segunda-feira, 18 de junho de 2012

Fundo de saúde indeniza americanos com casos de câncer após exposição aos escombros do 11 de Setembro




Anemona Hartocollis *
Nova York (EUA)


A decisão de um funcionário federal da saúde abriu caminho para que 50 tipos de câncer sejam adicionados à lista de doenças cobertas por um fundo de US$ 4,3 bilhões criado para indenizar e tratar as pessoas expostas a fumaça tóxica, poeira e gases depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

A decisão, divulgada na semana passada, foi uma vitória para as centenas e talvez milhares de pessoas que alegaram – normalmente diante da resistência dos funcionários públicos da saúde – que seus cânceres foram causados pela exposição à nuvem de poeira e ao entulho jogado depois do ataque.

Isso permitirá que os trabalhadores de resgate, além de voluntários, moradores, crianças e passantes requisitem o dinheiro para o pagamento de indenizações e tratamento para cânceres desenvolvidos depois do ataque. Os cânceres só serão acrescentados oficialmente à lista de doenças cobertas depois de um período de comentários públicos que durará vários meses.

A decisão do dr. John Howard, diretor do Instituto Nacional de Segurança Ocupacional e Saúde, foi tomada apesar da falta de provas que ligam o ataque ao câncer, causando um certo ceticismo entre os epidemiologistas. Ela também reduzirá a quantidade de dinheiro para as pessoas que sofrem de doenças ligadas ao ataque de forma mais conclusiva, como doenças de pulmão e outras doenças respiratórias.

E também representará uma série de desafios logísticos, uma vez que será difícil, senão impossível, separar as pessoas que desenvolveram câncer por causa do marco zero daquelas que tiveram a doença de qualquer forma, e porque muitos diagnósticos de câncer deverão ser feitos depois do prazo final para requerer cobertura em 2016.
A representante Carolyn Maloney, democrata de Nova York, principal defensora da lei de 2010 que criou o fundo, disse que reconhece as preocupações, mas que a decisão foi a correta.

"Acho que é uma declaração importante de que o país cuidará dos trabalhadores e das pessoas que estão lá para salvar as vidas das pessoas da cidade", disse ela.

Um paciente de câncer que exemplifica a natureza preocupante da decisão, Ernest K. Matthews, 62, disse que desenvolveu câncer de pulmão em 2008 e teve parte de seu pulmão direito retirado. Ele fazia parte de uma equipe que limpou os elevadores do prédio da Merrill Lynch próximo ao marco zero depois dos ataques terroristas. Ele também era fumante.

Mas ele conseguia subir seis lances de escadas carregando uma pesada caixa de ferramentas sem ficar sem fôlego antes do 11 de Setembro. Ele teve problemas respiratórios logo depois, disse.

"Hoje é um dia bom", disse Matthews. "Veja todas as pessoas que sofreram e perderam suas vidas, sacrificando-se pela limpeza. Levou muito tempo para eles decidirem ajudar as pessoas que estavam sofrendo."
A decisão de Howard representou uma mudança tão drástica das afirmações feitas pelo governo federal logo depois do ataque terrorista de que não havia nada com que se preocupar.

Em julho de 2011, o próprio Howard disse que não havia provas científicas e médicas suficientes para ligar os casos de câncer ao atentado terrorista.

Mas num extenso relatório explicando sua decisão, Howard disse que um estudo do Departamento de Bombeiros de Nova York publicado no outono passado no jornal britânico "The Lancet", que mostrou que os bombeiros expostos às substâncias tóxicas do marco zero tiveram uma taxa de câncer 20% maior do que os profissionais que não foram expostos a elas, forneceu uma base forte para concluir que alguns cânceres podem ter sido causados pela exposição aos escombros do World Trade Center.

Além da publicação do "Lancet", ele disse que se baseou nas recomendações feitas em março passado por um comitê de aconselhamento científico e técnico composto por especialistas em câncer, medicina ambiental, toxicologia e epidemiologia, bem como por ativistas e sindicalistas do bairro. Ele adotou totalmente as recomendações do comitê de que 14 amplas categorias de câncer, que compreendem 50 tipos específicos, devem ser relacionadas ao World Trade Center.

Entre os cânceres que Howard aprovou estão alguns dos mais comuns. Entre eles o de pulmão, seios, cólon, traqueia, esófago, rim, bexiga, pele, tireoide, sangue e ovários. Howard também aprovou cânceres infantis, que são relativamente raros, porque as crianças são mais suscetíveis a substâncias tóxicas.

Pessoas com esses tipos de câncer que viveram, trabalharam ou frequentaram escolas em Lower Manhattan – normalmente a área abaixo da Canal Street – entre 11 de setembro de 2001 e 30 de maio de 2002 agora podem requisitar indenização por suas perdas econômicas, dores e sofrimento. Até a decisão da última semana, as únicas doenças que podiam ser indenizadas eram as respiratórias e digestivas. Sobreviventes de pacientes que morreram também podem requisitar indenização.

O valor das indenizações dependerá da gravidade da doença e da duração da exposição, de acordo com registros como documentos de trabalho e moradia, ou pelo registro de funcionários da polícia, bombeiros e outros funcionários públicos.

As novas regras também se aplicariam aos doentes próximos do Pentágono e Shanksville, e também permite que os pacientes de câncer usem o fundo de tratamento para pagar os custos médicos não cobertos pelo plano de saúde.
O prefeito Michael Bloomberg, que várias vezes acatou decisões científicas sobre os danos à saúde no marco zero, disse que seu governo esteve entre os que pediram revisões periódicas das provas médicas sobre o câncer e chamou a decisão de "um passo importante" para as pessoas prejudicadas pelos ataques.

O relatório do comitê disse que 70 potenciais carcinogênicos foram encontrados na fumaça, poeira e gases do desastre, sendo que 15 desses eram conhecidos por causar câncer em seres humanos, 37 provavelmente poderiam causar câncer e outros eram carcinogênicos prováveis e possíveis.

O comitê havia considerado, mas rejeitou, por 14 votos contra 3, a ideia de acrescentar todos os cânceres à lista. Ele também rejeitou explicitamente os cânceres de pâncreas, cérebro e próstata, por diversos motivos.

Howard concordou com a preocupação de alguns epidemiologistas de que seria difícil distinguir entre "quem desenvolveu câncer por causa do 11 de Setembro daqueles que desenvolveram por outros motivos" uma vez que o câncer é uma doença comum. Ele disse também que pode levar anos para obter dados científicos conclusivos que liguem o atentado aos casos de câncer.

Desde o início, cientistas, médicos e vítimas do ataque reclamaram que havia poucos dados coletados sobre as substâncias tóxicas no World Trade Center e sobre os níveis de exposição. Muitos trabalhadores seguiram ordens sem hesitar e compareceram ao trabalho no centro da cidade durante dias, semanas, meses e anos a fio, sem pensar nas consequências para a saúde. Choveram voluntários no local. As escolas da vizinhança foram evacuadas, mas as crianças voltaram às aulas enquanto a área ainda estava em escombros.

O relatório do comitê disse que não houve nenhuma coleta de dados durante os primeiros quatro dias depois dos ataques, quando o ar estava mais contaminado, e as amostras tiradas depois de 16 de setembro de 2001 não eram boas o suficiente para permitir fazer estimativas de exposições individuais ou da área a substâncias tóxicas.

Mas o comitê disse que "a alta prevalência de sintomas agudos e condições crônicas" nos trabalhadores de resgate e moradores e as descrições das condições em Lower Manhattan forneceram provas "bastante dignas de crédito" de que as pessoas foram expostas a níveis tóxicos de substâncias.

* Susan C. Beachy contribuiu com a pesquisa.

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