-Fiscais do Trabalho Fernanda Giannasi, Viviane Forte, Danilo Fernandes Costa, Kleber Silva e Luiz Antônio Lumbreras Rocha. Além deles, foram ouvidos sindicalistas, representantes de empregadores, da Fundacentro, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério da Saúde.
As opiniões reforçam, sob diferentes visões, o que o Sinait vem repetindo à exaustão, há anos, e que, enfim, parece estar encontrando ecos na sociedade e mesmo dentro de setores do governo federal: a Auditoria-Fiscal do Trabalho está minguando e precisa, urgentemente, ser recuperada, fortalecida, recomposta.
O diagnóstico traçado na reportagem, de dez páginas, em nada difere do que a categoria vem denunciando: sucateamento geral e desmonte da área de SST em particular, redução drástica do número de Auditores-Fiscais do Trabalho e em movimento contrário ao mercado de trabalho e perda de quadro especializado sem a devida reposição, entre outros aspectos. O Sinait entende como positiva esta exposição, por provocar a reflexão – quiçá, a ação – e mostrar a situação fragilizada da pasta dentro da estrutura da Administração Pública. A sociedade deve responsabilizar os governantes por deixar que a situação chegasse ao ponto em que está.
O conteúdo, longe de depreciar os Auditores-Fiscais do Trabalho, mostra o esforço da categoria diante de dificuldades enormes e de toda ordem. Feio ficou para o governo, que fecha os olhos para um quadro gravíssimo, e para o próprio MTE, que se mostra inerte, incapaz de assumir o protagonismo que deveria ter no mundo do trabalho.
O Sinait não tem dúvidas de que um trabalho muito sério deve ser desenvolvido para recuperar a credibilidade do MTE e a capacidade da Auditoria-Fiscal do Trabalho. As diretrizes já estão dadas, várias delas apontadas na matéria da Revista Proteção, sendo a mais urgente, na opinião do Sindicato Nacional, a ocupação de todos os cargos vagos – mais de 800, com a realização de concurso público significativo. O atual, cuja primeira prova aconteceu neste fim de semana, é para apenas 100 vagas. Um esforço imenso para um resultado que praticamente não fará diferença numérica, já que, dia após dia, mais Auditores-Fiscais se aposentam. Em seguida, vem a alteração da lei para ampliar o número de cargos e o forte investimento para preenchê-los com qualidade.
O estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea – instituição respeitada e renomada –, que apontou a necessidade de mais 5.400 Auditores-Fiscais do Trabalho nos próximos quatro anos, deveria ser levado a sério pelo governo. Uma das variantes utilizadas no estudo foi o número de acidentes de trabalho, que matam mais de 2.800 trabalhadores por ano, mutilam quase 15 mil e afastam temporária ou definitivamente outros milhares, todos os anos. O governo parece não se importar com isso, optando por arcar com despesas astronômicas na concessão de benefícios temporários ou permanentes.
O investimento para mudar esse quadro é pequeno, diante dos benefícios. Reduzir acidentes de trabalho e as infrações trabalhistas; diminuir o custo com benefícios decorrentes de acidentes e doenças do trabalho; aumentar o número de trabalhadores com Carteira de Trabalho assinada, que geram arrecadação para o FGTS, para a Previdência Social e para a Receita Federal do Brasil; atingir a meta de erradicação do trabalho infantil; acabar com o trabalho escravo; tornar a fiscalização presente, eficaz e eficiente, são apenas alguns aspectos positivos do fortalecimento da Auditoria-Fiscal do Trabalho.
O Sinait relembra, aqui, o artigo “A gênese dos acidentes de trabalho”, assinado pela presidente Rosângela Rassy, e publicado em 5 de julho de 2012 no jornal Correio Braziliense, além da campanha institucional ainda em curso, que reclama mais Auditores-Fiscais do Trabalho para reduzir a tragédia nacional que são os acidentes de trabalho. São ações que buscam dar visibilidade às necessidades urgentes da Auditoria-Fiscal do Trabalho, somadas às dezenas de reuniões, audiências públicas, seminários, congressos, em que o Sindicato, convidado a participar, leva ao conhecimento da sociedade o descaso do Estado com os trabalhadores. A negligência não é somente para com os servidores, que ficam sobrecarregados e, em muitas situações, impossibilitados de realizar um bom trabalho; é, principalmente, para com os trabalhadores, vítimas primeiras dos acidentes e doenças. Esse ciclo vicioso precisa ser vencido.
O Sinait divulgará, ao máximo, esta reportagem. Fará chegar a parlamentares, autoridades, sindicalistas, acadêmicos e estudiosos, servidores públicos, à Organização Internacional do Trabalho e à Confederação Iberoamericana de Inspetores do Trabalho. O país precisa conhecer a raiz dos problemas apontados, cuja responsabilidade, muitas vezes, recai sobre os Auditores-Fiscais do Trabalho, injustamente.
Confira aqui a reportagem completa da edição de setembro da Revista Proteção:
REVISTA PROTEÇÃO
Resumo da reportagem
FISCALIZAÇÃO EM SST, UMA ATIVIDADE COLOCADA EM XEQUE
Data: 06/09/2013
Fonte: Revista Proteção
A fiscalização da saúde e segurança do trabalhador no Brasil passa por um choque de competências. A autonomia dos auditores fiscais do Trabalho diminui, enquanto outros órgãos passam a atuar com mais ênfase na inspeção dos ambientes de trabalho. Apesar das atribuições de cada órgão estarem estabelecidas legal e formalmente, em algumas situações há sobreposição, o que confunde os profissionais da área.
A alteração do regulamento da Inspeção do Trabalho, assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003 - que extinguiu a exigência da especialização em Saúde e Segurança do Trabalho para o cargo de auditor fiscal - continua sendo severamente contestada por auditores que atuam há mais de 30 anos no ramo e se tornaram verdadeiros especialistas em determinadas áreas.
Também causa inquietação, a gradativa redução do número destes profissionais, devido às aposentadorias e ausência de novos concursos, diminuindo ainda mais a qualidade das fiscalizações. Por outro lado, órgãos como MPT (Ministério Público do Trabalho) e Ministério da Saúde, através dos Cerests (Centros de Referência em Saúde do Trabalhador), na medida das suas condições, também estão realizando inspeções nas empresas e junto aos trabalhadores.
A falta de gestão sobre a saúde e segurança no Brasil, mesmo com a publicação do Plano Nacional em SST no ano passado, parece ser, na opinião de grande parte dos agentes sociais que atuam no setor, a principal causa da confusão gerada na fiscalização do trabalho. Para eles, há muitos anos o Governo não investe na SST e o Plano, apesar de ter sido elaborado em âmbito tripartite, não evolui.
Na opinião da auditora fiscal do Trabalho da SRTE/SP, Viviane Forte, "está havendo choque de competências". Rosangela Silva Rassy, presidente do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), corrobora: "Alguns órgãos municipais e estaduais reclamam para si a competência de fiscalizar os locais de trabalho e exigir o cumprimento da lei. Porém, isso é privativo dos auditores fiscais do Trabalho, garantido na Constituição Federal".
A opinião do diretor do DPSSO (Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional) da Secretaria de Políticas de Previdência Social, Marco Perez, resume, de certo modo, a posição de vários profissionais: "A fiscalização realizada pelos diversos organismos é eficaz, mas pouco eficiente, porque a saúde não melhora na mesma proporção do esforço do Estado". A revista Proteção fez um levantamento com diversas entidades para avaliar como está a fiscalização da SST no Brasil. Salienta-se que o Ministério do Trabalho e Emprego foi procurado, mas, por problemas de agenda dos responsáveis, não retornou aos questionamentos de nossa reportagem.
Os números informados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) são preocupantes quando se compara a quantidade de empresas e de trabalhadores ao que vem sendo efetivamente fiscalizado. O Instituto divulgou o censo empresarial no final do ano passado, indicando que, em 2010 havia 4,5 milhões de empresas ativas, que ocupavam 37,2 milhões de pessoas (dados mais recentes).
Já as ações fiscais realizadas em 2011 totalizaram 138 mil, sendo 17,5 milhões de trabalhadores fiscalizados e 1.957 acidentes analisados, conforme disponibilizado pelo Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, do MTE. Sobre a quantidade de auditores, o número de profissionais hoje é de 2,8 mil, enquanto os acidentes de trabalho referentes a 2011 ficaram em torno de 700 mil e as mortes em 2.800 mil, conforme dados do último Anuário Estatístico da Previdência Social.
Neste mapa, o pequeno número de auditores fiscais chama tanto a atenção quanto o significativo número de acidentes. "Absolutamente não há quantidade suficiente de auditores fiscais do Trabalho para atender ao mercado de trabalho brasileiro. A relação é inversa: enquanto o mercado cresce, a auditoria fiscal encolhe", lamenta a presidente do Sinait, Rosangela Rassy. Ela estima que um quadro composto por oito mil fiscais poderia suprir as deficiências que o Brasil tem hoje.
"O pior é que o Governo não reconhece a aplicação de uma política séria de recomposição do quadro, pois o concurso autorizado - cujo edital deve sair entre agosto e setembro - é para apenas 100 vagas. Não cobre sequer as vagas que já estão abertas em razão das aposentadorias, que neste ano foram mais de 100", diz. Outra preocupação é com o conflito de competências. Segundo ela, alguns órgãos municipais e estaduais reclamam para si a fiscalização de locais de trabalho e exigem o cumprimento da lei. "Porém, isto é privativo dos auditores fiscais do Trabalho, garantido no artigo 21 da Constituição Federal: Compete à União organizar, manter e executar a Inspeção do Trabalho", argumenta.
Arrecadador
A engenheira civil e de segurança e auditora fiscal do Trabalho da SRTE/SP, Fernanda Giannasi, é uma das profissionais especialistas que se aposenta neste ano, e que denuncia o descaso do Ministério do Trabalho e Emprego com a fiscalização adequada dos ambientes. "Não tenho mais como permanecer e atuar em uma instituição que está burocratizada, que virou um órgão arrecadador que estimula a política da multa e não a da prevenção", lamenta. Ela critica severamente a obrigação que os AFTs têm em checar documentação de ordem trabalhista, desviando do foco da SST.
"Viramos uma calculadora numérica, uma espécie de `marronzinho` da fiscalização. Perdemos tempo alimentando um sistema de relatórios que só geram papelada". Ela diz que as fiscalizações realizadas não têm impacto social e não provocam mudanças no ambiente laboral. Além disto, diz que as NRs (Normas Regulamentadoras) estão burocráticas e impraticáveis, exemplificando com as NR 12 e 35, que segundo ela engessam a ação fiscal com papeladas que só geram serviços para escritórios de assessorias.
"O MTE, devido a sua ineficiência, está deixando a fiscalização para outros órgãos, que estão ocupando este espaço, o que é legítimo, pois o trabalhador tem de ser protegido. Ela destaca a Vigilância Sanitária, que tem realizado importantes ações na inspeção dos ambientes de trabalho.
A auditora Viviane Forte faz coro com Fernanda, reforçando a preocupação com a redução do número de auditores fiscais. Ela cita que o Estado de São Paulo, enquanto tem um quadro de somente 492 AFTs, tem por outro lado mais de 1 milhão de estabelecimentos formais, conforme a Relação Anual de Informações Sociais - RAIS/MTE, para fiscalizar.
Para dar conta da demanda, ela diz que a estratégia tem sido a de realizar fiscalizações coletivas em determinados segmentos. Várias empresas são chamadas ao mesmo tempo na Superintendência para serem notificadas. A fiscalização in loco acontece apenas em 40% a 50% destas empresas.
"Também contamos com outros órgãos que têm interface com o Trabalho, como a Polícia Civil, órgãos ambientais e a Advocacia Geral da União, que age no empregador para ressarcir o INSS das despesas que teve com os acidentes. Um percentual importante do PIB (Produto Interno Bruto) é gasto com os acidentes de trabalho. Além da tragédia social e vidas perdidas, o custo financeiro é muito alto. A parceria com a AGU busca minimizá-lo e também conscientizar o empregador a manter o ambiente sanado", explica a auditora.
Sobreposição
Apesar de destacar a importância das parcerias, Viviane avalia que há sobreposição de atribuições. "No arcabouço legal, as atribuições estão definidas, porém, cada instituição faz sua própria interpretação. Para evitar o choque, Viviane diz que cabe às chefias dos órgãos ajustarem seus procedimentos. E ao empregador, caso considerar que o órgão extrapolou, deve procurar as medidas legais. "Infelizmente não há milagre. O empregador tem que conhecer como funciona cada organismo e adaptar-se a ele", pontua a auditora.
Danilo Fernandes Costa, médico do Trabalho e auditor fiscal do Trabalho, também avalia com muito ceticismo o futuro da fiscalização da saúde e segurança do trabalhador coordenada pelo MTE. Ele cita que o órgão sofre um esvaziamento crônico há anos e que a situação vem se agravando não por ações internas, mas porque o próprio Ministério vem perdendo seu sentido social. "Ao transformar as delegacias em superintendências, perdeu-se o eixo da fiscalização. Na prática, o MTE persegue e discrimina quem realiza a fiscalização", afirma. Assim como Fernanda Giannasi, Costa especializou-se em um segmento da SST.
Enquanto Fernanda atua fortemente na área do amianto, ele definiu suas atividades no segmento do benzeno e, com a aposentadoria de ambos, estas áreas especializadas deixarão de existir no âmbito da fiscalização. "Como ficará a continuidade do nosso trabalho? Onde os novos fiscais buscarão subsídios para atuar de modo correto?", questiona o auditor. Para ele, o modelo criado na década de 80 foi desmantelado. "A proposta dos atuais programas é uma falácia. Foi feita sob uma perspectiva qualitativa, mas é quantitativa. Não homogeneíza e não coletiviza a atuação dos grupos de inspeção", reflete.
Reportagem de Elizabeth Renz
Ilustração: Beto Soares - Estúdio Boom
Confira aqui a reportagem completa da edição de setembro da Revista Proteção:
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